• Entrevista por:
  • Alexandre Batista

“A nossa função é assegurar que Lisboa funciona”

Vila Franca de Xira tem em curso uma articulação entre a velha indústria e o novo paradigma da logística. O presidente da autarquia, Fernando Ferreira, quer conciliar o passado e futuro.

Fernando Ferreira, presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira
Fernando Ferreira, presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira.Luís Ribeiro

Num território com 300 km2, Vila Franca de Xira dispõe da plataforma logística criada para servir Lisboa no plano Portugal Logístico idealizado por José Sócrates há quase 20 anos, mas durante anos abandonada à sua sorte apenas com arruamentos e um acesso direto à A1 fechado.

Depois de avanços e recuos, o pós-COVID trouxe os promotores Montepino-Valfondo e Merlin Properties, que deram vida à plataforma logística, arrancando com projetos de centenas de milhões de euros. “Estamos no que foi à altura, em 2022, o maior investimento logístico nacional, e que agora está a corporizar-se”, diz Fernando Ferreira, presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira eleito pelo PS para o seu primeiro mandato em 2021. Em entrevista ao ECO/Local Online em plena Plataforma Logística Lisboa Norte (PLLN), projeta o futuro do seu concelho a partir desta plataforma. “Para nós é muito importante captar novos investimentos e depois interligá-los com a indústria aqui à volta”, diz.

Um porto de mercadorias no Tejo a construir a partir de dezembro, o Lisbon Data Center, a expansão de uma unidade farmacêutica e a interligação com o lado sul, onde está a Cimpor, por exemplo, são projetos que trarão Vila Franca de Xira para um lugar de destaque na Área Metropolitana de Lisboa, acredita o autarca.

Estamos no interior do maior edifício logístico do país, um investimento de mais de 100 milhões de euros de capital estrangeiro. Vila Franca de Xira ganhou, com uma decisão do Governo de 2008, um cartão-de-visita internacional que só agora é puxado da carteira.

Este espaço da Plataforma Logística Lisboa Norte (PLLN), com o conjunto importante de empresas que há aqui à volta, está a assumir-se cada vez mais como coração da entrada norte de Lisboa. Estamos no que é hoje um ecossistema empresarial que reúne logística, indústria, tecnologia e, neste momento, também intermodalidade. Está neste momento a ser alvo de grandes investimentos, nesta área da logística, e estamos no que foi à altura, em 2022, o maior investimento logístico nacional, e que agora está a corporizar-se. Para além deste, temos o coração inicial da PLLN, que tem cerca de 400 trabalhadores e empresas instaladas. Foi o que esteve à espera desde 2008, na sequência da crise das dívidas soberanas. Nos últimos anos, [os investidores] descobriram Vila Franca e a Castanheira do Ribatejo.

Há novos investimentos previstos, como a base da Jerónimo Martins, ou um grande data center. O que está o município a fazer para concretizar estes projetos?

Para nós é muito importante captar novos investimentos e depois interligá-los com a indústria aqui à volta. É uma logística de qualidade, também acompanhando a logística de last mile, que teve um aumento exponencial, sobretudo depois do covid, quando houve um hábito de consumo que se alterou. A nossa função é muito de assegurar que a grande Lisboa funciona. Estamos também a atrair investimentos ligados à tecnologia, nomeadamente um grande investimento que está em preparação, a Lisbon Campus, que terá um data center e um centro tecnológico bastante importante, aproveitando os bons acessos. Temos o nó direto à A1, a estação da Castanheira do Ribatejo, encostada, e conseguimos, já neste mandato, a aprovação e concessão, que já está feita pela APA, para a construção de um porto fluvial nesta zona. Concentramos aqui uma intermodalidade de transportes que facilita a movimentação logística e empresarial. O caminho é de aumentar a importância relativa de Vila Franca no contexto da Área Metropolitana de Lisboa.

