Autarquias estão a demorar mais tempo a pagar aos fornecedores
As câmaras que mais agravaram o tempo que demoram a pagar aos seus fornecedores são Santa Comba Dão (+93 dias) e, em ex aequo, Nelas e Setúbal, com mais 81 dias. Tábua contesta dados da DGAL.
As autarquias estão a demorar mais tempo a pagar aos seus fornecedores. No final do ano passado, num universo de 221 municípios para os quais existem dados, 20 demoravam mais de 60 dias a cumprir as suas obrigações e quase todos registam um agravamento face ao terceiro trimestre de 2024.
Das 20 câmaras incumpridoras da lei, dez demoram mais de 90 dias a pagar as faturas a fornecedores, mais três do que no trimestre anterior. Os dados da Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL) revelam que uma manteve o desempenho (Figueiró dos Vinhos, com 63 dias) e só uma melhorou os prazos de pagamento – Alfândega da Fé, que reduziu os seus prazos de pagamento em 27 dias para 91 dias.
O fecho das contas das autarquias no final do ano, o acerto de faturas característico do período e a demora no lançamento das faturas no sistema podem justificar este agravamento. Ao que o ECO apurou, a questão está inclusivamente a ser acompanhada pela Associação Nacional de Municípios, que está em diálogo com o Governo para que sejam adotadas medidas para resolver o problema.
O ECO questionou o Ministério da Coesão sobre este tema, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.
Este agravamento surge num contexto de aprofundamento do processo de descentralização de competências para os municípios, que aumentou a pressão nas contas das autarquias. A própria ANMP, no parecer à proposta de Orçamento do Estado para 2025, sublinhava que a descentralização trouxe “custos gerais e administrativos acrescidos não compensados pelo Fundo de Financiamento da Descentralização”; “novas obrigações ao nível dos transportes públicos de passageiros, onde nem sempre é assegurada a sustentabilidade financeira do serviço”; obrigatoriedade de intervir ao nível do direito à habitação, “sem o adequado e atempado financiamento”; “crescentes e subfinanciadas exigências ao nível da água, dos resíduos e da proteção civil”. As valorizações salariais dos funcionários públicos, o aumento da inflação e dos juros também pesam nos orçamentos que em termos genéricos reduziram o excedente de 353 milhões para 24 milhões, em 2023, de acordo com o Conselho de Finanças Públicas.
Tábua contesta números
De acordo com a DGAL, Tábua é a autarquia que mais tempo demora a pagar aos fornecedores, mas a câmara já contestou por escrito a informação. Nos últimos três meses de 2024, teria precisado de 253 dias para pagar as suas faturas, um forte agravamento face aos 120 dias registados no terceiro trimestre. No entanto, segundo a autarquia houve uma melhoria de desempenho, ao levar 109 dias a pagar.
O presidente da Câmara de Tábua denuncia ao ECO que os dados da DGAL estão errados, porque a autarquia reduziu as dívidas aos fornecedores em mais de um milhão de euros no final do ano passado. Ricardo Cruz revelou que o ROC da câmara enviou para a DGAL a contestação dos cálculos que segundo a autarquia revelam menos de metade dos valores apontados.
Já não é a primeira vez que a DGAL se engana a compilar os dados das autarquias. No final de 2023, Tábua surgia com um prazo médio de pagamento de 219 dias, quando afinal eram 123 dias. Uma revisão que o presidente da câmara justificou, ao ECO, com o facto de só “em abril as contas estarem fechadas e os dados estabilizados”. Uma revisão em baixa de 96 dias “é considerável”, desabafou na altura. Agora está em causa uma revisão muito maior – 144 dias.
Tábua tentou aderir a um saneamento financeiro voluntário, porque o nível de dívidas da autarquia não era suficiente para recorrer ao Fundo de Apoio Municipal (FAM), nem tão pouco para um saneamento obrigatório. O edil socialista explicou que para isso foi necessário deixar acumular algumas dívidas para poder “encaixar” nos critérios do saneamento voluntário. Em causa estava a contração de um empréstimo de seis milhões de euros junto da banca para pagar aos fornecedores. No entanto, as “taxas de juros de 5,5%” que lhe foram pedidas “eram incomportáveis para municípios pequenos como Tábua”, por isso, não se avançou com esta opção, que estava a ser negociada com os ministérios das Finanças e da Coesão.
A solução foi retomar os pagamentos que tinham sido suspensos para fazer volume e tendo sido saldados mais de um milhão de euros em dívidas que agora ascendem a cerca de 3,4 milhões de euros, revelou o autarca. Ricardo Cruz queixa-se da injustiça de autarquias que recorrem ao FAM pagarem apenas juros de 0,9%, quando as “mais bem-comportadas” tem de suportar os juros de mercado.
