Crescimento do Chega vai estender-se às câmaras? “Não se consegue multiplicar Venturas por 308 municípios”

Votar em legislativas e em autárquicas não é igual. À opinião, comum a autarcas, candidatos e uma politóloga ouvidos pelo ECO/Local Online, junta-se outra: sozinho, Ventura não chega para ganhar.

“Obviamente, será irreal da minha parte não assumir a derrota do PS”, diz Alexandra Leitão, candidata do PS à câmara de Lisboa e braço direito de Pedro Nuno Santos na direção socialista agora cessanteLusa

 

O terramoto político do passado domingo está já na sala de crise dos principais partidos autárquicos, com natural ênfase no PS, a maior força política na presidência de câmaras municipais e, simultaneamente, o epicentro da vitória do Chega, ao não conseguir eleger mais deputados que o partido de André Ventura, ficando ambos com 58 (até à contagem dos votos no estrangeiro, cujos resultados vão ser conhecidos a 28 de maio).

“Naturalmente que os resultados no domingo foram preocupantes, não só pelo resultado eleitoral em si do PS, mas também algum crescimento da extrema-direita”, assume Alexandra Leitão, candidata à maior autarquia do país, Lisboa. “Obviamente, seria da minha parte irreal não assumir [a derrota do PS]”.

Numa opinião defendida por vários autarcas, candidatos, responsáveis políticos e politólogos ouvidos pelo ECO/Local Online, a dirigente socialista e líder parlamentar do PS na legislatura terminada há meses, considera que as eleições autárquicas são diferentes das legislativas. “As coisas não são extrapoláveis, sem prejuízo de que para o PS não foram boas eleições”. Nas autárquicas, considera, “há uma palavra essencial: proximidade, as pessoas precisam é que lhes resolvam os problemas”.

Em consonância, Pedro Alves, coordenador do processo autárquico do PSD, também vê os dois momentos eleitorais deste ano como “eleições completamente distintas”.

“Não dá para fazer extrapolação direta de um resultado para o outro, embora se compreenda que existe uma alteração de intenção de voto, mas a penalização sobretudo é para o PS. O Chega não tem qualquer implantação autárquica, não lidera qualquer município. Do ponto de vista das lideranças locais, não me parece que seja essa a indicação do voto. O resultado foi em função do que era projetos para o país e não do que era municipal”, analisa o social-democrata, que, do seu lado, vê “muito mais conforto” a partir da vitória do PSD no domingo “para abordar autárquicas”.

“Pode alavancar as estruturas locais”, considera o responsável pela gestão do processo autárquico no segundo maior partido autárquico, detentor de 114 presidências de câmara (algumas, como Lisboa, em coligação com o CDS, entre outros partidos com menor representação), contra 148 do PS, 19 da CDU e seis do CDS-PP.

“O eleitor, quando escolhe a nível autárquico está a gerir de forma quase direta a sua casa. Aí, escolhe aqueles em quem mais confia, numa política de proximidade. Não tem tanto a ver com questão de natureza política ou partidária. O Chega não tem qualquer experiência de gestão”, aponta o coordenador do processo autárquico dos social-democratas.

Se atendermos ao todo nacional, os autarcas do PS estariam muito mais preocupados, porque, inclusive, nos seus concelhos o PS ficou em terceiro nas escolhas dos cidadãos. Não creio que haja para nós consequências negativas, pelo contrário, é um estímulo”. A expectativa do dirigente social-democrata é a de o PSD superar o PS nas urnas, em setembro ou outubro deste ano (a data terá de ser marcada pelo novo Governo até meados de julho).

Alexandra Leitão não se mostra tão certa. “Se olhamos para o histórico de muitos outros momentos da política portuguesa, até momentos do PSD em maioria absoluta, as eleições autárquicas foram vencidas pelo PS. Isso confirma que são eleições diferentes e que os eleitores são motivados por coisas diversas”, entende Alexandra Leitão. Reconhecendo que as estatísticas apontam à vantagem do incumbente sobre o desafiador, Alexandra Leitão carrega nas críticas ao trabalho executado por Carlos Moedas em quatro anos de governação e assegura: “parto para estas eleições com toda a humildade de quem tem noção do peso estatístico que o incumbente tem. A minha humildade não é maior nem menor do que era até domingo”.

