Autárquicas em Lisboa. Carlos e Alexandra disputam eleição na ‘fábrica’ de primeiros-ministros e Presidentes
Alexandra Leitão apresentou-se como candidata em janeiro, mas só agora anuncia coligação à esquerda. Carlos Moedas esperou por quarta-feira, já com a equipa completa. Quem sorrirá a 12 de outubro?
A Câmara de Lisboa é reconhecida como berço de líderes nacionais, com dois primeiros-ministros e um Presidente da República a passarem pela cadeira do poder na Praça do Município desde 1989, antes de chegarem aos mais altos cargos da política nacional. Este ano, as personagens principais são a ex-ministra e até há poucos meses número dois do PS nacional, Alexandra Leitão, e o atual presidente de Lisboa, surpreendente vencedor em 2021, quando interrompeu um ciclo vitorioso iniciado pelo edil António Costa.
O momento que se vive atualmente, com dois blocos a formarem-se para ganhar a câmara, remete-nos para 1989. Nesse ano, e sem saberem ainda, os lisboetas tiveram no boletim de voto dois futuros chefes de Estado, com Jorge Sampaio a levar de vencida Marcelo Rebelo de Sousa, a quem nem um mergulho no Tejo o fez desaguar na Praça do Município.
A vitória de Sampaio após uma década de poder de CDS e PSD sob a liderança do democrata-cristão Nuno Krus Abecassis (que Carlos Moedas não se esqueceu de nomear na sua apresentação decorrida nesta quarta-feira, chamando-o de “inesquecível”) foi possibilitada por uma inesperada aliança à esquerda com o PCP, que precedeu em 26 anos a “geringonça” criada por outro dos autarcas da história de Lisboa, António Costa.
Há 36 anos, PS, PCP, PEV e MDP/CDE, que se candidataram unidos, tiveram 181 mil votos. Na outra frente, a coligação do PSD de Marcelo, do CDS e o PPM não passaram dos 155 mil eleitores. Dos 17 vereadores em Lisboa, ficou 9/8 para Sampaio. Quatro anos antes, na derradeira vitória de Krus Abecassis, o PSD tivera 177.439 votos, a APU 109.013 e o PS, acabado de sair da primeira derrota legislativa para Cavaco Silva, ocorrida dois meses antes, ficou pelos 71.275 votos. Somados, PS e PCP poderiam ter batido a direita por 2.800 votos, e foi isso que Sampaio percebeu em 1985 e levou para 1989.
Só a destreza política do socialista a chamar a si um feroz rival do PS – o PCP de Álvaro Cunhal (secretário-geral que daria o seu lugar a Carlos Carvalhas ainda durante esse mandato autárquico –, permitiu levar a melhor sobre a direita em 1989. Lisboa, nesses anos iniciais da pertença do país à CEE (precursora da União Europeia) já era muito diferente da de 1976, quando o CDS teve cerca de 85 mil votos, mais que os 68 mil do PPD-PSD.
Numa esquerda com várias forças, as candidaturas mais votadas foram a FEUP (antecessora da APU e depois da CDU), que juntava PCP, MDP/CDE e a Frente Socialista Popular (cisão do PS de Soares), e o Partido Socialista. A primeira somou 92 mil votos, o PS conquistou 158 mil lisboetas. A capital era claramente de esquerda.
Mas voltando a 1989, é essa dinâmica de blocos que se repete agora em Lisboa, com coligações à direita e à esquerda (a confirmação de Alexandra Leitão chegou apenas nesta quinta-feira, um dia após o lançamento da candidatura liderada por Moedas) nos boletins de voto a 12 de outubro.
O que deve ser muito medido, pesado e até responsabilizado é se, na noite eleitoral, o Partido Socialista, numa coligação progressista que exista para a cidade, não conseguir ganhar as eleições pelo diferencial de votos correspondente aos votos no PCP — isto é, se os votos do PCP, juntando-se aos votos de uma coligação de esquerda progressista, fossem suficientes para retirar a câmara à direita –, os eleitores de esquerda vão ter que saber tirar as consequências e as conclusões dessa matéria.
De um lado, a equipa encabeçada pelo ainda presidente, Carlos Moedas, numa frente com PSD, CDS e Iniciativa Liberal, apresentada nesta quarta-feira, num evento decorrido na Estufa Fria e onde não faltou Luís Montenegro, a quem Moedas nunca se dirigiu como líder do PSD, mas sim como primeiro-ministro.
Do outro, a frente de esquerda encabeçada pela socialista Alexandra Leitão, juntando PS, Livre, Bloco de Esquerda e PAN. Ainda antes de ser oficial, era já uma coligação assumida dentro do PS lisboeta, e não desmentida pelo coordenador autárquico socialista na entrevista concedida ao ECO/Local Online este mês.
