“OE tem medidas muito positivas para as empresas. Não é só descida do IRC”

"Se não forem tomadas medidas, não tivermos muita atenção às contas públicas, voltamos a entrar em défice", alerta o ex-ministro da Economia, António Costa Silva.

Fico contente por este Governo ter posto no Orçamento a redução da taxa de IRC“, diz o ex-ministro da Economia, António Costa Silva. Defensor desde sempre da redução da carga fiscal para as empresas — isso até lhe valeu “uma grande tempestade” logo que entrou para o Governo de António Costa — António Costa Silva vai mais longe e defende que a proposta de Orçamento do Estado para 2025 “tem medidas muito positivas para as empresas”.

Os elogios de Costa Silva estendem-se ao facto de Luís Montenegro ter continuado a política de “reforçar salários e rendimentos”, mas ficam-se por aí. A proposta de OE é “despesista”, “expansionista”, com um nível muito elevado de cativações e com uma margem orçamental “demasiado curta”, diz no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus.

Sem querer apelidar a proposta de eleitoralista, diz apenas que “este orçamento contribui em muito para consolidar a posição do Governo face aos eleitores”. E alerta que há riscos, tendo em conta a trajetória da despesa.

Numa entrevista conduzida horas antes de Pedro Nuno Santos ter anunciado a viabilização do Orçamento do Estado, o ex-ministro da Economia disse que gostaria que tal acontecesse, até porque não é possível esperar estabilidade de um partido como o Chega. “Eletrão livre” é a classificação que atribui a André Ventura para ilustrar a sua falta de previsibilidade.

E num recado a Marcelo Rebelo de Sousa diz que é “contra esta nova teoria dos mini ciclos eleitorais”. ” O Governo só está há seis meses em funções e, temos que lhe dar as condições para operar e depois ser julgado”, acrescenta.

 

Uma política fiscal mais amiga das empresas seria o caminho a seguir do ponto de vista nacional?

Sem dúvida. E sempre defendi isso. Aliás, logo que entrei no Governo anterior criou-se uma grande tempestade, porque disse claramente que tínhamos de reduzir a taxa de IRC. Fico contente por este Governo ter posto isso no Orçamento. Ainda é muito tímido. Os dados são objetivos. Não sou político, não vou fazer nenhuma carreira política, mas o país tem de discutir estas questões. Temos uma política fiscal que muitas vezes não é inteligente. Temos uma taxa nominal de IRC que é grande. Ainda por cima, se adicionarmos as derramas estaduais e municipais. Ela é das maiores da OCDE. Mas depois o que fazemos? Temos uma série de mecanismos de incentivos e as empresas? De facto, a taxa efetiva que pagam é abaixo da taxa nominal. A minha proposta é, desde logo, que a taxa efetiva seja igual à taxa nominal – baixarmos pelo menos nessa proporção, que é o que as empresas pagam. Nenhuma empresa no país paga os 31,5%. Porque é que é crucial? Quando discuto com os investidores internacionais, eles olham para estas questões. É evidente que o nosso país tem um conjunto de atrativos muito interessantes — por isso é que atraímos investimento direto estrangeiro a uma escala sem precedentes. Em 2023 conseguimos atrair mais de mil milhões de euros, comparando com 2022, de investimento direto estrangeiro produtivo, através da Aicep, que chegou aos 3,6 mil milhões euros. Estamos a atrair isso porque o país é estável, tem estabilidade política — é por isso que é muito importante manter-se essa estabilidade política –, é um dos países mais seguros do mundo, ao nível dos recursos humanos é o terceiro país na União Europeia que mais engenheiros forma por ano. Muitas destas empresas internacionais vêm até nós porque veem isso e procuram parcerias tecnológicas e de engenharia. Mas temos também de ter um regime fiscal que seja suficientemente atrativo para consolidarmos e sedimentarmos todo este processo.

Veria com maus olhos, com um chumbo do Orçamento do Estado por parte do Partido Socialista, se essa justificação assentar na descida de um ponto percentual do IRS?

O secretário-geral do Partido Socialista foi muito claro. Ele é um negociador e um político experimentado. Negociou, os orçamentos da geringonça, muito mais complicado. Ele traçou duas linhas vermelhas, basicamente numa, o Governo aceitou e ficou a meio caminho…

Modelou.