Concentramos aqui uma intermodalidade de transportes que facilita a movimentação logística e empresarial. O caminho é de aumentar a importância relativa de Vila Franca no contexto da Área Metropolitana de Lisboa

Fernando Ferreira

Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira

Qual foi o desbloqueador para pôr em andamento um projeto que tinha as infraestruturas preparadas há década e meia, mas só a partir de 2020 começou a arrancar em força?

O município e estes grandes investidores andam em contacto há imenso tempo. Acho que foi o recrudescimento económico-financeiro decorrente da boa prestação do país nestes últimos anos. Foi o fundamental. Temo-nos concentrado na captação e apoio ao investimento, sobretudo nos últimos três anos, em que se conseguiu trazer a Leroy Merlin e a concessão do novo porto para a Castanheira do Ribatejo. Há um trabalho de aproveitamento de oportunidades.

Como é que o município potencia um investimento desta monta do Estado central?

Garantindo grande proximidade entre potenciais investidores e serviços do município. E o município assumir-se com embaixador desses investimentos junto das diversas entidades do Estado que continuam a tutelar esta área. Desde logo a Agência Portuguesa do Ambiente, CCDR, etc. Consegue-se trazer estes investimentos para cá com muito trabalho de interligação do município.

A nível de estrutura da câmara, que trabalho foi desenvolvido?

Temos um gabinete de apoio ao investimento que dedicámos exclusivamente à captação de investimento e ao acompanhamento dos empresários na resolução dos problemas administrativos que se colocam, para que os investimentos se concretizam. Isto significa, internamente na câmara municipal, garantir um acompanhamento muito próximo dos processos de licenciamento e acompanhar os empresários junto da administração central para tornar isto possível, desde logo com a APA e a CCDR, onde estivemos sempre ao lado dos investidores. Eu e a câmara temos contacto super-próximo com as empresas instaladas e com as que os investidores que querem [vir]. Temos uma relação de grande proximidade.

Por vezes, esses investidores internacionais esbarram na burocracia do Estado. Que papel tem aqui um município?

Estamos cá para ajudar e acompanhamos as empresas nesses contactos, mas os municípios não se conseguem substituir ao Estado central. Não tenho a mínima dúvida de que o Data Center Lisbon Campus será uma realidade em breve. Espero que neste mandato sejam dados passos absolutamente seguros para garantir esse investimento.

Para concretizar quando?

No final de 2025. No fundo, há-de bater no final deste mandato.

Mandato para renovar?

Isso aí… em termos de projeto, certamente. No meu caso particular, ainda não estamos a tempo de o anunciar. Isso tem os seus timings, e será anunciado com a estrutura do PS.

Voltando a este data center com 33 mil m2 e possibilidade de expansão para 77 mil m2 que a Merlin Properties já licenciou, como potencia o seu executivo esta atração de investimentos?

Neste caso, é sem dúvida a proximidade a Lisboa, uma vantagem enorme, sobretudo do ponto de vista da captação de recursos humanos. [A plataforma] está encostadinha à estação [de Castanheira, na linha do norte], a meia-hora da estação do Oriente. A segunda razão é que este é um ecossistema empresarial. Estamos, em voo de pássaro a partir do data center, a 25 metros de um dos grandes produtores do país de baterias para CPU, a Exide Technologies [ex-Tudor]. O que tenho feito aqui é um trabalho de interconectar estas empresas que podem ser relevantes em tecnologia, projeto e fornecimento. Há mais valias que se geram com estes processos e que eu não tenho dúvidas que são uma vantagem para quem pretende investir aqui em Vila Franca.

O que tenho feito aqui é um trabalho de interconectar estas empresas que podem ser relevantes em tecnologia, projeto e fornecimento. Há mais valias que se geram com estes processos e que eu não tenho dúvidas que são uma vantagem para quem pretende investir aqui em Vila Franca.

Fernando Ferreira

Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira

Tendo aqui este este projeto onde nós estamos atualmente e a outra frase da plataforma logística a umas centenas de metros, do outro lado da linha do norte, onde está a Schenker e a Rangel e já se sabe que haverá ainda a base da Jerónimo Martins e o datacenter, considera que tem aqui uma âncora para aumentar o investimento privado?