É um fenómeno importante e vai haver reflexo e continuidade no plano autárquico, mas é importante ter em conta que o Chega é particularizado no líder. Não se consegue multiplicar Venturas por 308 municípios.

Paula Espírito Santo

Politóloga

A “estrela” Rita Matias em Sintra e a vitória de Santana Lopes na Figueira da Foz há duas décadas

Numa análise aos candidatos do Chega já conhecidos, Paula Espírito Santo reconhece que Sintra se apresenta como um caso à parte, precisamente pelo rosto em disputa. Município liderado pelos socialistas, com Basílio Horta, há uma dúzia de anos, e antes dele com PS e PSD intercalados desde 1976, Sintra caiu para o lado do Chega neste domingo. Como candidata, o Chega apresenta aquela que será, em conjunto com Ventura, a política com maior impacto mediático e nas redes sociais, Rita Matias. “Aí, já é um caso distinto”, diz a politóloga, apontando à combinação entre a vitória legislativa e a notoriedade da candidata chegana às autárquicas.

“Podemos não multiplicar os resultados das legislativas em todos os concelhos, mas em Sintra pode acontecer. Não tendo ainda resultados de sondagens, poderá haver essa continuação. Sintra é um concelho com população relativamente jovem, muito heterogéneo, e Rita Matias poderá ter implantação. No plano autárquico, normalmente, a escolha é feita pelo conhecimento das figuras candidatas”. Exemplo disso, diz a politóloga, a eleição de Pedro Santana Lopes para a presidência da Figueira da Foz há duas décadas. “Pode haver atratividade da figura política, pode haver renovação”, admite, porque “o plano local é sempre muito incerto. São dinâmicas diferentes do nacional”.

Apesar da insistência junto do Chega, o ECO/Local Online não conseguiu chegar ao contacto com Rita Matias.

Podemos não multiplicar os resultados das legislativas em todos os concelhos, mas em Sintra pode acontecer. Não tendo ainda resultados de sondagens, poderá haver essa continuação. Sintra é um concelho com população relativamente jovem, muito heterogéneo, e Rita Matias poderá ter implantação.

Paula Espírito Santo

Politóloga

Sobre o impacto para o PS no pós-18 de maio, Paula Espírito Santo coloca ênfase no momento da escolha da liderança, antes ou após as autárquicas. Matéria em que poucos se querem atravessar, diga-se.

Alexandra Leitão remete a sua decisão para a comissão nacional, ao passo que o autarca do Barreiro, Frederico Rosa, acha que a eleição interna não deve ser agora. “O partido deve deixar que as diferentes concelhias e distritais se foquem nas autárquicas, mesmo que haja liderança intermédia. Deve dar-se espaço às pessoas [autarcas] para poderem construir propostas e estratégias”.

A Norte, onde a batalha se travou entre AD e PS, como habitualmente, entre os socialistas pede-se atenção ao momento atual da liderança nacional. “O impacto que pode haver é se entrarmos numa luta fratricida internamente. Se houver disputa eleitoral no PS antes das autárquicas, poderá haver impacto”, diz ao ECO/Local Online o presidente da federação do PS na Guarda, Alexandre Lote.

Já o candidato socialista a Guimarães, maior concelhia do PS, prefere eleições internas imediatas, caso haja apenas um nome em equação. E, nesse caso, espera que seja José Luís Carneiro. Com vários nomes em luta pela liderança “fará sentido abrir esse processo depois, com Carlos César a assumir interinamente o comando do PS”, diz Ricardo Costa. “A partir de agora, é o tempo das concelhias e do trabalho local e de proximidade”, defende.

Uma coisa é certa para a politóloga: “O PS teve este abalo enorme e vai haver necessidade de posicionamento mais forte e dinâmico”.

[O PS] fará a reflexão necessária dos resultados eleitorais das legislativas em sede e momento próprios. A representatividade do PS, entretanto reduzida neste novo cenário parlamentar, merece uma ponderação séria, profunda e alargada. Não há duas eleições iguais e a natureza de cada ato eleitoral distingue, ainda mais, as legislativas das autárquicas. Não há possíveis leituras nacionais feitas a partir da realidade local, nem há hipótese de leituras locais a partir da realidade nacional.

