QREN e PT2020 têm 135 casos de suspeitas de fraude e envolvem 198,5 milhões

No QREN e PT2020 só há, até agora, dois casos de fraude comprovada, envolvendo 200 mil euros de apoios agrícolas. Estado tem o maior número de beneficiários reincidentes suspeitas de fraude.

No programa de fundos comunitários 2007-2013, ou Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), foram reportados 2.709 casos suspeitos de irregularidades ou fraude na utilização de fundos europeus. Mas, até agora há apenas dois casos de fraude comprovada, envolvendo 200 mil euros de apoios agrícolas.

no Portugal 2020 – programa de fundos entre 2014-2020 – há 1.320 casos suspeitos e nenhum comprovado, revela o estudo do Think Tank | Risco de Fraude, Recursos Financeiros da União Europeia, criado em 2021, pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Norte e Centro são as regiões onde existem mais casos suspeitos. Na maior parte dos casos as verbas ainda não foram repostas no Orçamento da União Europeia e há vários casos de beneficiários reincidentes.

Com duras críticas à disponibilidade tardia dos dados, aos problemas de qualidade dos mesmos e até à indisponibilidade de dados, por exemplo, para monitorizar o estado atual dos processos de fraude e irregularidades na utilização dos fundos europeus estruturais a nível nacional, o estudo revela que a ampla maioria dos casos identificados, em ambos os períodos de programação se tratam de irregularidades e que apenas 4% no QREN e 3% no PT2020 o reporte foi feito por suspeitas de fraude.

Suspeitas essas, que no QREN, eram sobretudo (31%) ao nível do Fundo Social Europeu (FSE) e 29% no Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER). Já no PT2020, que está em ano de encerramento, cerca de 42% dos casos de suspeita de fraude são relativos ao FSE, seguido de 32% de casos do Fundo Europeus de Desenvolvimento Regional (FEDER). Estes 135 casos de suspeitas de fraude no QREN e PT2020 envolvem 198,5 milhões de euros de despesas irregulares.

O facto de o número de casos reportados ser quase o dobro no QREN é explicado pelos autores do estudo, apresentado esta quinta-feira, pelo facto de este quadro comunitário já estar totalmente encerrado. O QREN esteve ativo entre 2007 e 2013, mas só começaram a ser reportados casos em 2010, três anos após o início do programa.

Já no PT2020 o comportamento é diferente. “Há casos (ainda que residuais) reportados desde o ano de início, 2014. 6% dos casos foram reportados em 2015 e 20% em 2016. No PT2020, o ano com maior número de casos IMS [Irregularity Management System] reportados é 2021, com 31% dos casos totais.

No QREN, o ano com o maior número de casos IMS reportados é 2017, quatro anos após o fim do período de programação”, revela o estudo. Ou seja, é expectável que o número de casos reportado no PT2020 ainda venha a aumentar.

Mas as diferenças entre o QREN e o Portugal 2020 não se ficam por aqui. Por exemplo, o tempo de execução dos casos reduziu-se entre os quadros. “No QREN, 25% dos casos foram fechados em 2018, cinco anos após o fim do período de programação. E não se verificou o encerramento de casos IMS nos anos anteriores a 2018”, lê-se no documento elaborado por Elsa Cardoso, Luís Nunes e Ana Maria de Almeida.

E apesar de o QREN já estar fechado há um elevadíssimo número de casos que ainda estão abertos – 46% dos 2.709 casos reportados. Em média, no QREN, um caso demorou cerca de quatro anos a ser fechado, enquanto no PT2020 demorou cerca de um ano.

Um caso só pode ser encerrado após a recuperação dos montantes irregulares por parte da Comissão Europeia, por via da recuperação da despesa junto do beneficiário ou através do pagamento pelo Estado-membro através, por exemplo, do Orçamento de Estado. Um caso pode ser encerrado mesmo com um processo criminal em curso e este processo de recuperação de verbas, a nível comunitário, nada tem que ver com a recuperação a nível nacional dos valores em falta, porque isso está fora do âmbito do sistema IMS.

