Exclusivo Afinal, não é só o PRR. Estado foi o principal beneficiário do PT2020

Aumentar a competitividade, substituir investimento público, ajudar as contas públicas. Fundos europeus são usados para muitas coisas. No ranking dos maiores beneficiários primeira está em 30.º lugar.

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O Estado é o principal beneficiário dos apoios do Portugal 2020. Os 29 maiores beneficiários do quadro comunitário, em fase final de encerramento, são organismos do Estado, empresas públicas ou autarquias. A primeira empresa da lista é a Bosch Car Multimédia, com dez projetos financiados, com 85 milhões de euros de apoios europeus.

O Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) é a entidade que mais fundos comunitários recebeu e executou, num total de 2,1 mil milhões de euros. É a instituição responsável pelo pagamento dos apoios à formação, à contratação ou ao emprego.

O segundo lugar do pódio é ocupado pela Direção-Geral do Ensino Superior, com 589 milhões de euros, e o terceiro pela Infraestruturas de Portugal (IP) com 472 milhões de euros executados, apesar de ter 521 milhões aprovados.

A “necessidade de consolidação orçamental, nas décadas de 2010 e 2020” explica esta prevalência do setor público, considera Pedro Brinca. “O investimento público que havia não era suficiente sequer para manter as infraestruturas existentes”, lembra o economista. “Houve um desinvestimento líquido do stock público que era compensado através dos fundos europeus”, sublinhou o também professor associado na Nova SBE.

“Os fundos europeus estão a ir para o setor público para assegurar funções básicas do Estado”, afirma Pedro Brinca, sublinhando que, no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) a situação é “ainda pior”. O economista recorda mesmo as palavras do governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, numa conferência em 2022, na qual apelou “à utilização do PRR para sanear as contas públicas”.

O investimento público “deve ser exclusivamente, ou perto disso, financiado por fundos europeus”: “O investimento público em Portugal nos últimos anos tem sido financiado essencialmente pelo Orçamento do Estado. Nos anos do PRR esta situação deve mudar. Só assim conseguiremos implementar esses fundos, reduzir a pressão no nosso endividamento e ganhar margem orçamental”, avisou Centeno.

A economista Susana Peralta considera que os fundos podem ser uma forma de ajudar os países mais atrasados ao nível das infraestruturas. “Já que as regras orçamentais são iguais para todos, mas há uns que são mais beneficiados do que outros, os fundos estruturais podem ser um penso rápido para ajudar a compensar a heterogeneidade dos países e a inexistência de um verdadeiro orçamento federal”, defende a também professora associada da Nova SBE.

A IP viu no Portugal 2020 uma forma de alavancar o investimento ferroviário no país, sobretudo num contexto de fortes limitações ao investimento público. “Em 2016 tínhamos acabado de sair de um contexto económico complicado”, recorda o presidente da IP. Para Miguel Cruz, caso não existisse PT2020 “não teríamos tido um pacote de investimento em ferrovia tão significativo”, porque o Connecting Europe Facility (um outro programa europeu gerido centralmente em Bruxelas e dirigido a projetos estratégicos com determinadas componentes) e o Orçamento do Estado “não cobriam a totalidade das necessidades de financiamento”, frisa o responsável, nomeadamente “ao nível da modernização da rede. “Só no PT2020 estamos a falar de um pacote de investimentos de dois mil milhões de euros, só na ferrovia.”

Miguel Cruz sublinha ainda que a modernização da rede se dirigiu sobretudo à ferrovia das mercadorias, o que “significa que o impacto económico deste investimento foi muito significativo”.

Para Susana Peralta a crítica está no facto de os fundos serem usados para financiar o funcionamento do Estado, em vez de ter um efeito reprodutivo. “Choca-me menos a distinção entre despesa corrente e de capital propriamente dita do que entre público e privado, porque não sabemos quem são os beneficiários últimos dos fundos.”

A economista dá o exemplo do Banco de Fomento, que surge em quinto lugar no Top10 dos maiores beneficiários do quadro comunitário quase a terminar. Os 261 milhões de euros do PT2020 foram utilizados para capitalizar empresas. Os programas operacionais regionais, recorde-se, foram financiadores da Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD), que depois veio a ser integrada com a PME Investimentos na SPGM para dar origem ao Banco de Fomento, a 3 de novembro de 2020.

