• Entrevista por:
  • Alexandre Batista

“Queremos afirmar o produto turístico de Aire e Candeeiros da mesma forma que a Rota Vicentina se afirmou”

Autarca de Alcanena e conhecedor do turismo enquanto hoteleiro, Rui Anastácio pretende ter investigação médica da "liga dos campeões" e uma marca Aire e Candeeiros para rotas e azeite "de ouro".

Rui Anastácio ora está de olhos postos num parque natural que junta sete municípios e duas regiões de turismo, ora num terreno árido à beira da autoestrada do Norte (A1), onde vai nascer um parque empresarial para onde só quer indústria.

Quando fala de todos os projetos que tem em andamento, e que inclui a reabilitação do olival tradicional para produção de azeite de Aire e Candeeiros, o autarca de Alcanena repete o verbo “querer”: “Queremos afirmar o produto turístico de Aire e Candeeiros”, “o que queremos são empresas de elevado valor acrescentado que possam pagar bons ordenados aos jovens” e “o que queremos aqui é criar um ecossistema que nos permita atrair médicos”.

Mas o autarca que tem na indústria hoteleira em Alvados a sua ocupação fora da política, também sabe o que não quer: logística no parque empresarial de 140 hectares que entrará em construção no início de 2025, e para onde procura indústria, objetivo que o tem levado a bater à porta da Aicep e a fazer-se à estrada para ir a feiras no estrangeiro “vender” o município do Médio Tejo. Ali está-se no “km 0 da autoestrada para Madrid”, salienta, quando vira a agulha para a captação de investimento internacional.

Alcanena está a iniciar a primeira fase de um parque empresarial que terá quase 100 hectares e incluirá um hotel à beira da A1. Que investidores têm em mente para este ativo?

Estamos neste momento em contacto quase semanal com a Aicep e players internacionais para nos ajudarem a captar bons investimentos, de elevado valor acrescentado. Esse é o desafio. Queremos que o rácio “metro quadrado/quadro superior” contratado seja o mais elevado possível e isso passa por indústria diferenciadora. Na nossa área, não queremos logística, embora estejamos a falar do km 0 para Madrid, e não é por acaso que existe naquela área a base do Intermarché e do Auchan. A Aicep concorda connosco.

E conseguem atrair trabalhadores?

O concelho neste momento já tem alguma oferta de emprego, e até alguma carência de mão-de-obra em determinadas circunstâncias, sobretudo quando falamos em chão de fábrica. O concelho tem alguma industrialização desde sempre, ligada à indústria de curtumes, e tem também a base do Intermarché.

O que nós queremos são empresas de elevado valor acrescentado que possam pagar bons ordenados aos jovens que cá estão e àqueles que queiram vir para cá. Até podem vir de fora do país. Para isso, temos de criar um ecossistema. O território tem que ser agressivo. Nós não somos de baixa densidade, não tenho nenhuma freguesia que seja de baixa densidade, mas tenho uma freguesia que está a cinco minutos do concelho e a dez minutos da autoestrada, e perdeu 20% da população entre 2011 e 2021.

Freguesia de?

Monsanto, a freguesia do concelho que mais população perdeu, mas o concelho, em média, perdeu 10%. E isto é preocupante, penso eu. Neste momento conseguimos recuperar alguma coisa. É verdade que também temos aí alguns fluxos migratórios que estamos a tentar enquadrar.

Consegue estimar quantas nacionalidades há no concelho?

Temos mais de 20, e já abrimos mais escolas, mais salas de infância. Vamos disponibilizar nos próximos dois anos mais 200 lugares de creche, quer nas duas IPSS, quer em duas creches que vamos construir.

É no âmbito dessa estratégia de atração de talento que vão investir 100 mil euros mensalmente para acolher a Nova Medical School?

O que vem para o município é uma extensão territorial da Unidade de Medicina Exponencial da Nova Medical School, aprovada em câmara e assembleia municipal por unanimidade. Para já, vai ser uma pequena sala aqui no edifício principal. Depois, será aquilo que conseguirmos construir com eles.

Mas 100 mil euros não é um investimento pesado para o município?

Claro que é. O que queremos é que Alcanena e a região do Médio Tejo se transformem num laboratório de trabalho. Para ter uma ideia, a unidade de medicina exponencial (UME) tem já contactos no estrangeiro com 600 entidades. Estamos a falar da Liga dos Campeões da investigação. Vamos ter uma abordagem sobre construção saudável.

Todos estes projetos vão incorporar uma componente também de investigação e desenvolvimento, e, obviamente, a ideia é de que no futuro apareçam neste quadro spin-offs que possam crescer. Nós acreditamos no valor da investigação que se faz. As nossas escolas vão ser também um laboratório. O que queremos aqui é criar um ecossistema que nos permita atrair médicos.

A falta de médicos é um problema?

