Onde param os Fundos Europeus?

  • Diogo Ribeiro Santos
  • 11 Abril 2023

Governo pode pouco contra os fatores macroeconómicos que causam os atrasos comuns a todos os Estados-membros. Existem fatores específicos do contexto nacional que possam ser resolvidos pelo Executivo?

Os Estados-membros da União Europeia (UE) estão em risco de não conseguir gastar os 724 mil milhões de euros do Next Generation EU, o pacote de recuperação económica pós-Covid tão arduamente negociado há menos de dois anos. Existem atrasos significativos na execução dos projetos: 70% dos fundos deveriam estar comprometidos – isto é, alocados a projetos aprovados – em Agosto de 2026; contudo, a taxa de compromisso ronda os 20% (Fonte: Reuters).

A decisão de prolongar o prazo para além de 2026 exigiria uma decisão por unanimidade. Atualmente, a Hungria e a Polónia sofrem sanções da UE – acesso a fundos europeus bloqueado – em resposta a violações dos princípios do Estado de Direito. A necessidade de voto unânime iria conceder-lhes um grande poder negocial, obrigando a UE a escolher entre o dinheiro e os princípios.

Os Estados-membros – enquanto estudam formas de renegociação – apontam dois culpados para o atraso: a subida no custo das matérias-primas, provocada pela guerra na Ucrânia, e os estrangulamentos nas cadeias logísticas, que persistem após o Covid. Esta causa, que parece ser credível, demonstra implicitamente que o plano está muito dependente de investimento em capital físico, em detrimento do capital humano.

Portugal não é exceção a esta regra: até ao final de 2022 apenas estavam executados 1,4 milhões do total de 16 mil milhões atribuídos – ou seja, 8,5% do PRR. Entre nós, este quadro é agravado por outro problema. Os fundos do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, ou seja, os 23 mil milhões do PT2030, ainda não começaram a ser executados. Não foram ainda abertos concursos que permitam aos potenciais beneficiários apresentar projetos para financiamento.

Impõe-se a pergunta: perante este cenário, o que faz o Governo? O Governo pode pouco contra os fatores macroeconómicos que causam os atrasos comuns a todos os Estados-membros. Importa saber se existem fatores específicos do contexto nacional que possam ser resolvidos pelo Governo no curto ou médio prazos.

Por que é que um programa que deveria ter começado em 2021 ainda foi executado em 2023? Quem são os culpados? O primeiro é a complexidade institucional. Os Fundos Europeus são negociados com a Comissão Europeia (CE), e transformados em objetivos estratégicos e programas nacionais, através de um acordo de parceria. O Acordo de Parceria para o PT2030 foi assinado em Julho de 2022, após demoradas negociações, formais e informais. Este acordo corporiza estratégias nacionais – setoriais e regionais – que foram objeto de negociação e consulta pública.

Os passos seguintes são a definição do modelo de governação do PT2030, a operacionalização dos 12 programas temáticos e regionais, e a abertura dos concursos. O modelo de governação é ultracomplexo. No pináculo do sistema está a Comissão Interministerial de Coordenação, perante a qual respondem as autoridades de gestão – uma por programa. Estas AG delegam funções em organismos públicos ou privados, designados como organismos intermédios. Por exemplo, o Compete 2020 é a AG do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização. Delega funções no IAPMEI para análise, decisão e acompanhamento de processos de candidatura aos financiamentos dependentes desse programa. Existem ainda entidades de coordenação técnica, como a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, entidades de auditoria, como a Inspeção-geral de Finanças, e comissões de acompanhamento.

Coletivamente, estas entidades são responsáveis por duas grandes missões: disponibilizar os fundos pelos potenciais beneficiários, e responder, perante as instâncias da UE, nomeadamente, o Tribunal de Contas Europeu, pela utilização dos fundos. O controlo feito pela UE a todos os Estados-membros é apertado, burocrático e exigente, motivado pela necessidade de evitar fraudes na utilização de fundos.

Por esta altura, o leitor, experimentado em temas de gestão, já terá adivinhado as potenciais causas do problema. Vamos sumariá-las, a benefício de inventário. Estruturas complexas, com interdependência de organismos das administrações direta e indireta do Estado, geram, necessariamente, processos complexos. Esta inerente complexidade é agravada por possíveis conflitos de competências, sejam positivos – dois organismos a lutar pela mesma competência – sejam negativos – nenhum tem a competência. Pior ainda, o sistema é rígido e burocrático, por definição. A isso obriga a necessidade de prestar contas à UE.

Toda esta complexidade é exponenciada em momentos de transição de quadros comunitários. Estamos a transitar do PT2020 para o PT2030, e ainda adicionámos o PRR. Esta estrutura que temos vindo a descrever é responsável por: i) encerrar o PT2020, pagando as verbas que já estão comprometidas, exigindo o reembolso das que tiverem sido indevidamente gastas, auditando projetos, preparar relatórios de execução, etc; ii) negociar os novos fundos com Bruxelas; iii) preparar a regulamentação dos novos fundos, traduzindo a estratégia em normas operacionalizáveis; iv) preparar e lançar os avisos de candidatura aos novos fundos; v) analisar e acompanhar as candidaturas.

Aprendemos, nas aulas de Operações, que os serviços devem funcionar a 80% da sua capacidade, para conseguir absorver picos de atividade. É duvidoso que, nas estruturas nacionais de governação dos fundos europeus, essa proporção exista sequer durante os períodos normais de atividade. Isto leva-nos a uma conclusão pessimista: processos complexos e gargalos provocados por escassez de recursos humanos não se resolvem no curto prazo. O que é razoável esperar do Governo é reflexão estratégica, construtiva e participada, e um plano de médio a longo prazo para solucionar estes problemas.

  • Diogo Ribeiro Santos
  • Diretor do programa NextGen da AESE Business School

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