Ricardo Costa

Candidato à câmara de Guimarães, maior concelhia socialista no país

Partido de Ventura “toma de assalto” terceiro distrito mais populoso do país

A dinâmica de vitória do Chega teve particular impacto no Alentejo e no distrito de Setúbal. Neste, terceiro mais populoso do país, atrás apenas de Lisboa e Porto, o partido de Ventura teve 26,4%, recolhendo 130 mil votos, quase 7.000 mais que o PS. Há um ano, os socialistas tiveram 157 mil votos e o Chega 102 mil.

Já a CDU, coligação histórica nestes concelhos (mas que há muito perde nas legislativas, sendo superado até pelo PSD), ficou atrás do Chega em mais de 94 mil votos, recolhendo apenas 7,1% no distrito.

Poderá parecer que passaram muitos anos, mas há apenas 40 meses, aquando da maioria absoluta de António Costa, a distribuição fez-se com 45,8% para o PS, 16,2% para o PSD, 10% para o PCP e só depois aparecia o Chega, com 9% no somatório dos 13 municípios do distrito.

Nas autárquicas decorridas três meses antes, em setembro de 2021, as primeiras a que o Chega se candidatou, com nomes em pouco mais de 200 municípios, os resultados destoavam apenas para PCP e PSD, que obtinham 32% e 6%, respetivamente, ao passo que Chega e PS não sofriam grandes oscilações nas respetivas votações entre as duas eleições: 36,1% vs 45,8% para socialistas nas autárquicas e legislativas, e 6,45% vs 9% para os cheganos.

Numa entrevista ao ECO/Local Online realizada em vésperas das legislativas, Paulo Silva, autarca da CDU no Seixal, concelho ganho pelo Chega no domingo, não contestava o fenómeno da transumância de votos entre os dois partidos, mas salientava: “conheço muita gente que diz que é do Chega, mas que nas autárquicas vai votar na CDU”. Questionado sobre a forma como o PCP encara o partido de André Ventura, que vai somando vitórias em tradicionais bastiões comunistas, o presidente do município há 50 anos ‘vermelho’, designa-o de “adversário com ideias com que nós não nos identificamos minimamente”.

“Conheço muita gente que diz que é do Chega, mas que nas autárquicas vai votar na CDU”. A garantia é de Paulo Silva, autarca do Seixal, onde saiu vencedor o ChegaHugo Amaral/ECO

No curto período entre a maioria absoluta de Costa e o desaire do PS neste domingo, inferior ao tempo de uma legislatura (apesar de estas terem sido as terceiras legislativas em menos de quatro anos), o Chega arrecadou mais 90 mil votos e os socialistas perderam mais de 75 mil votos, enquanto os comunistas ficaram 8.500 aquém do resultado anterior. Nota para a soma do PSD e do CDS (que em 2022 concorreram separados) que significou mais 32 mil votos, numa clara viragem à direita no bastião setubalense da esquerda, em linha com a tendência nacional.

Há um ano, primeira incursão legislativa de Luís Montenegro, Pedro Nuno Santos e Paulo Raimundo, mas terceira para Ventura, já havia sinais no distrito de Setúbal, com o Chega a ganhar mais de 60 mil votos desde as eleições de entronização de António Costa em 2022, e o PS a perder um quinto da sua base eleitoral, para 157 mil. O PCP, por seu lado, ficava a meio caminho entre os resultados de 2022 e 2025.

Nos seis concelhos a que presidem neste distrito, os socialistas perderam, no domingo, em três, todos para o Chega, sendo que no Montijo ficaram mesmo em terceiro lugar, atrás do PSD, quando em 10 de março de 2024 tinham saído vencedores.

Município que resistiu à ofensiva do Chega, o Barreiro, o autarca socialista entende que “as pessoas distinguem muito bem a eleição nacional da local, que é de maior proximidade, com protagonistas genericamente da terra”. O presidente da câmara barreirense, ganha pelo PS com 56,7% dos votos em 2021 – seguido do PCP com 23,4 e, atrás do PSD, mostrando o Chega com apenas 4,3% – já vira a balança pender para o lado do partido de Ventura no ano passado, quando a diferença entre os dois foi de 20 pontos percentuais, mas agora, com ambos os partidos de novo na primeira e segunda posições, o PS teve uma vitória por menos de sete pontos percentuais.

Temos que fazer o nosso percurso. Não podemos inverter um trabalho, ideias e convicções alicerçadas, por causa de um resultado. A nossa estratégia não é diferente do que tem sido o nosso percurso de quatro anos. A campanha é consequência do trabalho que se fez.