O Médio Tejo não consegue atrair médicos. Temos mais de 50% da população em Alcanena sem médico de família. Podemos todos criar regulamentos de atração de médicos, mas é uma espiral insana. Nós também temos regulamento, mas a verdade é que não atraímos nenhum. A ideia é criar um ecossistema, em que os médicos que venham para região possam ter acesso a formação avançada da Nova Medical School, em que os jovens médicos se sintam bem, possam ser médicos e também investigadores e depois vamos trabalhar a ligação da saúde com diversas áreas: habitação, escolas e turismo.

O Médio Tejo não consegue atrair médicos. Temos mais de 50% da população em Alcanena sem médico de família. Podemos todos criar regulamentos de atração de médicos, mas é uma espiral insana.

Rui Anastácio

Presidente da Câmara Municipal de Alcanena

Que turismo há em Alcanena?

Nós temos um projeto muito ambicioso, trabalhado pelos sete municípios daqui da Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros –ainda há semanas, 21 entidades assinaram um protocolo de entendimento na presença do secretário de Estado do Turismo. Conseguimos sentar à mesma mesa as duas entidades regionais de turismo. Acreditamos que o produto turístico que existe aqui é o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros. Queremos posicioná-lo como destino de excelência para walking e cycling.

Já passaram do plano de intenções?

Temos plano de ação, trabalhado durante dois anos. Precisamos agora de financiamento da parte do Turismo de Portugal. O aviso deve sair nas próximas semanas. Foi à conta deste plano de ação que se permitiu o entendimento destas 21 entidades que assinaram no dia 3 de setembro.

Assinaram os sete municípios do parque natural, as duas entidades regionais – este território do ponto de vista administrativo é muito complexo, tem entidades de turismo de Centro e Alentejo [e Ribatejo], as comunidades intermunicipais são quatro, e assinaram todas, os GAL [Grupos de Acção Local], e as agências que fazem um papel que muita gente não conhece, mas que é talvez o mais importante, e na minha opinião são as estruturas leves que mais contribuem para crescimento da procura turística em Portugal.

É quem faz a promoção internacional, quem vai às feiras, leva o produto, angaria operadores, organiza fam trips, press trips. Esse trabalho, que não foi muito visível, foi o que resultou no crescimento turístico que Portugal teve. Foi a pesca à linha.

Que entidades são essas?

As agências regionais, de direito privado, onde normalmente estão as entidades representadas. Muitas vezes, o presidente da entidade é o mesmo da agência. É esse trabalho extraordinário.

Falávamos da estratégia turística.

Nós queremos afirmar o produto turístico de Aire e Candeeiros. Da mesma forma que a Rota Vicentina se afirmou. Nós estamos a uma hora de Lisboa, temos uma paisagem absolutamente singular e uma rede imensa de percursos de cada município, mas nada disto está enquadrado, trabalhado e colocado em Marketplace.

Assegurado o financiamento, seria um projeto para pôr em andamento no imediato?

Já fizemos o trabalho de casa todo, o projeto está feito, assinámos o protocolo, só precisamos agora de dinheiro para começar a pôr o projeto cá fora.

De que valor necessita?

Para arrancar, meio milhão de euros. Para sete municípios, não é expressivo. Tudo isto foi apresentado ao Turismo de Portugal. Nós conseguimos enquadrá-lo num chapéu maior. A legislação existe desde 2019, mas nas serras de Aire e Candeeiros nunca se tinha avançado.

Eu fui nomeado pelos meus colegas para presidir à comissão de cogestão das serras de Aire e Candeeiros. Este plano global de cogestão, onde estamos agora a encontrar financiamento, é bastante superior, muito ambicioso. O plano global de investimento é de 70 milhões de euros. É um exercício. Qual é o financiamento? É zero. Agora, temos um documento orientador e vamos à procura de financiamento.

Além do turismo, o que podem os municípios do parque retirar do território numa ótica colaborativa?

Um dos projetos que está dentro do chapéu da cogestão, que até se cruza com turismo, porque tem uma componente de olivoturismo, é o da valorização do olival tradicional.

Já o ouvi manifestar a pretensão de ter o azeite da região comercializado a 25 euros por litro.

É esse o objetivo.

Como?

Da mesma maneira que os outros fazem. Não é preciso inventar nada. Temos que trabalhar. Neste momento, temos uma rede colaborativa de mais de 200 pessoas entre olivicultores, lagareiros, técnicos. Não é fácil, claro que não. 30% do concelho de Alcanena é olival. Fazemos contas, este olival tem potencial de faturação de cerca de 20 milhões de euros por ano, se falarmos em 20 euros o litro. É fácil? Não, claro que não é. Até porque o grosso deste olival já está abandonado.

Mas é olival com dezenas de anos, na maioria dos casos. Tem uma variedade muito interessante, a galega, e tem também a lentrisca, em menor percentagem, mas que faz um blend muito bom com a galega. E o que não fizemos até agora? O nosso trabalho. Em 2007, eu estava no aeroporto de Bolonha, numa feira ligada à indústria de curtumes, comprei uma garrafa de azeite de 100 ml e paguei 10 euros. Aquele azeite foi-me vendido por 100 euros o litro, em 2007, passaram quase 20 anos.

