Transição digital: o (novo) desígnio nacional?

  • Nuno Gonçalves
  • 12 Dezembro 2023

Foi lançada uma medida, no âmbito do PRR, para apoio aos investimentos das empresas nacionais dos setores da extração e indústria, incluindo grandes empresas, em projetos de transição digital.

Nos dias de hoje, tornou-se virtualmente impossível consultar um qualquer plano estratégico, seja ele focado no cenário das políticas públicas de um país ou no contexto do planeamento e operação de uma empresa, sem encontrar referências de destaque à transição digital.

Este conceito, embora ubíquo, nem sempre é inteiramente compreendido, significando coisas diferentes para pessoas diferentes. De facto, a transição digital abarca diversos fenómenos e eventos, desde os mais simples e tangíveis para a maioria de nós, como a introdução de relógios digitais, nos anos 70, o início das transmissões da Televisão Digital Terrestre, que em Portugal ocorreu em 2009, e as compras online, até à automação de processos industriais, à disponibilização online de serviços da administração pública e ao advento da inteligência artificial.

Por curiosidade, se recorrermos a um dos ex-libris da transição digital para nos ajudar a definir o conceito, o ChatGPT, um modelo de inteligência artificial generativa, este diz-nos que se trata da “integração de tecnologias digitais nas atividades quotidianas de uma organização ou sociedade, buscando melhorias na eficiência ou entrega de valor, envolvendo a adoção de ferramentas digitais, a automação de processos e a transformação de modelos de negócio para adequação ao ambiente digital”.

Se nos abstrairmos do facto de que o ChatGPT usa repetidamente o definido na própria definição, um pecado lógico que deixa transparecer a margem para melhoria que ainda existe na ferramenta, conseguimos extrair duas ideias principais associadas à transição digital: o papel fundamental da tecnologia e o facto de que abrange todos os atores sociais – cidadãos, empresas e estado.

Esta segunda ideia está, aliás, vertida no Plano de Ação para a Transição Digital, aprovado pelo Conselho de Ministros, em 2020, que se alicerça em três pilares principais: i) Capacitação e inclusão digital das pessoas; ii) Transformação digital do tecido empresarial; e iii) Digitalização do estado. A transição digital é de tal forma prioritária para os decisores políticos nacionais, que se constitui também como uma das três dimensões estratégicas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português, o pacote financeiro da União Europeia destinado a combater os efeitos económicos negativos da pandemia de Covid-19, juntamente com a Resiliência e a Transição Climática.

À semelhança do que ocorre em Portugal, a transição digital é uma prioridade nos restantes estados-membros da União Europeia, sendo avaliada pelo Eurostat à luz de diferentes indicadores. O seu mais recente relatório interativo “Digitalização na Europa 2023”, apresenta alguns dados dignos de nota para Portugal. A transição digital apresenta-se como uma temática em que o nosso país surge sistematicamente acima da média europeia, embora ainda a alguma distância dos países de topo. Atentando a indicadores específicos nas três esferas consideradas – cidadãos, empresas e estado – o Eurostat conclui que:

  • 55,3% dos cidadãos portugueses apresentam competências digitais básicas ou superiores, contra 53,9% de média na UE;
  • 35,5% das empresas nacionais apresentam um nível de intensidade tecnológica alto ou muito alto, contra 32,4% de média na UE. O nível de intensidade tecnológica de uma empresa é medido através do seu grau de utilização de 12 tecnologias digitais diferentes como, por exemplo, a inteligência artificial ou as vendas online;
  • 50,4% dos portugueses com idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos recorrem a serviços online da administração pública, contra 44,7% de média na UE.

Estes indicadores são particularmente relevantes porque ilustram uma situação relativamente atípica na nossa história recente. Portugal é instado a investir, de forma transversal, na transição digital, tendo ao seu dispor um conjunto inédito de recursos financeiros, provenientes do PRR e dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, mas não parte de uma posição de desvantagem em relação à maioria dos seus parceiros europeus, tendo, ao invés, a possibilidade de alavancar uma posição cimeira em várias áreas relevantes, incluindo a nível do seu tecido empresarial.

A este propósito, foi recentemente lançada uma medida, no âmbito do PRR, para apoio aos investimentos das empresas nacionais dos setores da extração e indústria, incluindo grandes empresas, em projetos de transição digital, com vista à implementação de soluções tecnológicas associadas ao paradigma da Indústria 4.0.

https://www.pwc.pt/pt/servicos/advisory/incentives-solutions/newsflash/prr-componente-16-industria-4-0-abertura-de-aviso.html

Através da referida medida, as empresas beneficiárias poderão receber até 200 mil euros a fundo perdido para aquisição e implementação de soluções em áreas diversas como inteligência artificial, robótica, internet das coisas, computação em nuvem e software inovador, entre outras.

Esta medida, em vigor até 20 de dezembro, bem como as restantes prioridades de investimento do PRR na área da transição digital, representam oportunidades concretas para as empresas portuguesas robustecerem as suas competências e recursos digitais, contribuindo para que Portugal possa ser reconhecido como um destino de excelência não apenas pelos seus muito procurados recursos humanos na área, mas também pelo desempenho do seu tecido empresarial.

  • Nuno Gonçalves
  • Advisory Director da PwC

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