O impacto na economia da forma como os fundos são usados não é consensual. Se Centeno sublinha o efeito positivo nas contas públicas, Pedro Brinca prefere olhar para o efeito no longo prazo e avaliar se estão a tornar o país mais competitivo. Os fundos garantiram a convergência das regiões, diz Pedro Brinca. Mas, o economista “suspeita” de situações em que é o Estado a decidir em que empresas investir. “Se os critérios forem independentes” não há problemas, afirma. “Outra coisa é dar borlas fiscais para empresas com contactos diretos com o Governo”, critica.

Primeira empresa em 30.º lugar

É preciso descer no ranking à 30.ª posição para encontrar a primeira empresa. A Bosch Car Multimedia reconhece que os “incentivos do PT2020 permitiram acelerar projetos estratégicos com impacto na modernização industrial, na criação de emprego qualificado e no desenvolvimento tecnológico”. “Os projetos apoiados têm incidido em áreas como a digitalização, a mobilidade do futuro e o desenvolvimento de novas tecnologias, em colaboração com instituições académicas e centros de investigação”, explica fonte oficial da empresa alemã, sedeada em Braga, que faz componentes eletrónicos para a área automóvel.

Também a Bial considera que “os fundos europeus foram determinantes para o sucesso do programa de investigação e desenvolvimento (I&D) da Bial” e a prova são os dois medicamentos desenvolvidos a partir de Portugal e lançados à escala global. “Um marco significativo para a indústria farmacêutica nacional”, diz João Norte, vice-presidente, corporate affairs & market access da Bial. “Sem os fundos que nos têm sido disponibilizados ao longo dos anos, não teria sido possível”, garante.

A Bial surge em 6.º lugar no ranking dos maiores beneficiários privados do PT2020, com 35 milhões de euros executados. “Os incentivos recebidos, para além do investimento em I&D, foram também concretizados na expansão do Campus Bial, que incluiu a construção de uma nova unidade de produção de antibióticos e a ampliação do edifício industrial do grupo”, detalha.

Como o tecido empresarial nacional é sobretudo composto por PME, muitas “têm dificuldade em aceder diretamente aos fundos” ou a implementá-los, alerta a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP). Por isso, as associações acabam por desempenhar um papel fundamental.

Entre os maiores operadores privados estão várias associações — APICCAPS (calçado), Associações Empresarial de Portugal (AEP), CCP, Associação Portuguesa das Indústrias de Mobiliário e Afins (APIMA) e Associação Comercial e Industrial do Concelho de Esposende (Resulima) — que ajudam a colmatar falhas.

“No caso dos apoios às empresas, se não fossem as associações, perdia-se a eficácia da sua aplicação”, garante Gualter Morgado, diretor executivo da APIMA. “Os sucessivos governos nas últimas décadas usaram o elevado know-how das associações, para executar as políticas de apoio à inovação, desenvolvimento, formação e internacionalização”, acrescenta.

“Quase 90% do valor recebido pela CCP, prende-se com o desenvolvimento de projetos em articulação com outras estruturas associativas, em especial as designadas candidaturas integradas de formação, as quais envolveram, no PT2020, 34 associações nas regiões Norte, Centro e Alentejo”, detalha a secretária-geral da CCP, Ana Vieira. “A CCP substitui-se às entidades públicas na gestão destas candidaturas, mas com a vantagem de uma maior proximidade ao terreno e à realidade do tecido empresarial”, acrescenta. “Importa destacar que os fundos não são apenas fontes de financiamento do investimento, são também instrumentos catalisadores de mudança”, sublinha Luís Miguel Ribeiro, presidente da AEP. Por isso, a associação quer “mobilizar os recursos para dar resposta a desafios coletivos e apoiar o desenvolvimento da atividade empresarial e da economia portuguesa em geral”.

Os fundos não são usados para financiar as próprias associações, garantem, até porque as regras limitam essa possibilidade. Todos estão preocupados com a possibilidade de, num próximo quadro comunitário de apoio haver um corte nas verbas da Coesão, porque “Portugal é um dos países que continua a apresentar significativa disparidade no seu desenvolvimento regional”, alerta Luís Miguel Ribeiro.

A APIMA reconhece que tem apostado cada vez mais na participação em projetos europeus, com diversos parceiros nacionais e internacionais, “porque os envelopes financeiros geridos diretamente por Bruxelas são bem mais interessantes e com maior dotação que os nacionais”.

A CCP defende, há muito, um maior peso de ações de eficiência coletiva e uma maior cooperação entre o setor público e privado, porque “o objetivo não é apenas a execução dos fundos, mas a criação de valor para as empresas, os trabalhadores e o país”, conclui Ana Vieira.

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