Especialistas alertam para risco de enxurradas na Madeira

Especialistas alertam para risco de enxurradas na Madeira se o Governo Regional não avançar o quanto antes, e após o rescaldo dos fogos, com medidas de sustentação nos solos afetados.

Os incêndios que lavram na Madeira não causaram vítimas nem destruíram casas até à data. Mas podem resultar numa catástrofe com grandes enxurradas – como as de 20 fevereiro de 2010, que causaram meia centena de mortos e centenas de desalojados –, caso o Governo Regional não avance, o quanto antes, com medidas de sustentação nos solos afetados. O alerta é deixado pelos especialistas consultados pelo ECO/Local Online.

“Se não houver medidas de mitigação de emergência para estabilizar as vertentes [encostas] – e há muitos estudos sobre esta temática – garantidamente a Madeira vai ter no outono algumas catástrofes, alguns dramas muito graves e com perdas de vidas humanas“, avisa o professor António Bento Gonçalves, do departamento de Geografia da Universidade do Minho.

Para este especialista em geografia dos incêndios florestais, é “muito elevada a probabilidade [de ocorrer uma catástrofe como a de fevereiro de 2010], porque normalmente a ilha da Madeira recebe as chuvas muito concentradas no outono e no inverno, e com as encostas assim tão desprotegidas devido aos fogos, há um risco grande”.

Se não houver medidas de mitigação de emergência para estabilizar as vertentes [encostas] — e há muitos estudos sobre esta temática — garantidamente a Madeira vai ter o outono algumas catástrofes, alguns dramas muito graves e com perdas de vidas humanas.

António Bento Gonçalves

Professor do departamento de Geografia da Universidade do Minho e especialista em geografia dos incêndios florestais

Até à data já arderam cerca de 5.000 hectares de floresta e os terrenos estão mais suscetíveis à ocorrência de deslizamentos e enxurradas.

Com a época das chuvas à porta, num cenário de encostas desprotegidas da vegetação, que foi consumida pelo fogo, é todo um cocktail que pode culminar num aluvião como o que aconteceu em 2010. E que matou meia centena de pessoas e causou prejuízos na ordem de mil milhões de euros. Ou a catástrofe de 1803 em que as “enxurradas desceram a encosta e mataram 1.000 pessoas em Machico, Funchal e Ribeira Brava. Foi uma coisa terrível”, lembra o especialista da Universidade do Minho.

O risco de um desastre natural destes acontecer é real, assegura António Bento Gonçalves, “atendendo a esta grande propensão que a Madeira tem, de forma natural, para no outono e no inverno ter uma grande quantidade de precipitação num curto espaço de tempo”. A somar a isto, “este incêndio está a desproteger completamente as vertentes muito declivosas, com ribeiras, com declives muito acentuados“.

Como o solo está desprotegido de vegetação devido às chamas, a água acaba por deslizar com tamanha velocidade, encostas abaixo, juntamente com a terra, levando tudo o que encontra pela frente, resultando em grandes inundações até atingir as povoações.

O grave problema é a consequência das incêndios: a desproteção do solo, o descoberto vegetal que depois faz com que os picos de cheia sejam maiores e que o impacto da chuva seja potencialmente maior, precisamente por não haver essa proteção.

Joaquim Sande Silva

Professor da Escola Superior Agrária de Coimbra (ESAC) e antigo membro da Comissão Técnica Independente (constituída para analisar os incêndios de Pedrógão Grande)

Entre as medidas preventivas a diligenciar, o quanto antes, constam, elenca o professor da Universidade do Minho, a limpeza dos canais, assim como a “colocação, por exemplo, de pequenas barreiras de troncos, de palhas, de galhos dispostos em molhos”. Além de “espalhar palha pelas vertentes para, quando a chuva cair, tudo isso impedir que as gotas comecem a escorrer muito rapidamente à superfície, permitindo a sua infiltração”.

O mesmo alerta é deixado pelo professor Joaquim Sande Silva, da Escola Superior Agrária de Coimbra (ESAC). “O grave problema é a consequência das incêndios: a desproteção do solo, o descoberto vegetal que depois faz com que os picos de cheia sejam maiores e que o impacto da chuva seja potencialmente maior, precisamente por não haver essa proteção”, sustenta.

O especialista chama a atenção para o facto de uma boa parte da área, fustigada pelo fogo, já ter ardido em 2010 e em 2016, o que condiciona a regeneração dos solos. “A capacidade de recuperação da vegetação vai sendo cada vez mais baixa, mais difícil, sobretudo em zonas de altitude, onde as condições de crescimento das plantas são mais difíceis”, detalha.

As características geográficas da Madeira, com os declives, também não ajudam. “É certo que depois de 2010 foram feitas obras de correção, mas nada garante que não aconteçam novamente problemas noutras zonas da ilha como consequência muito grave destes destes incêndios”, constata Joaquim Sande Silva.

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