O meu concelho tem 300 quilómetros quadrados. Nós estamos aqui na parte norte. Estamos neste momento a acompanhar a ampliação da empresa Cipan, que é uma das grandes empresas de produtos químicos do nosso país e que está com novos projetos. Encontra-se mesmo aqui ao lado da plataforma. Na plataforma da Rodocargo, que pertence ao Grupo Barraqueiro, há igualmente grandes projetos de desenvolvimento. Nós estamos neste momento a juntar todos estes empresários da plataforma e à volta dela, porque achamos que temos todas as condições para fazer crescer o que é hoje a plataforma logística Lisboa Norte. Sobretudo com a mais-valia do porto da Castanheira, cujo funcionamento melhorará — isso é da responsabilidade do Governo — com a navegabilidade do Rio Tejo até à Castanheira do Ribatejo.

A ideia é uma união destas áreas que estão próximas, mas dispersas, e juntá-las?

E até de fora, aproveitando esta intermodalidade que o Porto da Castanheira vai trazer. Temos tido também reconversão de antigas empresas que estavam encerradas, como, por exemplo, o projeto de produção de hidrogénio verde — projeto Galileu, que ganhou o prémio da COP 28 — da Smart Energy, que se vai instalar nas antigas instalações da empresa Ferro para produção de hidrogénio. A ideia deles é aproveitar esse CO2 libertado por outras indústrias aqui à volta e, com a redução das emissões de CO2, vão produzir o hidrogénio verde. Está previsto, nesse projeto Galileu, que consigam também abastecer o aeroporto de Lisboa ou o de Alcochete.

E o de Santarém, não?

O de Santarém, pelos vistos já ficou fora, não é? Mas isto para lhe dizer que este clima de confiança no investimento tem trazido não só logística, mas indústria, e indústria verde, que é o que queremos. Pretendemos criar aqui economia circular, porque há muito resíduo de uma atividade que consegue ser matéria-prima para outra.

Considerando a sua formação académica em cidades sustentáveis como olha para o eixo de Sacavém, ainda em Loures, até Vila Franca, com tanta indústria, contentores e outros atropelos à salubridade visual. É possível intervir num território com décadas de caos?

É interessante que fale dessa parte específica. Estamos neste momento em negociações com a Câmara Municipal de Loures, e a preparar, em articulação, uma intervenção na frente industrial e logística que vai sensivelmente da Bobadela até Alhandra, que, como mencionou, é o que tem indústria, logística, indústria, logística, indústria… Toda essa frente industrial, logística e económica constitui neste momento uma oportunidade para as próprias empresas, nesta ideia da economia circular e da descarbonização.

Desde logo porque têm financiamento indexado a critérios ESG.

Ora aí está. Estamos a juntar estes empresários todos para que possam constituir comunidades de energia com vantagens na fatura energética e na ambiental. É lá que temos uma ETAR, e faz todo o sentido uma articulação, de forma a que as águas residuais possam ser reintroduzidas no sistema. Na Póvoa de Santa Iria, temos a maior produção de microalgas da Europa, e estamos a expandi-la. As algas vivem de CO2 e de produtos que se encontram nas águas residuais. Portanto, em vez de estar a injetar na linha da água diretamente, faz sentido poder encaminhá-la para ali. O CO2 libertado pela indústria, em vez de ir para o ar, pode ser canalizado e alimentar as microalgas. Ou seja, há aqui uma potencialidade enorme sob o ponto de vista económico e ambiental, se todos falarmos uns com os outros, e é nesse sentido que estamos a trabalhar. A própria Cimpor está neste momento com o maior investimento ambiental no nosso país, com a reformulação completa de um dos fornos. A ideia é mesmo reduzir fortemente as emissões de CO2, para conviver com a economia e com a habitação.

  • Alexandre Batista

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