Como tenciona chegar com sucesso a esse preço sem uma marca. Não tem por detrás um Esporão, por exemplo.

Esse é azeite de produção intensiva.

Mas logo à partida tem marca.

Ter marcas a 20 euros já é muito importante. O olival está abandonado porque este azeite foi durante dezenas de anos vendido praticamente ao mesmo preço, quatro, cinco euros o litro. Mas atenção, há muito azeite que os produtores aqui acham que é de boa qualidade e não é. Porquê? Porque o olival não é acompanhado, porque muitas vezes a azeitona é apanhada tardiamente, não entra em produção rapidamente.

Este ano, fruto deste trabalho, que chamamos Projeto Ouro Líquido, tivemos lagares a abrir mais cedo, para que as pessoas possam fazer a azeitona com uma percentagem verde maior. Os produtores já começaram a perceber que para esse mercado é assim.

Mas esta é uma zona de minifúndio, com múltiplos proprietários. A rede colaborativa de municípios proporciona formação?

Muito minifúndio. Este projeto nasceu em Alcanena, foi um dos nossos projetos bandeira da campanha eleitoral. Depois das eleições, convidei o meu colega de Torres Novas, juntámo-nos e contratámos o Luís Melo – nosso consultor, com uma carreira longa, é aqui da zona e tem sobretudo a capacidade de juntar pessoas.

Fizemos variadíssimas sessões públicas, as salas sempre cheias, e agora o diagnóstico de plano de ação para os concelhos de Alcanena e Torres Novas está feito. Ainda não temos financiamento, foi só investimento dos municípios e alguma coisa do Fundo Ambiental. Espero que o Fundo Ambiental olhe para estas realidades. Nós, em primeiro lugar, pomos as coisas a funcionar, conseguimos juntar os outros cinco municípios do parque, onde está a ser feito o diagnóstico.

E de onde lhe veio a ideia de explorar o conceito de “ouro líquido”?

Da observação do território. Como é que nunca foi tema de campanha no concelho de Alcanena? Cheguei a ser vereador aqui, depois estive 20 anos afastado, mas sempre minimamente atento ao que se passava, e o olival, fui ver, representa 30% dos 127 km2 do concelho.

Da anterior campanha de azeitona já tiraram ensinamentos para a atual?

Nós estamos nesta rede colaborativa com diagnóstico. Temos um grupo de whatsapp do projeto com 254 pessoas, que todos os dias trocam informações, ajudas, os lagareiros dizem quando vão abrir o lagar, os produtores trocam informações sobre maneio de olival. Já fizemos provas, pequenos cursos, temos um projeto que está a acontecer todos os dias. Neste momento, já criaram uma associação.

Temos um grupo de whatsapp do projeto com 254 pessoas, que todos os dias trocam informações, ajudas, os lagareiros dizem quando vão abrir o lagar, os produtores trocam informações sobre maneio de olival. Já fizemos provas, pequenos cursos, temos um projeto que está a acontecer todos os dias. Neste momento, já criaram uma associação.

Rui Anastácio

Presidente da Câmara Municipal de Alcanena

Vão criar um azeite ao nível do parque?

Há uma marca em que acreditamos. Este será o azeite Aire e Candeeiros, para ser vendido a quem cá vem, e lá fora. Nós percebemos que o mercado nacional não tem condições na maioria dos casos para comprar azeite ao preço que nós entendemos que tem de ser vendido para que se justifique. Para ter uma ideia, há 50 anos, o valor de um litro de azeite dava para pagar um dia, uma jorna de trabalho de um homem. Quanto custa hoje um homem a apanhar azeitona?

80 euros?

Então, o litro de azeite tem de ser vendido a 80 euros. Exige-se é qualidade correspondente, não pode ser vendido em garrafas de litro. Se formos a qualquer aeroporto europeu, há azeites dentro destes valores. Este azeite de olival tradicional, que não é regado, é de sequeiro, tem de ser vendido, no mínimo, a 20, 25 euros por litro.

Isso poderia significar quanto para a região?

E ainda temos uma coisa que acredito muito… quando acabar o mandato, se calhar vou dedicar-me a isso. Os espanhóis já estão a fazê-lo, a vender a 300 e 400 euros por litro, que é o azeite de zambujo, de oliveira brava. No ano passado, consegui convencer um olivicultor e lagareiro de Alvados, no concelho de Porto de Mós, a produzir azeite, tenho-o em casa, absolutamente extraordinário, produzido a partir de zambujo. Uma azeitona pequena, quase só caroço, mas um azeite absolutamente extraordinário. Era o azeite que os maiores proprietários aqui da região consumiam há 70, 80 anos. Há aqui um trabalho imenso. É fácil? Não, porque se fosse, já estava feito.

  • Alexandre Batista

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