BRANDS' Local Online 1…2…3… Parque Mayer, outra vez
Desde que nasci que um tema que me é tão caro - o Parque Mayer-, anda de boca em boca, e volta à baila normalmente perto de eleições.
Convenhamos, em nome da honestidade intelectual e política, que, desde as últimas eleições, tal já não acontece.
Neste executivo, liderado por Carlos Moedas, muitos passos já foram dados para a revitalização do espaço. Com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa e da Freguesia de Santo António, que tenho a honra de liderar, já abrimos a porta à candidatura da Revista à Portuguesa a património imaterial da Humanidade, já homenageamos artistas acarinhados pelo grande público (e oriundos do Parque Mayer), já celebrámos o Centenário do Parque Mayer e temos vindo a colocar espetáculos de teatro por lá – se bem que em recintos improvisados, bem sei – mas de modo a mostrar a necessidade de haver mais espaços no Parque Mayer, bem como efetivar o compromisso com a Cultura em Lisboa.
Assim, foi com muita satisfação que recebi a boa notícia que o Teatro Variedades estaria a entrar na sua última fase de reabilitação. Ou seja, falta equipar, colocar as cadeiras, o som, a luz, etc. E foi com enorme prazer que fiz uma visita ao mesmo, a convite da Câmara Municipal de Lisboa. Afinal ia presenciar a última etapa antes da reabertura daquele espaço emblemático e que tanta emoção me fez viver na minha juventude.
E o choque foi grande. Enorme. O Teatro Variedades não foi reconstruído, mas sim completamente re-destruído. Sim, o que a equipa de Medina e Salgado, a coberto da anterior direção da EGEAC, fez e deixou fazer ao Teatro Variedades devia ser considerado um crime cultural.
Nem sei bem por onde começar. Mas se calhar mesmo pela entrada que vai dar ao foyer, que é por onde entra o público que “sustenta” a cultura. O teatro apresenta agora 14 portas, cada uma a pesar mais de 100 quilos – alguém pensou quem é que vai fazer e pagar a manutenção? Fique logo a saber que o Teatro ainda não abriu e já tiveram que trocar vidros que estalaram e portas que empenaram pelo peso.
Entramos na sala de espetáculos, a mesma sala que outrora tinha 1090 lugares, e informam-me que vai passar a albergar apenas 370 pessoas. As frisas, as famosas frisas tão características dos teatros, desapareceram – alguém pensou que estes lugares, para além do efeito estético, eram lugares pagos que ajudavam a rentabilizar o espaço?
E passamos ao backstage. Se o “falecido” Teatro Variedades tinha 27 camarins individuais, 2 duplos e 5 áreas para mudanças rápidas, uma carpintaria, um escritório de produção, uma entrada de artistas e receção, o novo Variedades é mínimo, com apenas 4 camarins, e com uma entrada tão estreita que, como se diz na gíria, só “entra um carapau de marcha atrás”.
Aliás, se o figurino for com as famosas saias da Nazaré – que como se sabe são sete – então a atriz tem de se despir no corredor, pois só entra uma. As outras seis ficam, certamente, no corredor da casa de banho. (E já que falo nisso, verifiquei que o WC para pessoas de mobilidade reduzida tem já de mudar a porta para se poder usar pois a que colocaram não permite a entrada de cadeiras de rodas).
Assim, o Variedades está condenado a fazer espetáculos que não podem ter muitos atores. Vai-se resumir a uma “Conversa da Treta”, “Arte” ou os “7 anos”, e estou a escrever propositadamente grandes êxitos de bilheteira, para ver se há filas de bilheteira… Ah, ups… Também não há bilheteira onde comprar bilhetes. No máximo vão poder estar 3 ou 4 atores em palco, porque quem desenhou isto pensou que estava a desenhar uma casa de chá dançante ou um sitio para fazer reuniões de condomínio.