Na outra também fez um movimento. É evidente que um Orçamento de Estado tem uma miríade de pontos. Ele só traçou estas duas linhas e espero, sinceramente, que no fim haja uma aprovação. Sou favorável… O Governo só está há seis meses em funções e temos que lhe dar as condições para operar e depois ser julgado. Sou contra as interrupções dos ciclos eleitorais. Sou contra esta nova teoria dos mini ciclos eleitorais. Isso é gravoso para o país. O país tem de ter estabilidade. Os eleitores pronunciaram-se, tem que se respeitar integralmente a vontade dos eleitores. Já tivemos duas crises perfeitamente desnecessárias: a de novembro 2021 e a de novembro de 2023. No PRR estamos a pouco mais de 30 meses de execução e, nesses 30 meses, 12 meses são de instabilidade política no país, se somarmos a crise de 2021 à de 2023 e sabe bem quando há uma crise política durante seis meses paralisa tudo. No Governo anterior tivemos muito cuidado nisso: dizer que quem estava em gestão era o Governo, não a Administração, para manter o PRR a funcionar. Mas acaba por ter impactos. É lesivo para os interesses do país.

Temos uma política fiscal que muitas vezes não é inteligente.

Um Orçamento de Estado é uma miríade de medidas e o secretário-geral do PS traçou apenas duas linhas vermelhas. Este poderia ser um Orçamento socialista?

Não diria isso. O Orçamento segue questões que foram fulcrais para a política dos governos socialistas e para o primeiro-ministro, António Costa. Isso são pontos muito positivos do Orçamento. Há, claramente, uma preocupação para reforçar os salários e rendimentos. E se olhar para a trajetória dos governos anteriores, esse reforço aconteceu. Em 2023, as remunerações no país, em média, subiram 8%, o que é absolutamente extraordinário. Neste ano estão a cerca de quatro e no próximo vai-se continuar essa trajetória. Isso é muito importante. Também tem medidas muito positivas relativamente às empresas. Não só esta do IRC, que a meu ver é positiva, mas outras medidas também que vêm de trás como o regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI).

A tributação autónoma.

A majoração de 30% das tributações autónomas, a sua redução.

A tributação autónoma consegue compensar o facto de não se ter ido tão longe na descida do IRC?

Sim, as tributações autónomas podem contribuir para isso e é um meio de compensação. Não compensam totalmente, mas podem compensar. Agora, onde é que vejo que este orçamento não seria provavelmente feito pelo Partido Socialista, porque no Governo anterior — e era também um defensor disso — tínhamos um compromisso muito grande com a consolidação das contas públicas e a redução da dívida. Em 2023, a dívida pública reduziu-se 16 pontos percentuais e neste Orçamento a ambição é muito pouca. A redução é só de dois pontos percentuais. Em termos das cativações, que eram uma crítica muito acesa, feita ao Governo anterior, as cativações sobem cerca de 54%, passam para 3,9 mil milhões euros. Lembro-me de vários atores políticos dizerem que não tínhamos um ministro das Finanças, mas um ministro das cativações. Mas a questão fulcral é a questão da despesa. Tínhamos uma preocupação muito grande, no Governo anterior, de controlar a despesa. A meu ver, hoje até excessiva. Houve um certo financeirismo, que é uma crítica que faço porque parte do saldo orçamental, ou pelo menos uma pequena parte, devia ter sido utilizada para pacificar pelo menos alguns setores que criaram erosão na sociedade. Mas há um perigo aqui. Este ano, só nestes poucos meses temos um aumento da despesa primária, corrente de mais de 8%. O saldo orçamental que está previsto para o próximo ano é de 0,3. Se tem uma convulsão numa situação internacional…

A margem é demasiado pequena?

É demasiado pequena e podemos rapidamente, se não forem tomadas medidas, não tivermos muita atenção às contas públicas, voltamos a entrar em défice. Isso é o pior que pode acontecer ao país.

As agências de rating não perdoariam.

O país hoje tem uma credibilidade financeira que está assegurada nos meios internacionais, é referenciado por toda a sua trajetória de redução da dívida que, como sabemos, criou outros problemas que eventualmente poderiam ter sido sopesados na altura. Mas isto é um acervo muito importante para o futuro do país e com esta dimensão da despesa pública, muito provavelmente podemos ter esse tipo de problemas.

“Temos de ter previsibilidade, pôr acima dos conflitos partidários o interesse do país”, diz António Costa Silva, ex-ministro da Economia e do Mar, em entrevista ao podcast “ECO dos Fundos”.Hugo Amaral/ECO

Acha que o Orçamento é eleitoralista?

Não sei. Há pessoas que interpretam nesse sentido. Não quero fazer julgamentos desse teor. Mas é evidente que se formos para eleições — espero que não aconteça de forma alguma — este orçamento contribui em muito para consolidar a posição do Governo face aos eleitores. Mas a experiência ensina que o dar tudo a toda a gente chega a um certo período em que vão ter de se fazer as contas. Temos um Orçamento que é despesista. Do ponto de vista da política orçamental é expansionista, num ciclo económico que está a abrandar. Temos um abrandamento não só do crescimento do PIB, como o Governo indica, das exportações e do consumo interno e atenção do próprio investimento. O investimento este ano, neste primeiro semestre, é de 0,8%. É completamente um crescimento anémico. No último trimestre do ano passado cresceu 4%. Há aqui indicadores que configuram que, se continuar uma política orçamental expansionista nesta fase do ciclo económico, mais à frente pode ter de se fazer um ajustamento quando o ciclo económico é mais desfavorável. Isso pode ter impacto depois na vida do país e das pessoas.

