Artes

“Roubo em massa” ou evolução criativa? A polémica em torno do leilão de arte com IA da Christie’s não para de crescer

Rita Ibérico Nogueira,

Mais de três mil artistas assinaram a carta de protesto enviada para a leiloeira, que há dias anunciou a sua primeira venda dedicada à arte criada com inteligência artificial.

A Christie’s, uma das mais prestigiadas casas de leilões do mundo, está no centro de uma acesa controvérsia depois de anunciar o evento Augmented Intelligence, um leilão programado para o próximo dia 20 que inclui 20 obras a preços estimados entre os 10.000 e os 250.000 dólares (9.600 e 241.000 euros), de artistas como Refik Anadol, Pindar Van Arman, Alexander Reben, Claire Silver ou o falecido pioneiro da arte computacional Harold Cohen. Contudo, milhares de artistas acusam a iniciativa de legitimar o uso indevido de obras protegidas por direitos de autor e exigem o cancelamento do leilão.

Segundo o jornal britânico The Guardian, uma carta aberta assinada por cerca de 3.000 artistas, incluindo Karla Ortiz e Kelly McKernan – que já processaram empresas de IA por alegações semelhantes –, denuncia que muitas das obras à venda neste leilão foram criadas com modelos de inteligência artificial treinados com trabalhos de artistas humanos sem licença. O documento critica a Christie’s por “recompensar e incentivar o roubo em massa” e pede a suspensão imediata do leilão.

A fronteira entre a arte e a ética
O debate sobre o uso de IA na arte tem sido um dos temas mais polémicos no meio criativo. Ferramentas como Stable Diffusion e Midjourney, que geram imagens a partir de vastos bancos de dados, estão a ser questionadas quanto à legalidade da forma como são treinadas. Para os artistas que subscreveram a carta, a tecnologia utilizada neste leilão representa uma exploração comercial de criações humanas, sem compensação ou consentimento.

O compositor britânico Ed Newton-Rex, signatário da carta, afirmou ao The Guardian que pelo menos nove das obras presentes no leilão parecem ter sido criadas com base em modelos de IA que usaram trabalhos protegidos por direitos de autor. Outros lotes, no entanto, não apresentam indícios desse tipo de prática.

Em resposta às críticas, um porta-voz da Christie’s declarou que “na maioria dos casos” os modelos de IA utilizados foram treinados exclusivamente com contribuições dos próprios artistas. A casa de leilões sublinha que todos os participantes da venda têm carreiras artísticas consolidadas e que a inteligência artificial é utilizada para aprimorar os seus trabalhos, sem comprometer questões de direitos autorais.

A obra de Holly Herndon e Mat Dryhurst tem um valor estimado de 70 a 90 mil dólares.

Apesar da contestação, alguns artistas defendem a iniciativa e rejeitam as acusações. Mat Dryhurst, que participa no leilão com uma peça desenvolvida em colaboração com a sua mulher, Holly Herndon, afirmou que a sua obra investiga a forma como o “conceito” da artista aparece em modelos de IA disponíveis publicamente. Para Dryhurst, os esforços deveriam estar concentrados nas empresas que criam e comercializam essas ferramentas, e não nos artistas que exploram novas possibilidades criativas dentro da legalidade.

Refik Anadol, outro artista envolvido no leilão, também refutou as críticas, considerando-as fruto de uma “histeria apocalíptica” e de “práticas críticas preguiçosas”. O artista esclareceu que a sua peça, ISS Dreams, foi gerada a partir de conjuntos de dados da NASA disponíveis publicamente, uma prática comum entre artistas há décadas. Para ele, as alegações de que o seu trabalho foi criado com dados protegidos por direitos de autor são “factualmente incorretas”.

“Daughter”, de Claire Silver, está valorizada entre os 40 e os 60 mil dólares.

O Impacto da IA no mercado de arte e luxo
A ascensão da arte gerada por IA levanta questões fundamentais sobre criatividade, propriedade intelectual e o futuro do mercado de arte. Enquanto críticos denunciam uma apropriação indevida do trabalho de artistas humanos, defensores veem na tecnologia uma nova ferramenta para expandir os limites da expressão artística.

No universo do luxo, onde a autenticidade e a exclusividade são valores centrais, a entrada da inteligência artificial na produção artística desafia as perceções tradicionais. Poderá a arte gerada por IA conquistar um estatuto equivalente ao da arte tradicional? Ou será sempre vista como um subproduto da tecnologia, sem o mesmo valor cultural e histórico? O leilão da Christie’s poderá fornecer algumas respostas, mas a discussão está longe de terminar.

 

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