Nela, André Rijo deixava uma mensagem a João Ferreira, o comunista que tem conseguido manter a força do seu partido na capital. “O que deve ser muito medido, pesado e até responsabilizado é se, na noite eleitoral, o Partido Socialista, numa coligação progressista que exista para a cidade, não conseguir ganhar as eleições pelo diferencial de votos correspondente aos votos no PCP — isto é, se os votos do PCP, juntando-se aos votos de uma coligação de esquerda progressista, fossem suficientes para retirar a câmara à direita –, os eleitores de esquerda vão ter que saber tirar as consequências e as conclusões dessa matéria”.
Na mesma entrevista, o responsável pela coordenação autárquica do PS considerava que, nas autarquias em geral, os incumbentes levam vantagem. Por isso, e sinalizando este princípio, diz que Carlos Moedas leva vantagem sobre Alexandra Leitão.
Os bairros sociais “do” Chega e o PCP em oposição à “geringonça”
Enquanto a chamada direita democrática parte associada e deixa à parte o Chega, à esquerda há um avanço quase em uníssono, faltando o PCP para fazer o pleno. Que capacidade de tomar votos às duas frentes tem um Chega em crescendo nacional e, do outro lado, um PCP que tem perdido base eleitoral? Mas que, note-se, no cenário da frente de esquerda sem a sua chancela, será o único deste espetro político a dar alternativa aos eleitores de esquerda. Duas dúvidas a esclarecer a 12 de outubro.
Para estas eleições, o PS de Alexandra Leitão acredita que a coligação de Moedas teme a força entretanto ganha pelo Chega nos chamados bairros sociais da cidade, e que nas legislativas significou, como realça ao ECO/Local Online um presidente de junta socialista, a vitória do partido de Ventura na freguesia de Marvila com praticamente o dobro do resultado do PSD.
Marvila tem uma particularidade: concentra uma dezena dos designados bairros sociais. Talvez por isso, Moedas foi prolixo a referir-se a Marvila no seu discurso de apresentação de candidatura, onde não houve referências aos Novos Tempos, vencedores em 2021, e se destacou um “Por ti, Lisboa”. No outro extremo da cidade, no bairro da Boavista, o Chega levou a melhor nas três mesas de voto.
Para 12 de outubro, o Chega optou por não propor aos lisboetas um deputado do Parlamento nacional, ao contrário do que fez em Sintra, Amadora e Seixal, por exemplo. Na capital, prefere ir a jogo com um deputado municipal, Bruno Mascarenhas, eleito em 2021 para a Assembleia Municipal de Lisboa, numa candidatura liderada pelo apresentador de televisão Nuno Graciano (falecido em 2023), com quem Ventura se cruzava nos corredores do Correio da Manhã nos seus tempos de comentador de futebol.
Com Graciano, o Chega não iria além de 10.713 votos, abaixo dos 15.054 votos do BE e dos 25.520 do PCP-PEV. E muito aquém dos 80.869 do PS-Livre e também da coligação de direita, que somou 83.163 votos e levou Moedas a presidente de câmara por uns exíguos 2.294 votos, num universo de 243 mil lisboetas que foram às urnas.
O PCP, cujos votos de 2021, somados aos de Medina, teriam valido uma governação folgada de esquerda na câmara – nas autarquias não há possibilidade de coligações a posteriori e vence quem tem mais votos – repete o nome do vereador João Ferreira, que, conforme é público e o ECO/Local Online confirmou junto de fontes socialistas, se recusa terminantemente a alinhar numa versão autárquica da “geringonça” de 2015.
Contudo, pelo menos a nível nacional, o PCP de 2021 não é mesmo de 2025, e isso poderá significar que as forças da esperada coligação de esquerda absorvam parte deste eleitorado. Desde 2021, o país passou por três eleições legislativas de emagrecimento contínuo para os comunistas, acelerado pela invasão da Rússia à Ucrânia.
Em 2019, o PCP elegeu 12 deputados para São Bento, em 2022, já com a guerra em curso, caiu para metade, baixou para quatro em 2024 e após as eleições de 18 de maio soma três, um quarto dos lugares em que se sentava no Parlamento quando João Ferreira foi eleito para o atual mandato autárquico, com o melhor resultado municipal dos comunistas desde 2005.
Facas longas a 12 de outubro
Mas mesmo sem PCP na coligação, os dados de 2021 mostram potencial para uma noite de facas longas nas sedes de campanha de PS e PSD a 12 de outubro: se o bejense Carlos perder, será a segunda vez consecutiva que o incumbente em Lisboa sai derrotado. Moedas, que nesta quarta-feira se apresentou na Estufa Fria, não poupou nas críticas aos adversários.
Sem surpresa, Alexandra Leitão recebeu o ataque mais mordaz e Moedas até se permitiu lançar um repto “a todos os socialistas moderados que saibam que em comigo têm um porto de abrigo”. Apesar de o nome da destinatária não ser proferido, para bom entendedor uma rajada de palavras bastou: “O radicalismo que já conseguiu minar grande parte do PS e que tanto prejudicou o país, e que agora querem trazer este modelo falido para a nossa Lisboa”
Ainda nas contas que se preveem para 12 de outubro, se a lisboeta Alexandra não conseguir derrotar a direita, muitos socialistas questionarão, talvez mais ainda do que a sua prestação, a escolha de Pedro Nuno Santos, então líder do partido e ainda deputado em São Bento. É que pelo caminho ficou Marta Temido, a quem alegadamente as sondagens socialistas para 2025 sorriam.
