Bruxelas “não tinha muita confiança no Banco de Fomento”

Para o BPF ter uma intervenção muito clara é preciso outro paradigma: banco e empresas têm de mudar. "Ambos têm culpa ", diz o ex-ministro da Economia, Costa Silva.

“Em junho de 2022, poucos meses depois de estar no Governo, o comissário Paolo Gentiloni, que tinha a Economia na Comissão Europeia, visitou-nos aqui em Portugal. Tive uma reunião com o comissário no Palácio de São Bento, também na presença do senhor primeiro-ministro. O comissário disse que os serviços dele em Bruxelas não tinham muita confiança no Banco de Fomento e, sobretudo, se era capaz de cumprir as metas que estavam previstas até ao fim de 2022.” O relato inédito é de António Costa Silva, no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus.

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O ex-ministro da Economia conta que fez Gentiloni prometer que se o Banco de Fomento cumprisse todas as metas Portugal seria um dos implementing partners do InvestEU. A assinatura do acordo acabou por só feita já com o novo ministro da Economia. Pedro Reis que, no espaço de seis meses, substituiu a cúpula de todas as instituições sob a sua alçada: AICEP, IAPMEI e Banco de Fomento. Todas as pessoas colocadas por António Costa Silva. “Muitas vezes nestas questões, a confiança política, digamos assim, também pode ser um fator decisivo”, admite o ex-ministro.

António Costa Silva reconhece que “o banco pode não ter tido o desempenho melhor que estávamos à espera”, mas defende que era preciso dar mais tempo à atual administração e, sobretudo, haver uma mudança de mentalidades. Sobretudo porque o “minifúndio está impregnado na consciência portuguesa”.

“Para o Banco de Fomento também ter uma intervenção muito clara, é preciso ter um outro tipo de relação e um outro tipo de paradigma, da parte do sistema empresarial e do funcionamento do Banco de Fomento. Ambos têm culpa, mas é necessário melhorar nas duas dimensões”, concluiu.

Como vê as mudanças que estão a ser feitas pelo atual ministro da Economia relativamente a todos os organismos que estão sob a alçada do Ministério? Estamos a falar da liderança da AICEP, do IAPMEI e agora da cúpula do Banco de Fomento?

Primeiro que tudo, tenho uma excelente relação com o ministro Pedro Reis. Preparei a pasta de transição com todos os elementos, porque muitos aspetos estavam a ser desenvolvidos e o país continua a apostar e a desenvolver. Sobre estes organismos, começando com o IAPMEI: nomeei o eng. Luís Guerreiro, que trabalhou sempre no setor privado, uma pessoa que tem muita experiência em relação às empresas. Deu um impulso ao IAPMEI, na componente, por exemplo, do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), ao nível do investimento, Capitalização e Inovação Empresarial, onde o IAPMEI estava profundamente envolvido, é um dos que tem mais taxa de execução, cerca de 32%. A descarbonização da economia a mesma coisa. É uma pessoa que deu um impulso. Mas enfim, o ministro e o Governo decidiram e temos de aceitar. Só queria aqui agradecer o trabalho que ele fez, que foi extremamente importante. Depois quando veio a AICEP, com o Dr. Filipe Costa e o Dr. João Noronha Leal, só em termos de investimento direto estrangeiro, em 2023, conseguiram aumentar mais mil milhões de euros, passou de 2,6 para 3,6 mil milhões de euros. Penso que também fizeram um excelente trabalho. E o Filipe Costa esteve na Global Parques, tem também o conhecimento. Mas pronto. Muitas vezes nestas questões, a confiança política, digamos assim, também pode ser um fator decisivo.

É dessa forma que entende a mudança?

Mas queria agradecer também a estes dois gestores que foram excelentes. Ainda por cima, o Dr. João Noronha Leal foi buscá-lo ao setor privado a que já retornou. Foi um serviço público que prestou e Filipe Costa terá o seu papel.

E no caso do Banco de Fomento, reconhece que não teve o desempenho que esperava com a saída de Beatriz Freitas e a entrada de Ana Carvalho?

