Fisco quer apertar cerco aos reembolsos do IVA e alargar prazos
Auditoria propõe uma alteração à lei para suspender o período de devolução do imposto enquanto as Finanças analisam eventual fraude. Medida é duramente criticada pela Ordem dos Contabilistas.
A Inspeção-Geral de Finanças (IGF) quer apertar o cerco aos reembolsos do IVA e alargar prazos para a devolução do imposto e pagamento dos respetivos juros indemnizatórios, de forma a dar mais tempo ao Fisco para analisar eventuais riscos de fraude, segundo uma auditoria, realizada no ano passado, cujas principais conclusões foram publicadas no relatório sobre combate à fraude e evasão fiscais e aduaneiras de 2024 que o Governo enviou aos deputados da Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFAP) esta semana.
A proposta de alteração legislativa já mereceu duras críticas por parte da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) por “significar um verdadeiro retrocesso” e vai inclusivamente contra a agenda de simplificação fiscal, anunciada pelo Executivo de Luís Montenegro. O ECO já questionou o Ministério das Finanças, de Joaquim Miranda Sarmento, sobre se irá acatar a recomendação da IGF e até ao fecho deste artigo não obteve resposta.
O “relatório da auditoria ao sistema de reembolsos do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) […] evidenciou insuficiências no controlo tributário desenvolvido pela Autoridade Tributária”, lê-se no capítulo do relatório sobre o trabalho inspetivo da IGF. Nesse sentido, foram formuladas “diversas recomendações” relativas “à análise das situações de potencial risco identificadas na auditoria, de elevada materialidade e que não foram objeto de ação inspetiva“, de acordo com o mesmo documento.
A IGF efetuou “uma proposta de alteração legislativa ao decisor político em matéria de suspensão do prazo de concessão dos reembolsos, bem como da contagem dos juros indemnizatórios”.
A IGF considera que “os reembolsos de IVA de elevado valor deveriam ter sido inspecionados e não o foram por falta de tempo ou de meios”, explica ao ECO o fiscalista Afonso Arnaldo, da Deloitte.
Por isso, e “considerando as dificuldades resultantes do curto prazo de análise dos reembolsos, agravado pela falta de compatibilização das disposições que regulam a concessão dos reembolsos às realidades que decorrem da Lei n.º 7/2021, de 26/02“, a IGF efetuou “uma proposta de alteração legislativa ao decisor político em matéria de suspensão do prazo de concessão dos reembolsos, bem como da contagem dos juros indemnizatórios”, recomenda a entidade liderada por António Ferreira dos Santos.
“Isto é um verdadeiro passo atrás. A IGF quer aumentar o prazo para reembolsos do IVA, o que poderá gerar dificuldades de tesouraria nas empresas”, aponta Afonso Arnaldo. A bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados endurece os reparos, classificando a proposta como um “verdadeiro retrocesso, inclusivamente tendo em conta a agenda de simplificação fiscal protagonizada pelo Governo”. “O alargamento do prazo é atrasar os pagamentos dos reembolsos e dificultar as garantias dos contribuintes“, atira Paula Franco em declarações ao ECO.
O reembolso de IVA solicitado por um contribuinte deve ser efetuado pela Autoridade Tributária até ao fim do segundo mês seguinte ao da apresentação do pedido de reembolso ou até aos 30 dias posteriores ao da realização do pedido, no caso de o sujeito passivo estar enquadrado no regime especial de reembolso mensal.
Neste momento, “o reembolso de IVA solicitado por um contribuinte deve ser efetuado pela Autoridade Tributária até ao fim do segundo mês seguinte ao da apresentação do pedido de reembolso ou até aos 30 dias posteriores ao da realização do pedido, no caso de o sujeito passivo estar enquadrado no regime especial de reembolso mensal, sendo a inscrição efetuada a pedido do sujeito passivo”, esclarece Afonso Arnaldo. “Findo este prazo”, aponta o fiscalista, “os sujeitos passivos podem solicitar a liquidação de juros indemnizatórios”.
“Adicionalmente, e quando a quantia a devolver ultrapassar os 30 mil euros, o Fisco pode exigir caução, fiança bancária ou outra garantia adequada, que determina a suspensão do prazo de contagem dos juros indemnizatórios até à prestação da mesma, a qual deve ser mantida pelo prazo máximo de seis meses”, acrescenta o especialista em impostos indiretos. “Naturalmente, a AT pode solicitar informações ou documentos adicionais relativos às operações que determinam o pedido de reembolso”, alerta ainda.
A IGF propõe agora alargar os prazos de dois meses e de um, no caso do regime especial, para a restituição do imposto pago a mais pelos contribuintes e recomenda suspender o período para aplicação dos juros indemnizatórios, enquanto estiver a decorrer uma ação inspetiva a reembolsos “de elevada materialidade”, ou seja, de montante avultado, e que exija mais tempo e recursos por parte do Fisco.
A OCC está frontalmente contra esta recomendação. “O prazo não deve ser alargado nem suspenso, como aliás deveria ser encurtado, porque é a tesouraria das empresas e dos contribuintes que está em causa. Não é por falta de meios e recursos humanos que se devem alargar os prazos”, defende. “Esta proposta da IGF não favorece a economia, é asfixiar a tesouraria das empresas e vai contra a agenda de simplificação do Governo”, reforça.
O prazo não deve ser alargado nem suspenso como aliás deveria ser encurtado, porque é a tesouraria das empresas e dos contribuintes que está em causa.
No âmbito do pacote de simplificação fiscal lançado pelo Executivo no início do ano, uma das medidas, que ainda não foi aprovada, visa agilizar o pagamento dos reembolsos do IVA.
Entre as 30 iniciativas apresentadas, uma diz respeito à “simplificação dos procedimentos para a concessão de reembolsos de IVA”, que passa por permitir que qualquer contribuinte preste uma garantia bancária e igual valor, mesmo que o montante em causa seja inferior a 30 mil euros, para poder ter a devolução do imposto pago a mais de forma automática, sem ter de esperar um ou dois meses.
“No IVA, serão revistas as regras dos pedidos de reembolso e clarificados os requisitos exigidos para que possa ser efetivado, de modo a dar ao contribuinte a possibilidade de, a seu pedido, prestar garantia. Sendo prestada garantia, a devolução é logo feita e a garantia levantada no final”, lê-se na medida anunciada pelo Ministério das Finanças.
A proposta da IGF “de alargar os prazos para reembolso para dar mais tempo para analisar os pedidos e eventualmente detetar situações de fraude não é compatível com a própria agenda do Governo”, sublinha Paula Franco.
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