O novo Variedades não é, definitivamente, local para Operetas, nem para Teatro Infantil, nem Comédias de Boulevard, nem Revista à Portuguesa, nem Drama, nem Óperas Rock, nem Musicais… Querem que continue? Ou seja, para além de erros gritantes de redesenho, este espaço é também um enorme erro económico.
Com este tamanho de edifício e este número de lugares disponíveis, para se conseguir rentabilizar o espaço, calculo que os bilhetes nunca poderão ser abaixo dos 90€/pessoa, fazendo contas por baixo. Ou seja, ou vamos lá fazer cultura para “meia-dúzia”, que são os que vão poder vir a este teatro, ou vamos apenas ter em cartaz as peças subsidiadas (pagas) pelo estado.
O nouvelle Variedades é assim uma espécie de teatro gourmet. Muito grande por fora, mas por dentro serve aqueles pratos com meia farinheira, uma folha de couve, dois feijões e 27 gramas de carne. E, como qualquer gourmet é caro, sim, mas aqui pagamos todos e não só os que lá vão.
Até agora já foram gastos quase seis milhões, autorizados pela então equipa Medina e Salgado. E gastos sim e não investidos porque isto não é um investimento na cultura, mas sim o velho “investimento” no betão.
Dirão os que defenderam no passado (e ainda agora) esta estranha forma de recuperar teatros, que “este já tem teia, porque o Capitólio nem isso tem”. É o clássico desculpar um erro com outro. Lembro que o Capitólio não tem teia por culpa dos mesmos.
Aliás, o Capitólio é outro exemplo do fazer mal no Parque Mayer. Sem conhecimento, sem ouvir, sem noção: Gastaram mais de 10 milhões a fazer uma autêntica cervejaria com palco, a que atribuíram o nome do grande Raúl Solnado (perdoa-lhes Raúl, eles não sabiam mesmo o que faziam), que só serve para concertos – e para ser rentável têm que ser apenas com lugares em pé, porque também este teatro passou dos 1200 lugares de antes para os 368 agora.
Este Capitólio como está, com poucas adaptações, talvez fosse o ideal, sim, para albergar um grande quartel de bombeiros. As voltas que os irmãos Martins devem estar a dar onde quer que estejam. Esses sabiam bem o que era um teatro e para que servia.
E nem vou falar aqui do famoso Teatro ABC, também no Parque Mayer, demolido pelos mesmos que já mencionei para dar lugares de estacionamento à EMEL…
Para terminar este desabafo, relembro que os atentados culturais destes senhores foram imensos nestes 14 anos de poder em Lisboa: Odéon, Vasco Santana, Paris, Londres, etc. Mas voltando ao novo Variedades, agora que está prestes a reabrir, cabe a este executivo camarário e à nova direção da EGEAC dar a volta a mais este problema de (inde)gestão socialista em Lisboa.
A cultura tem características muito próprias. É, sem sombra para dúvida, “a ponte” que aproxima os povos, revelando assim a sua grande importância no contexto humano. Não há maior riqueza num povo do que aquele que tem um cofre cheio de Cultura.
E, numa altura em que o politicamente correto toma conta de tudo, lembro-me sempre do Ary, que de político tinha muito, mas de correto pouco (ainda bem). “Serei tudo o que quiserem, mas Político castrado não!”, tenho mau feitio? Sim! É de familia! Mas, enquanto por cá andar, a Freguesia de Santo António, o Parque Mayer, Lisboa e os Lisboetas serão sempre a prioridade deste que hoje vos escreve estas linhas.
A Cultura é de todos e para todos. Não tem donos, não é domável, é livre. Livre de criar, livre de ousar, livre de sonhar e de nos fazer sonhar. Agora temos que dar à cultura o que ela necessita e merece: Espaços dignos e bem pensados. Espaços dignos de fazer e de ousar sonhar. Quanto a este Variedades, estamos conversados.
Vasco Morgado, presidente da Junta de Freguesia de Santo António
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