Perante a “situação frágil de tesouraria” de alguns municípios, a ANMP no parecer à proposta do OE2025 sugeria que o OE2025 viabilizasse “a criação de um empréstimo extraordinário junto do FAM destinado à liquidação de pagamentos em atraso”. Em 2022, o OE previa a criação deste tipo de empréstimos, para financiar despesa corrente, por contrapartida de uma diminuição das transferências.
“Estão em causa municípios muito dependentes das transferências do OE que, na conjuntura atual de aumento de preços e valorizações remuneratórias, viram todas as despesas correntes aumentar, o que, perante a incapacidade de gerar receitas próprias, trouxe como consequência o aumento muito significativo da dívida de curto prazo (a fornecedores) e o aumento do prazo médio de pagamentos e dos pagamentos em atraso, bloqueando a capacidade de assunção de nova despesa, por inexistência de fundos disponíveis e criando constrangimentos graves nas próprias economias locais”, justificava a ANMP no parecer, recordando que “a taxa de juro comercial de mora atinge o valor elevadíssimo de 12,5%”.
A proposta da ANMP era criar um empréstimo junto do FAM, com caráter excecional, destinado aos municípios que, no final de 2024, apresentassem um volume de pagamentos em atraso superior a um milhão de euros e que ainda não tinham aderido ao FAM, com uma taxa de juro “largamente mais favorável do que as taxas de mercado e a taxa de juro de mora e com um prazo máximo de 14 anos.
Santa Comba Dão Nelas e Setúbal agravam mais atrasos
No universo de 221 municípios para os quais existem dados (menos 39 do que no trimestre anterior) na DGAL, 20 demoravam mais de 60 dias a pagar aos fornecedores, sendo que as autarquias que mais tempo demoram a pagar são Tábua (253 dias, valor contestado e que a retira do TOP10), seguida de Santa Comba Dão (224 dias) e Setúbal (155 dias). Mas as câmaras que mais agravaram o seu desempenho foram Santa Comba Dão (+93 dias) e em ex aequo Nelas e Setúbal com mais 81 dias.
“As transferências de competências para os municípios sem os adequados envelopes financeiros será uma das principais causas”, explicou ao ECO o gabinete da presidência da Câmara de Setúbal. “Tal como acontece com diversas autarquias portuguesas, a situação financeira do município de Setúbal tem vindo a ter uma evolução que não é isenta de problemas, com dificuldades em fazer face, atempadamente, aos compromissos assumidos”, acrescenta.
A autarquia liderada por André Valente Martins dá dois exemplos de pressão: a educação e a saúde. No “caso da educação, desde abril de 2022 a Câmara Municipal de Setúbal já acumulou um défice superior a três milhões de euros” e a autarquia “assumiu, em contrato-programa, a construção do novo centro de saúde de Azeitão”, sendo que “até à data, os valores da responsabilidade do Ministério da Saúde ainda não foram pagos”. “Estamos a falar de mais de 1,3 milhões de euros”, frisa o gabinete do edil comunista.
Valente Martins critica a “crescente desresponsabilização do Estado e dos sucessivos governos no que diz respeito ao necessário investimento na saúde”, e a “recusa da Administração Central em construir novos centros de saúde”. “Mesmo nos casos em que a câmara obteve financiamento comunitário, estas empreitadas representaram um acréscimo de pressão na tesouraria do município”, acrescenta, sublinhando que “os sucessivos cortes, de forma irresponsável, nas receitas municipais impostos pelos partidos da oposição – PS e PSD” se traduzem no seu mandato na perda estimada “de mais de 20 milhões de euros através da imposição da redução das taxas do IMI e da participação variável do IRS”.
Nelas, que teve o mesmo agravamento na demora dos pagamentos a fornecedores (+81 dias), aponta outras razões para este desempenho, nomeadamente ao nível das utilities. As faturas da Associação de Municípios da Região do Planalto Beirão, que recolhe e trata os resíduos de 19 municípios da região, estavam pré-registadas, mas só tiveram cabimento no final do ano. A E-redes procedeu no final do ano aos habituais acertos e estavam por isso 300 mil euros em falta em janeiro, avançou ao ECO o vereador Artur Ferreira. Além disso, Nelas compra água a Mangualde, fruto de um protocolo de 1995, que tem por hábito fazer “acertos de contas, com a emissão de notas de crédito que beneficiam os seus saldos mas prejudicam os nossos e isso voltou a acontecer”, acrescentou o responsável.
Nos atrasos pesam ainda as faturas em dívida dos transportes escolares e das refeições escolares. Sem contar com as dívidas a Mangualde que “ainda estão em negociação, a câmara tem cerca de 1,4 milhões de euros por liquidar aos fornecedores, revelou Artur Ferreira.
O ECO contactou também a câmara municipal de Santa Comba Dão, mas até à publicação deste artigo não obteve resposta.
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