A análise à situação financeira dos casos fechados revela que em 22% dos casos as verbas foram imputadas ao Orçamento nacional e em 20% houve uma recuperação total, no QREN. Já no PT2020 os casos fechados correspondem a cerca de 26% com uma recuperação total e 12% recuperados com as despesas imputadas ao orçamento nacional.

Apesar do esforço, das auditorias e dos vários mecanismos em vigor há beneficiários reincidentes nas suspeitas de irregularidades e fraude na utilização dos fundos europeus. O estudo revela que a percentagem de beneficiários reincidentes envolvidos em mais do que um caso suspeito, num período de programação, baixou de 17% no QREN para cerca de 8% no PT2020. “Analisando os intervenientes que reincidem em ambos os programas, foi detetada apenas uma situação correspondente a uma empresa, referenciada em quatro casos IMS no QREN e nove casos no PT2020”, revela o estudo.

Em ambos os quadros comunitários são as empresas que apresentam o maior número de reincidências. Mas também há uma “presença significativa” de entidades do Estado, até porque somando as entidades da administração direta ou indireta do Estado e da administração local passam a ser “o grupo com mais intervenientes reincidentes nos dois programas.

O estudo da equipa de investigadores de Ciência de Dados do Iscte demonstra ainda que na maior parte dos casos se optou por não aplicar sanções. “São residuais os casos IMS [Irregularity Management System] em que existe uma decisão de imposição de sanção, correspondendo a cerca de 2% no QREN e 3% no PT2020”, lê-se no documento. Até mesmo nos casos de fraude comprovada – dois casos com sentença final transitada em julgado e que envolveram fundos do FEADER – não foram aplicadas sanções.

O estudo deixa ainda uma longa lista de alertas e recomendações. À cabeça surge o facto de não ser possível cruzar os dados dos casos fraudulentos reportados pela Inspeção Geral de Finanças (IGF) à União Europeia (UE) com os dados dos processos criminais findos.

“O resultado do cruzamento entre os dados do sistema IMS e os dados da Justiça foi muito insatisfatório. Considerando que existem 137 casos fraudulentos”, contando com os dois casos de fraude comprovada, “registou-se apenas ligação entre cinco processos criminais (referenciados em oito casos IMS) no âmbito do QREN, não tendo sido conseguido nenhum cruzamento para o PT2020”, explicam os autores.

Os dados enviados pelo Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça, relativos a processos criminais relacionados com o crime de fraude na obtenção de apoios apontam para 1.870 processos criminais com decisão, registados no sistema Citius, com informação à data de 18 maio 2023.

Já o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) mandou uma lista de 49 processos criminais em fase de inquérito, registados no sistema Habilus, no período entre 1 janeiro 2007 e 31 dezembro 2020, com fraude na obtenção de subsídio ou subvenção como crime principal.

Os autores recomendam, por isso:

  • Estabelecer um protocolo rigoroso de comunicação de dados entre o Ministério Público e a Inspeção Geral de Finanças, no qual uma entidade comunique eletronicamente à outra a totalidade das iniciativas que desencadeia relativamente a eventuais fraudes na atribuição e uso de fundos europeus.
  • Resolver os problemas de qualidade de dados nos sistemas de informação das entidades envolvidas no ecossistema de gestão dos fundos europeus e melhorados os procedimentos de governação dos dados (data governance).
  • Rever a estratégia nacional antifraude, nomeadamente através da criação de uma solução informática que permita a monitorização atualizada do estado dos casos de irregularidades e fraude nos fundos europeus, cruzando os dados completos do sistema judicial com os dados completos das irregularidades reunidas pela IGF. Esta solução informática deverá permitir aferir, em cada momento, o estado da recuperação dos montantes irregulares, quer a nível europeu, quer a nível nacional.
  • A solução informática criada deve classificar os processos com rigor, relativamente aos fundos a que diz respeito, aos intervenientes e aos tipos de crime que estão em causa ao longo das diferentes fases processuais.

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