Frederico Rosa

Presidente da Câmara Municipal do Barreiro

A arte de “multiplicar Venturas”

“É importante ter em conta que o Chega é particularizado no líder. Não se consegue multiplicar Venturas por 308 municípios. Vai depender muito das figuras que forem escolhidas, e não vai haver [a] multiplicação [de Ventura]”, acentua a politóloga.

“Nas Europeias verificou-se isso. Ao contrário do que tinha acontecido meses antes nas legislativas, conseguiram eleger um deputado. Ventura aparecia sempre ao lado do candidato, e isso não ajudou. Não significa que não haja reflexo e que o Chega não cresça, mas a nível local há lideranças que se afirmam no plano autárquico pelo trabalho feito”, explica a politóloga ao ECO/Local Online. A exceção habitual entre as forças políticas é, considera Paula Espírito Santo, o PCP, em que as figuras são secundárias face ao partido e às dinâmicas e trabalho por este apresentados nos municípios.

O encurtamento do espaço pelo Chega ganha particular relevância nos municípios presididos pelo PS no Alentejo, Setúbal e centro do país. Almodôvar, Ferreira do Alentejo, Moura, Odemira e Beja, onde os socialistas ficaram em terceiro (tal como na Nazaré e em Alenquer), são exemplos. E Castro Verde ficou pintado a rosa por apenas 18 votos num universo superior a 3500 depositados na urna. Em Vila Franca de Xira, 252 votos aguentaram o PS à frente do Chega, mas aqui houve 79 mil vilafranquenses a cumprir o seu dever no domingo, o que torna a luta ainda mais renhida.

“As legislativas têm sempre leitura nacional”, salvaguarda Fernando Ferreira, presidente da autarquia de Vila Franca de Xira, ao ECO/Local Online. “O PS irá fazer essa leitura nacional, reunindo os órgãos nacionais nos próximos dias. A nível local, continuamos a trabalhar com todo o afinco”.

Na autarquia vizinha, Alenquer, o presidente socialista em final do terceiro mandato diz-se “surpreendido” e “entristecido” perante o resultado do Chega no seu concelho. Ali, explica, o PS só não venceu aquando do Governo de maioria de Aníbal Cavaco Silva. “Surpreendeu-me o resultado e comecei a pensar e equacionar o que aconteceu para, num ano, ter mudado a inclinação de voto. Num ano não fizemos nada, em termos de medidas, que pudesse levar a este resultado”.

Pedro Folgado admite que os jovens possam ter dado um contributo importante para a vitória do partido de Ventura no concelho de Alenquer. Entre os fenómenos a analisar, há um muito falado nos últimos tempos: “um dos problemas do Carregado é a imigração”, aponta. “Há uma grande deslocalização de pessoas que se concentraram na freguesia do Carregado”. A imigração, assume, aumentou “bastante”, mas as empresas do concelho, algumas com 24 horas de laboração nos sete dias da semana, precisam desta mão-de-obra, já que entre os portugueses não existe disponibilidade, explica.

Como estratégia para as autárquicas, considera a proximidade vital. “É importante abordar as pessoas, explicar o que é da nossa responsabilidade e competência e o que é do Estado central”, designadamente a alocação de um médico de família onde não há um único. “É pouco tempo, mas não podemos baixar os braços. Isto é um problema de comunicação. Nós precisamos de imigração”.

Mais resiliente para os socialistas, Coruche “deu” vitória por uma nesga – mais uma terra de touradas em que o Chega subiu, contando-se no domingo várias autarquias ribatejanas adeptas da ‘festa brava’ e presididas por socialistas, mas que fizeram esta agulha para o Chega, como Almeirim, Alpiarça (onde a autarca, Sónia Sanfona, foi muito criticada no seu partido por ter defendido a verificação da riqueza de quem recebe apoios sociais e apresenta sinais exteriores de saúde financeira) Chamusca e Salvaterra de Magos. Abrantes, Constância e Entroncamento também guinaram para o Chega no domingo.

Francisco Oliveira agarra-se aos 81 votos de vantagem em 9.700 votantes no concelho para reforçar que foi o PS o vencedor no domingo. “Não me parece que o Chega possa ter candidatos que façam frente” aos partidos tradicionais nas autárquicas. O Chega, diz, reforçando uma mensagem que o ECO/Local Online ouviu de várias vozes, é “um partido unipessoal”.

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