Novo organismo para fiscalizar autarquias divide Governo mas agrada a municípios

Declarações da ministra da Justiça colidiram com as do colega da Coesão Territorial. Associação de Municípios lembra que pede há muito reforço da fiscalização e inclina-se para solução de Rita Júdice.

O modelo de fiscalização das autarquias está a criar divisões dentro do Governo, devido à proposta de criação de uma nova entidade para o efeito, apurou o ECO. A eventual constituição deste novo organismo criou uma discórdia pública entre os ministros da Justiça, Rita Júdice, e o da Coesão Territorial, Castro Almeida. Contudo, é exatamente uma nova entidade, que na prática seria o renascimento daquela que foi extinta aquando da troika, que defendem os autarcas, como diz o vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), José Ribau Esteves, ao ECO/Local Online.

Esta semana, soube-se que o Governo colocou três ministérios à mesma mesa para discutirem a forma de monitorizarem de forma mais eficiente a ação dos 308 municípios e das mais de 3 mil freguesias do país. O terceiro ministério chamado será o das Finanças, que tutela a Direção Geral de Finanças, onde reside a atual equipa de fiscalização dos municípios.

Segundo confirmou o ECO junto do Ministério da Justiça, deste encontro de posições sairá a solução, encontrando-se em cima da mesa um de três cenários deixados no dia 9 pela ministra da Justiça, Rita Júdice, numa conferência em Pombal. A saber: dotar a IGF de um núcleo especializado para a administração local, o que exige reforço de meios humanos, admite o ministério; criar uma nova entidade, a solução inicialmente proposta por Rita Júdice num artigo de opinião no jornal online Observador, e imediatamente contestada por Manuel Castro Almeida; ou, terceira via, levar esta tarefa de fiscalização para um organismo já existente e que passe desempenhar a missão.

Dentro do Governo, apurou o ECO, a solução que reúne menos simpatias é precisamente a que foi lida como a apontada por Rita Júdice no Observador, num artigo de opinião publicado no dia Internacional da Luta contra a Corrupção. Lembrando que no tempo da troika foi extinta a Inspeção-Geral da Administração Local (IGAL), e que a Inspeção-geral de Finanças (IGF) assumiu essas funções, a ministra defendeu que “a IGF não está especialmente vocacionada para assegurar, com eficácia, a necessária função de controlo e pedagogia para o cumprimento”.

Manuel Castro Almeida veio pouco depois contestar a necessidade de tirar o controlo às autarquias da IGF, onde existe um subinspetor com uma equipa de 30 inspetores, apontando antes ao aumento da equipa para a casa dos 70. Ao Público, Castro Almeida referiu que “o que falta não são serviços, mas inspetores”.

José Ribau Esteves relembra o que vem sendo reivindicado pela ANMP desde o congresso eletivo de há três anos. “A ANMP tem uma proposta que repetimos agora nas propostas da lei do OE2025, a de criar uma entidade que já existiu, e que que se dedique em exclusivo à inspeção das autarquias portuguesas”, como em tempos foram IGAL e IGAT, relembrou.

“Há muitos anos, havia a regra de que todas as câmaras teriam de ter pelo menos uma auditoria por mandato. Quando o país integrou essa inspeção-geral na IGF, aconteceu uma redução drástica da capacidade da IGF de fazer este trabalho com as câmaras municipais”.

Apesar de o senso comum poder levar a pensar que um inspecionado tenderá a querer menos inspeção, Ribau Esteves assegura que “os autarcas lutam por isto há muito tempo. São sempre muito desagradáveis os anátemas”. Além do atual Governo, também aos anteriores foi solicitada esta solução.

É muito importante a atividade inspetiva regular às câmaras e juntas de freguesia. As inspeções têm sempre dimensão pedagógica, para ajudar a interpretar a lei — que se presta sempre a múltiplas interpretações — e detetarem erros que possam ser corrigidos, e erros que possam ter incidência criminal.

José Ribau Esteves

Vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses

“É muito importante a atividade inspetiva regular às câmaras e juntas de freguesia”, diz, invocando “questões pedagógicas. As inspeções têm sempre dimensão pedagógica, para ajudar a interpretar a lei – que se presta sempre a múltiplas interpretações – e detetarem erros que possam ser corrigidos, e erros que possam ter incidência criminal”.

Relativamente à capacidade humana e intelectual para restabelecer uma entidade como a extinta IGAL, Ribau Esteves afirma: “Não tenho dúvidas de que algum desse capital existe, e algum se perdeu, ou pela idade da reforma, ou por afetação a outros serviços. É como tudo na vida”.

O vice-presidente da entidade que representa os municípios portugueses deixa a questão: “Entendemos que é importante, ou não? Seja uma entidade criada de forma específica, uma direção geral de dedicação exclusiva, ou capacitar uma entidade como a IGF, é necessário”.

Contudo, o também presidente da câmara de Aveiro entende que a capacidade que existe atualmente nos serviços da IGF “é insuficiente. Para um trabalho inspetivo de bom nível, e numa ou noutra solução, é preciso recrutar e formar mais recursos”.

Reportando à sua experiência de 27 anos como presidente de câmara, Ribau Esteves não tem dúvidas de que os recursos humanos que transitaram para a IGF no tempo da troika e que ainda estão no ativo são “gente de grande qualidade”.

Apontando ao artigo do Observador, onde Rita Júdice escreve que é “no âmbito das autarquias locais” que “se centra parte significativa das denúncias de corrupção (48,5% das comunicações feitas ao Mecanismo Nacional Anticorrupção reportam-se a eventos ocorridos no nível autárquico)”, o vice-presidente da ANMP é corrosivo: “A ministra, na primeira intervenção, afirmou que a maior parte das denúncias que existem tem a ver com câmaras municipais… câmaras há 308, ministérios o país tem uma vintena”.

Na conferência realizada pela Câmara Municipal de Pombal neste mesmo dia 9, data em que se assinalou a luta contra a corrupção, a ministra da Justiça considerou que “é mais eficiente lidar com o fenómeno da corrupção na fase inicial, intervindo junto dos fatores que o facilitam. Atuar preventivamente tem menos custos para a sociedade do que reprimir e tentar reparar os danos causados, depois de consumada”, apontou.

E reforçou com outra ideia: “O sucesso da nossa ação será maior se não dermos condições para que a corrupção aconteça. Isso não quer dizer que desconsideramos a importância de um sistema punitivo eficaz e também ele dissuasor. Também não quer dizer que não valorizamos a necessidade de, nos casos concretos, apurar as responsabilidades individuais pelas infrações cometidas”.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Novo organismo para fiscalizar autarquias divide Governo mas agrada a municípios

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião