Quase 80 produtores nacionais marcaram presença no Algarve Trade Experience. Olham para a região como um lugar estratégico para dar a conhecer os vinhos e afirmar-se no mercado internacional.
O Algarve é mais do que “sol e praia” e está a ser encarado como um local estratégico para os produtores nacionais levaram os seus vinhos além-fronteiras. Marcas como a Niepoort, Malhadinha Nova, Anselmo Mendes, António Maçanita, Bacalhôa, Cartuxa e Symington acreditam que o turismo da região pode ajudar a potenciar o negócio dos vinhos portugueses.
“O Algarve é o local mais turístico de Portugal e muitas pessoas acabam por conhecer os nossos vinhos na região algarvia. O próprio vinho adapta-se muito bem ao clima da região”, conta ao ECO/Local Online Anselmo Mendes. Conhecido como o ‘senhor Alvarinho’, o produtor esteve na 10ª edição do Algarve Trade Experience, considerado o maior evento de bebidas dedicado ao segmento trade.
O Estádio do Algarve recebeu perto de seis mil visitantes e juntou mais de três mil profissionais, entre os quais enólogos, produtores, bartenders e brandbuilders, num total superior a 500 marcas — incluindo algumas das maiores referências mundiais do vinho e das espirituosas. Só no setor vitícola, no evento participaram 96 produtores, sendo 78 de origem nacional.
Pedro Baptista, enólogo da Adega Cartuxa há 27 anos, afirma que o “Algarve é uma porta aberta ao contacto com o exterior” e estar presente no evento “é uma oportunidade muito interessante para qualquer produtor de vinho. Incluindo a Cartuxa, que consegue dar a conhecer os seus vinhos a um público que “nos seus países de residência pode ter alguma dificuldade em encontrá-los”. O enólogo de 54 anos realça que o Algarve é uma região à qual dedica “muita atenção e cuidado”.
Daniel Niepoort, que pertence à sexta geração da família Niepoort, corrobora a opinião do “senhor Alvarinho” e de Pedro Baptista. Realça que o “Algarve é muito importante para os produtores” e justifica que o “turismo da região é crucial “para mostrar o valor do país, da gastronomia e dos vinhos que fazemos”.
O turismo do Algarve é crucial para mostrar o valor do país, da gastronomia e dos vinhos que fazemos.
A Garrafeira Soares olha para o Algarve como uma “região de turismo” e afirma que as 22 lojas que a família tem entre Lagos e Vila Real de Santo António “vivem do turismo”. Na região, os principais clientes são os turistas, maioritariamente britânicos, seguido dos irlandeses e alemães. No entanto, a CEO Rita Soares adianta que “começam a ter algum turismo americano e brasileiro no Algarve e que vem mudar o perfil da oferta, porque é um turismo de classe mais alta e é muito bem-vindo para outros nichos de mercado”.
A Garrafeira Soares que se dedica ao comércio de bebidas a retalho e por grosso, soma 28 lojas distribuídas pelo Algarve, Alentejo e Porto, disponibiliza mais de seis mil referências, emprega mais de 300 pessoas e fechou o ano passado com uma faturação de 80 milhões de euros.
Depois de seis anos a crescer, as exportações de vinhos portugueses recuaram para 928 milhões de euros em valor no ano passado, com o preço médio por litro a crescer 0,66% para 2,90 euros, segundo os dados divulgados pela ViniPortugal. Entre os importadores, destacou-se França com 103 milhões de euros, seguido pelos EUA com 100 milhões de euros e pelo Reino Unido com 88 milhões de euros. Mercados cobiçados pelos produtores de vinho portugueses que marcaram presença no evento organizado pela Garrafeira Soares, que pretende mostrar o “melhor do Algarve” e criar uma sinergia entre produtores e a comunidade local.
Os EUA são um dos principais mercados da Adega Cartuxa, juntamente com o Brasil e a Europa como um todo. A empresa detém 600 hectares de vinha no concelho de Évora, mais concretamente na Quinta de Valbom e na Herdade de Pinheiros. No ano passado produziu 5,5 milhões de garrafas de vinho de seis marcas, sendo que um terço da produção destina-se aos mercados externos. A Cartuxa, que ganhou o prémio de melhor adega europeia em 2023, ainda não apresentou os resultados do ano passado, mas o enólogo Pedro Baptista adianta ao ECO que será seguramente de “crescimento face a 2022, onde faturaram mais de 25 milhões de euros”.
De pequeno minimercado a um império de 80 milhões
Apelidado por produtores como Anselmo Mendes como um TGV, a família Soares construiu um império a partir de um pequeno minimercado em Areias de São João, no concelho de Albufeira. Em 1983, Maria Antónia Soares e João Soares decidiram mudar-se com os dois filhos do Ribatejo para o Algarve para abrir um pequeno negócio, sem imaginar que iria tornar-se numa grande empresa, com uma faturação de 80 milhões de euros.
A gestão da Garrafeira Soares é da responsabilidade dos filhos do casal, Paulo Soares e João, juntamente com a esposa Rita. No entanto, a fundadora Maria Antónia Soares continua ligada “emocionalmente” à empresa e “continua muito presente”, assinala a CEO. Rita e João têm quatro filhos e Paulo Soares e a esposa dois.
Rita Soares está convicta que a terceira geração vai agarrar as rédeas da empresa. Francisca Soares, a filha mais velha, estudou e trabalha em Londres na área de consultoria e gestão, tem o “sonho de agarrar a empresa familiar, mas quer vir bem preparada”. Matilde, de 22 anos, já está a trabalhar na Malhadinha, mas quer ter uma experiência profissional em outra empresa, mas com o “objetivo de regressar” à empresa familiar.
A Herdade estava completamente abandonada há 40 anos, sem vinhas, sem água e eletricidade e completamente em ruínas. A Malhadinha Nova nasce da vontade de desenvolver outro nicho e passar para a criação pura e dura de um produto, de uma história, de uma família.
Em 1998, a família Soares comprou a Herdade da Malhadinha Nova, localizada em Albernoa, no coração do Baixo Alentejo, para se dedicar à produção de vinho e ao enoturismo. “A Herdade estava completamente abandonada há 40 anos, sem vinhas, sem água e eletricidade e completamente em ruínas. A Malhadinha Nova nasce da vontade de desenvolver outro nicho e passar para a criação pura e dura de um produto, de uma história, de uma família”, conta Rita Soares.
A gestora acrescenta que “têm um turismo de luxo onde a cultura e a tradição estão muito presentes em cada detalhe”. Metade do turismo da Malhadinha Nova é nacional, sendo que no âmbito internacional os principais mercados da Malhadinha são o americano, Brasil e Reino Unido.
Transformar vinhos verdes numa referência mundial
Natural de Monção, Anselmo Mendes, conhecido com o “senhor Alvarinho”, é enólogo há mais de 30 anos. Quando tinha sete anos já sonhava ser agricultor. Acabou por formar-se em Agronomia, mas a viticultura foi a grande paixão. Diz ter o “privilégio de fazer o que gosta”.
Começou com apenas dois hectares de vinha e hoje soma cerca de 130 hectares entre o Vale do Minho (Monção e Melgaço) e Vale do Lima (entre Viana e Ponte de Lima). Os vinhos de Anselmo Mendes já chegaram a mais de 40 países. Dá trabalho a 31 pessoas, fatura 5,5 milhões de euros e produziu em 2023 um milhão de garrafas, sendo 70% da produção destina-se à exportação, principalmente para os países nórdicos, Suécia e Noruega.
Considera que os vinhos são “um negócio de tempo” e, adverte, “para quem entra no cluster com muita ansiedade pode ser um desastre”. “As vinhas, o vinho, o reconhecimento das marcas leva muito tempo a ser feito, o tempo é um fator decisivo, não vale a pena queimar etapas”. Considera ainda que é um “negócio que embebeda pelo charme”, mas é necessário ter resiliência e dar tempo ao tempo.
A Symington Family Estates e o enólogo Anselmo Mendes fecharam negócio nos vinhos verdes e anunciaram o ano passado a criação de uma empresa para comercializar os vinhos produzidos na Casa de Rodas, adquirida no final de 2022 pelo grupo conhecido pelos vinhos do Porto e do Douro, num acordo que envolve também a compra da marca Contacto (que pertence a Anselmo).
Néctares sem álcool revolucionam setor
Na 10ª edição do Algarve Trade Experience, não foram só as bebidas alcoólicas que captaram a atenção dos visitantes. Está a nascer uma nova geração de bebidas sem álcool, como é o caso dos Gin Tanqueray e dos xarope Monin.
“É uma das grandes tendências e quase todas as grandes marcas têm soluções de bebidas sem álcool”, explica ao ECO/Local Online a CEO da Garrafeira Soares. Justifica que cada vez mais os consumidores estão preocupados com a saúde e o bem-estar e querem bebidas com menos açúcar e menos álcool.
Outro exemplo desta nova tendência é a Niepoort, que no ano passado apostou na kombucha, uma bebida sem álcool e sem açúcar, à base de chás de qualidade. “É uma tendência grande, mas não sou o maior fã disto porque o vinho deve ter álcool”, refere Daniel Niepoort.
Família Niepoort quer preservar castas portuguesas
Fundada em 1824 por Franciscus Niepoort, que não tinha terrenos nem vinhas próprias, mas o know how como vendedor de Porto, o fundador começa a produzir vinho do Porto no Douro. Hoje a empresa já vai na sexta geração, emprega 80 pessoas, tem pequenas quintas no Douro, no Dão e Bairrada, tem ainda parceiros de negócio na região dos vinhos verdes e Portalegre, e compra uvas a 250 viticultores de várias localizações.