Lisboa está a ser mal governada pelo PSD e pelo presidente de câmara atual. O PS tinha de fazer a sua maior aposta. Alexandra Leitão é a líder parlamentar do PS e a figura mais importante do PS depois de mim e do presidente [do partido]
Em outubro de 2023, a ex-ministra da Saúde, “estrela” na luta contra a pandemia, surgiu numa entrevista ao Expresso após a sua eleição para presidente da concelhia de Lisboa. Ali, era apontada como a responsável pela preparação do programa para as autárquicas de 12 de outubro próximo. Questionada sobre se gostaria de liderar o município, mostrou-se enfática: “Gostaria de ser autarca!”
E mais, quando questionada se poderia ser candidata: “Se isso for importante para Lisboa e para os lisboetas sim, claramente estarei presente e não virarei costas às dificuldades e a um combate por um projeto”.
Como se sabe, a 9 de junho de 2024, Temido seguia para outra capital europeia, Bruxelas, a liderar a comitiva socialista que venceu por menos de 40 mil votos os sociais-democratas, numa desforra da vitória ainda fresca e igualmente por “poucochinho” de Montenegro sobre Pedro Nuno Santos. A vitória que tirou espaço a Moedas para uma hipotética corrida ao PSD nacional.
Já para Lisboa, Pedro Nuno optou pela sua braço-direito e explicou porquê na apresentação da candidata, em janeiro, ainda sem qualquer coligação anunciada: “Lisboa está a ser mal governada pelo PSD e pelo presidente de câmara atual. O PS tinha de fazer a sua maior aposta. Alexandra Leitão é a líder parlamentar do PS e a figura mais importante do PS depois de mim e do presidente [do partido]”.
Pedro Nuno prosseguia: “O que é para nós claro é que da esquerda à direita começa a ser muito presente a ideia de que Carlos Moedas trabalha bem a sua imagem mas não consegue resolver problemas aos lisboetas. A escolha de Alexandra Leitão tem a ver com o perfil, com a dimensão política que granjeou ao longo dos últimos anos em Portugal, em representação do PS, o perfil de realização, de concretização que ela tem, e que nos oferece a possibilidade de podermos disputar a Câmara Municipal de Lisboa”.
Moedas com a IL, Leitão associa-se ao BE
Em 2021, o boletim de voto dos lisboetas registava Fernando Medina (PS/Livre) e Carlos Moedas (PSD/CDS-PP/Aliança/PPM/MPT), e ainda Beatriz Gomes Dias (BE), Bruno Fialho (PDR), Bruno Horta Soares (Iniciativa Liberal), João Ferreira (PCP), João Patrocínio (Ergue-te), Manuela Gonzaga (PAN), Nuno Graciano (Chega), Ossanda Líber (Somos Todos Lisboa), Sofia Afonso Ferreira (Nós, Cidadãos!) e Tiago Matos Gomes (Volt).
Na apresentação da candidatura de Fialho, o presidente da IL, João Cotrim Figueiredo dizia, sobre a não adesão à coligação liderada por Moedas, acreditar que os liberais seriam “capazes de retirar mais votos à esquerda, ao Partido Socialista e a Fernando Medina indo sozinhos, do que integrados numa frente eleitoral que acabará dominada pelos partidos que a compõem”.
Uma visão que Mariana Leitão, atual líder, não secunda. Numa entrevista publicada pela Lusa neste sábado, a recém-eleita presidente da IL dava nota da expectativa de estar presente em executivos autárquicos por via das coligações que fará com PSD e CDS, designadamente em Lisboa e no Porto.
Quanto ao Bloco de Esquerda, aplica-se a incógnita que vale para o PCP, mas numa interrogação ainda mais profunda, proporcional à crise visível nas últimas legislativas. Aquando das autárquicas de 2021, estavam na Assembleia da República 19 deputados bloquistas. Chegados a 2025, resta Mariana Mortágua.
Em Lisboa, nas legislativas de 2019, o BE conquistou 26.619 eleitores em Lisboa, bem acima dos resultados autárquicos ao longo do século na capital. Na eleição para a câmara em 2021, somou 15 mil, o que acentua a adesão superior dos alfacinhas ao Bloco quando se trata de legislativas.
Já a 18 de maio, a base eleitoral do partido no concelho encolheu até aos 8.500 votos, cerca de um terço do que obtivera em 2019. Num mero exercício matemático, numa proporção similar o BE não irá além dos 5.000 votos. Em 2021, até o PAN, também esperado nesta frente de esquerda, teve melhor resultado.
Nota: Artigo atualizado com a confirmação da coligação à esquerda, dada por Alexandra Leitão na manhã desta quinta-feira
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