Sim. Nunca disse isto em público, mas vou dizê-lo. Em junho de 2022, poucos meses depois de estar no Governo, o comissário Paolo Gentiloni, que tinha a Economia na Comissão Europeia, visitou-nos aqui em Portugal. Tive uma reunião com o comissário no Palácio de São Bento, também na presença do senhor primeiro-ministro. O comissário disse que os serviços dele em Bruxelas não tinham muita confiança no Banco de Fomento e, sobretudo, se era capaz de cumprir as metas que estavam previstas até ao fim de 2022. Expliquei ao comissário Paolo Gentiloni que tínhamos um plano para cumprir essas metas. Todas tinham a ver com sistema de auditoria interna, controlo, o compliance, aquilo que é absolutamente fulcral. E disse: “comissário, prometa-me, se cumprimos estes objetivos, o Banco de Fomento vai ser um parceiro full member do InvestEU“. Isto é extremamente importante, pois conduz àquele acordo que começou a ser negociado logo no fim de 2022, em 2023, com o InvestEU, que são os 3,6 mil milhões de euros que viemos a conseguir. Para isso foi fulcral a Dr.ª Celeste Hagatong e a Dr.ª Ana Carvalho. Ambas têm muita experiência em diferentes setores.

É evidente que o banco tem sempre queixas. Há coisas que avançaram, outras que avançaram menos.

É evidente que o banco tem sempre queixas. Há coisas que avançaram, outras que avançaram menos. Mas queria agradecer o trabalho muito importante de ambas, porque no fim de 2023, quando fui ver os números dos 1.300 milhões do Fundo de Capitalização e Resiliência, gerido pelo Banco de Fomento, cerca de 830 milhões já estavam aprovados para chegar às empresas. E isso foi um passo também gigantesco. Depois, a negociação com o InvestEU vai ser fulcral para o país. Sou das pessoas que defendem que temos de ter uma panóplia de instrumentos financeiros para ajudar as nossas empresas. A banca comercial é fundamental porque uma banca saudável significa uma economia saudável. Mas a banca comercial apoia projetos a curto prazo e, sobretudo, quanto a investigação e desenvolvimento. E o Banco de Fomento existe, não para fazer sombra à banca comercial, mas como colmatar estas falhas: apoiar projetos de médio e longo prazo, ajudar as empresas, tem uma panóplia de instrumentos de capital e quase capital que as empresas podem utilizar. Mas isto também significa mudarmos um bocado a literacia financeira que existe no país.

Foi esse o problema do Banco de Fomento? As expectativas relativamente ao banco não são as mais justas? Ou reconhece que o banco não teve o desempenho que estava à espera que tivesse?

O banco pode não ter tido o desempenho melhor que estávamos à espera, mas teve um desempenho que acho que é bom. Ao lidar com os empresários, e isto é um problema nosso, da nossa mentalidade cultural, não é só dos empresários portugueses. Somos uma espécie do povo do minifúndio. O minifúndio está impregnado na consciência portuguesa. Quando vai falar com os empresários e vem o banco de fomento, com aqueles instrumentos de capital ou quase-capital para ajudar, as pessoas pensam que é para tomar conta das empresas. Explicava que não era para tomar poder, mas para ajudar as empresas. Sou das pessoas que defende que o Estado não deve ter intervenções deste tipo. Era absolutamente fulcral assegurar isso Mas há aqui também uma certa literacia. E o banco também, por um lado, desenvolveu todos os roadshows, esteve mais presente no terreno. É evidente que depois tem de seguir as suas regras. Há uma certa morosidade de processos. Mas elas lutaram e muito, para transformar e pôr o banco alinhado com estas tendências.

Somos uma espécie do povo do minifúndio. O minifúndio está impregnado na consciência portuguesa.

Faltou-lhes o tempo? Não tiveram tempo suficiente?

É falta de tempo e também a luta contra muitas das ideias. A coisa mais difícil para as pessoas mudarem é a cabeça e a sua mentalidade. E para o Banco de Fomento também ter uma intervenção muito clara, é preciso ter um outro tipo de relação e um outro tipo de paradigma, da parte do sistema empresarial e do funcionamento do Banco de Fomento. Ambos têm culpa, mas é necessário melhorar nas duas dimensões.

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