Loja centenária lisboeta de ginjinha promete resistir ao fecho nos tribunais
Com ordem para encerrar a loja na próxima segunda-feira, o gerente da Ginjinha Sem Rival, em diferendo com o proprietário do edifício, um empresário alemão, assegura que vai manter as portas abertas.
A histórica loja Ginjinha Sem Rival, instalada na zona histórica de Lisboa desde 1890, tem ordens para fechar portas no final do mês, mas o gerente promete “lutar até ao fim”, nem que seja nos tribunais.
Em causa está um diferendo entre o gerente da Ginjinha Sem Rival, Nuno Gonçalves, e o atual proprietário do edifício, Axel Gassnann, um empresário alemão que instalou no mesmo prédio um hotel e que denunciou o contrato de arrendamento da loja centenária, situada na Rua das Portas de Santo Antão, a poucos metros da Praça do Rossio.
A mediar este conflito está a Câmara Municipal de Lisboa, através do vereador responsável pelo programa “Lojas com História”, Diogo Moura, que admitiu à agência Lusa que o desfecho mais previsível é este diferendo acabar a ser esgrimido nos tribunais.
Alheios a este problema, centenas de turistas continuam a entrar diariamente na Ginjinha Sem Rival para provar o tradicional licor de ginja, deixando Abílio Coelho, há mais de 50 anos atrás do balcão deste estabelecimento, sem mãos a medir.
Com um rosto mais fechado, o gerente deste espaço centenário, Nuno Coelho, bisneto do fundador, lamentou a intransigência do atual senhorio em anuir a permanência deste negócio com a mesma gerência.
“A posição do senhorio é totalmente irreversível. Há mais de um mês que não mostra qualquer vontade, nem de dialogar connosco, nem com a Câmara Municipal de Lisboa, porque acha que tem o direito de ficar com a loja. Nós não concordamos e, portanto, serão os tribunais a decidir”, afirmou.
Nuno Gonçalves referiu ainda que recebeu uma proposta “irrisória” de Axel Gassman para a aquisição da Ginjinha, classificando-a como “inaceitável”. “A minha família até a considerou, além de inaceitável, ofensiva, porque o senhor ofereceu 250 mil euros por este negócio de 135 anos”, frisou.
Ainda que tenha ordem para encerrar a loja na próxima segunda-feira, o gerente da Ginjinha Sem Rival assegurou que vai manter as portas abertas até que um tribunal determine que as feche.
“Vamos manter o nosso ritmo de trabalho normal e, muito provavelmente, o senhor irá pôr uma ação de despejo, à qual nós iremos contestar em tribunal porque achamos que estamos protegidos como Loja com História até ao final do ano de 2027”, argumentou.
A Ginjinha Sem Rival, criada em 1890, é uma das 162 lojas distinguidas pela Câmara e Lisboa no âmbito do programa Lojas com História, criado com o objetivo de proteger estabelecimentos emblemáticos da cidade.
A legislação em vigor garante proteção dos contratos até ao final de 2027, sendo esse o entendimento tanto da gerência da Ginjinha Sem Rival, como da Câmara de Lisboa, segundo disse à Lusa o vereador com o pelouro das Lojas Com Historia, Diogo Moura.
“A Câmara está a acompanhar este processo e tem um entendimento sobre aquilo que é o reconhecimento destas lojas e esta distinção que é aplicada nos seus estabelecimentos. A lei define que há uma proteção legal destes contratos até dezembro de 2027 e esse é também o entendimento do inquilino”, observou.
Reconhecendo os limites da sua intervenção numa disputa entre privados, o autarca assegurou estar a fazer tudo o que a lei permite para evitar o fecho da Ginjinha Sem Rival e disponibilizou-se para ter uma intervenção jurídica, caso o diferendo avance para os tribunais.
Paralelamente, Diogo Moura referiu que a Câmara de Lisboa está a ultimar uma proposta de revisão do regulamento das Lojas com História, para permitir o alargamento do número deste tipo de estabelecimentos e explicou que esse trabalho está a ser realizado com a colaboração de 14 municípios.
O vereador defendeu também uma alteração da lei por parte do Governo que permita “clarificar os direitos dos novos contratos de arrendamento e reforçar a proteção de negócios que, para além do valor histórico, demonstre viabilidade económica e relevância cultural”.
Por sua vez, numa resposta enviada à agência Lusa, fonte oficial da Europe Hotels International (EHI), detentora do prédio da Ginjinha Sem Rival, disse esperar que o espaço esteja desocupado na segunda-feira, mas manifestou a sua disponibilidade para um entendimento.
“A EHI afirma continuar aberta a um entendimento, reiterando que existe uma proposta financeira, “muito vantajosa”, apresentada aos responsáveis pela Ginjinha Sem Rival, que permitiria a mudança da loja para outro local, mantendo a produção e alargando até a distribuição da bebida no próprio hotel. A empresa considera que a solução está nas mãos dos arrendatários, apelando ao “bom senso” para evitar que o caso avance para tribunal.
A mesma fonte assegurou ainda que o objetivo passa por manter a loja com a sua traça original e a venda de ginjinha ao público, como atualmente, mas com a realização de obras de reabilitação, tanto no interior como no exterior.
“Sobretudo, pretendemos renovar o espaço e melhorar a sua imagem mantendo totalmente a tradição. Temos uma visão no sentido de manter as tradições de Lisboa e da sua cultura. Não queremos adulterar as tradições de Lisboa, por isso, a decisão de manter a loja, o seu conceito e a inserção de uma imagem de qualidade da loja na baixa pombalina”, sublinha a EHI.
Para o atual proprietário do prédio da Ginjinha Sem Rival, o contrato do estabelecimento já não está abrangido pelas regras das Lojas com História, uma vez que a gerência celebrou em 2014 um novo acordo com a empresa russa que detinha anteriormente o edifício.
Este diferendo está a mobilizar cidadãos e associações da capital, como o Fórum Cidadania LX, uma das entidades que fomentou a criação do programa Lojas com História e que agora lamenta o possível encerramento de mais um estabelecimento comercial centenário.
“Realmente é uma tristeza que estejamos aqui agora, numa loja que foi classificada no Lojas com História, com os mesmos problemas que tínhamos há 15 anos, quando a loja também esteve ameaçada, mas ainda não havia Lojas com História”, refere Paulo Ferrero, do Fórum Cidadania Lx.
Paulo Ferrero lembrou que a criação do Lojas Com Historia se deveu, em parte, a uma mobilização popular para proteger a Ginjinha Sem Rival.
Para o ativista, o risco de encerramento de esta e de outras lojas centenárias de Lisboa deve-se à ausência de uma política de urbanismo comercial estruturada e criticou o facto de as decisões camarárias nem sempre protegerem o património da capital.
Apesar do fim do prazo do contrato, a Ginjinha Sem Rival promete continuar de portas abertas, servindo o tradicional licor a lisboetas e turistas. Entretanto, no dia 5 de julho, pelas 20:00, está prevista uma ação de solidariedade junto à entrada do estabelecimento, aberta a toda a comunidade.
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