Gostava que o orçamento fosse aprovado, já o disse. Vê essa aprovação ser feita pelo principal partido da oposição, ou André Ventura dará mais uma cambalhota e acabará por viabilizar o Orçamento do Estado?

Respeito muito a vontade dos eleitores. Sou profundamente democrata. A democracia é um sistema fulcral. Até pela minha própria vida, sou profundamente democrata. Mas não há dúvida que o partido de André Ventura é uma espécie de eletrão livre na democracia portuguesa. É a mesma coisa na física, com os eletrões livres é muito difícil saber o que vai…. Temos de ter previsibilidade, sustentabilidade nas nossas opções, pôr acima dos conflitos partidários — e democracia é um regime conflitual — o interesse do país, a seriedade e o rigor. E dali, desse ponto de vista, pode se esperar tudo menos isso. Não contaria com isso.

O melhor seria Pedro Nuno Santos viabilizar o Orçamento?

Nesta altura é a única hipótese que subsiste. Vamos ver qual é a decisão de secretário-geral do Partido Socialista, mas espero, com toda a sua experiência, e sua formação, sei que tem um grande compromisso com o próprio interesse do país. Agora, depois há as questões internas do partido. O Partido Socialista é um partido muito plural. Não sou militante, atenção, sou independente e continuarei a ser independente. Mas é, sem dúvida, o partido que mais próximo me sinto.

O partido de André Ventura é uma espécie de eletrão livre na democracia portuguesa.

Já referiu os riscos que estão associados ao Orçamento e à economia internacional. As previsões inscritas no OE, em termos de crescimento, são excessivamente otimistas?

Se olhar para a situação internacional, tem diferentes fatores. Há índice aos quais presto muita atenção. Um é o índice dos gestores de compras, os PMI. Está a subir e está hoje muito acima dos 50 pontos. É uma indicação favorável. Onde é que estão os problemas? Por exemplo, nos transportes internacionais. O índice global de transporte dos contentores tem vindo a crescer. Os custos dos transportes marítimos, desde novembro do ano passado, quando começaram os ataques dos huthis no Mar Vermelho, subiu mais de 360%. O Dry Baltic Index, o transporte de carga seca, também tem estado a crescer e isto ligado a situação política muito difícil que se vive hoje no mundo — não é só a situação na Europa, na guerra da Ucrânia –, o conflito no Médio Oriente que pode desestabilizar o sistema energético internacional, mas também a situação muito tensa que se vive na China, sobretudo no Estreito de Taiwan. Para mim, Taiwan é o principal escolho geopolítico deste século. A China está desesperada por controlar Taiwan. Taiwan tem a TSMC, uma das empresas mais importantes do mundo, domina mais de 50% do mercado de microchips de última geração, inclusive para a inteligência artificial generativa. E a China não tem hoje acesso a essa tecnologia. E essa tecnologia é absolutamente vital, porque vai formatar tudo: as cidades inteligentes, a nova geração de desenvolvimentos em múltiplas áreas. A situação internacional configura aqui um caso muito sério. Mas, para Portugal, ainda mais séria é a situação na Europa. Temos aqui uma encruzilhada.

O abrandamento da Alemanha, França com défices excessivos…

A Alemanha está nesta situação por culpa própria, por miopia geopolítica. Há muita miopia geopolítica nos dirigentes europeus. Fui convidado, no início deste século, por vários deputados portugueses ao Parlamento Europeu para ir discutir com a Comissão Europeia a questão da energia. E levava sempre um mapa da Europa com a dependência dos países do leste do gás russo, alguns de 100%, 90%. A Alemanha, já nessa altura, 60%. E chamava sempre a atenção que é fundamental ligar a Península Ibérica através dos gasodutos que já tínhamos nessa altura, com o porto de Sines e os seis ou sete portos espanhóis, cerca de 50% de receção do gás natural liquefeito na Europa. E a Europa não fez isso, não ligou. E hoje vai cometer também o segundo erro que é não ligar, porque somos uma espécie de powerhouse na Península Ibérica, Portugal, Espanha das energias renováveis. A Europa não fez isso e as consequências são dramáticas. A economia alemã está em estagnação ou mesmo em retração. Isso vai acontecer. E qual é o problema para Portugal? 70% das nossas exportações vão para a Europa.

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