No ano passado, a Niepoort, que emprega 80 pessoas e fatura cerca de 17 milhões de euros, produziu dois milhões de litros, sendo que 70% da produção destina-se ao mercado externo essencialmente para Suíça, Alemanha e Escandinávia.
Formado em Viticultura e Enologia, Daniel Niepoort, que pertence à sexta geração da família Niepoort, juntamente com os irmãos Marco e Ana, realça ao ECO/Local Online que um dos objetivos da família passa por “valorizar as vinhas que Portugal ainda tem”. “Temos castas portuguesas antigas que temos que preservar”, acrescenta o responsável.
“Privilegiada” por singrar num mundo de homens
Filipa Tomaz da Costa, diretora de enologia da Bacalhôa, estudou Engenharia Agrónoma no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa e tornou-se na primeira enóloga de Portugal. Em 1981 foi convidada por Francisco Avillez para fazer uma vindima, assiste ao engarrafamento da primeira colheita e acaba por ficar a trabalhar na Bacalhôa. Considera-se uma “privilegiada”, até porque “era uma mulher no meio dos homens e sempre a trataram muito bem”.
“Tive a sorte de ter dois donos da empresa — o primeiro, o engenheiro António Francisco Avillez, que era um modernaço e apostou em mim; depois o Joe Bernardo que continuou a apostar no meu trabalho”, afirma a enóloga de 65 anos, que é responsável por nove marcas de vinho branco da Bacalhôa, na região de Setúbal.
Tive a sorte de ter dois donos da empresa — o primeiro, o engenheiro António Francisco Avillez, que era um modernaço e apostou em mim; depois o Joe Bernardo que continuou a apostar no meu trabalho.
A primeira grande paixão de Filipa foram os cavalos, por influência do pai e do avô. Anos mais tarde entreou no mundo dos vinhos. “Sempre se bebeu vinho na minha casa. Quando era miúda assistia às vindimas em Gouveia [terra natal dos avós maternos] e ajudava na apanha da uva. Sempre gostei muito do campo”, recorda.
Natural de Vila Franca de Xira, Filipa Tomaz da Costa faz 150 quilómetros por dia para ir trabalhar para a Bacalhôa. Apesar de estar prestes a reformar-se, a histórica enóloga portuguesa salvaguarda que irá continuar a trabalhar nesta conhecida empresa da região de Setúbal.
A Bacalhôa conta com um total de 1.200 hectares de vinhas, 40 castas diferentes e adegas em várias regiões: Alentejo, Península de Setúbal, Bairrada, Beiras, Dão e Douro. A marca Bacalhôa nasce em 1922, sob a designação João Pires & Filhos, para produzir vinho a granel. Nos anos 1960, a empresa (João Pires & Filhos) foi vendida à família Avillez, que apostou em mecanizar todo o processo e começa a produzir as primeiras marcas de vinho da empresa.
Em 1998, o comendador José Berardo tornou-se o principal acionista. Dois anos mais tarde compra o Palácio e Quinta da Bacalhôa. Em 2005, a empresa deixa de ter o nome João Pires & Filhos e passa a chamar-se Bacalhôa Vinhos de Portugal. Em 2007 adquire as Caves Aliança, produtoras de espumante. Um ano depois adquire a Quinta do Carmo e aumenta a área de exploração agrícola.
Maçanita chega às 600 mil garrafas
António Maçanita, filho de pai açoriano e mãe alentejana, tinha o sonho de ser biólogo, mas foi aconselhado pelo reitor de uma Universidade a ir para Agronomia. Seguiu o conselho e acabou por entusiasmar-se pela viticultura. Para aprofundar o conhecimento estagiou na Califórnia, Austrália e França.
O produtor começou no mundo dos vinhos em 2000, nos Açores, mas é só em 2004, com 23 anos, faz o primeiro vinho. No percurso profissional, António Maçanita trabalhou na Herdade da Malhadinha em 2003, local onde um ano depois fez o primeiro vinho, na adega da família Soares.
Em 2004 lança a Fita Preta no Alentejo, em 2011 funda com a irmã, Joana Maçanita, a Maçanita Vinhos no Douro. Em 2014 surge a Azores Wine Company e em 2020 a Companhia dos Profetas e dos Villões, em Porto Santo (arquipélago da Madeira). Presente em quatro regiões, António Maçanita produz cerca de 600 mil garrafas, emprega cem pessoas e fatura 6,7 milhões de euros.
António Maçanita tem três filhos, de oito, seis e dois anos, e diz com orgulho que a filha mais velha já prova as uvas. E não esconde o desejo de que, um dia, os filhos assumam o legado.
(A jornalista viajou para o Algarve a convite da Garrafeira Soares)
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Produtores de vinho usam Algarve turístico como rampa de lançamento para a exportação
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