Em Zurique, na excelência da civilidade

  • Rita Ibérico Nogueira
  • 13:14

Depois de conhecermos o icónico Hotel Baur au Lac, onde nasceu a ideia do Prémio Nobel da Paz, a maior cidade da Suíça merece um guia ‘curated’ para 2025, escolhido por Sancha Trindade.

Entre os grandes nomes que escolheram Zurique para viver ou trabalhar estão Albert Einstein, James Joyce, Carl Gustav Jung e Thomas Mann, todos profundamente ligados ao espírito intelectual e artístico que permeia esta cidade suíça. E, se no livro de notas levava uma Zurique considerada como a Disneylândia dos jovens banqueiros — em que os suíços controlam a vida ao milímetro e vivem dentro do seu quadrado, na opinião de muitos locais, de forma um pouco egoísta e muitas vezes fechada —, esta não deixa de ser uma cidade deliciosamente pequena, mas muito internacional. E isso muda todo o cenário de uma das cidades mais desejadas e eficientes do mundo. Zurique, considerada uma cidade fora de série por quase todos os rankings globais, inspira admiração.

Apesar de ser a maior cidade da Suíça, Zurique é muitas vezes apontada como uma simples paragem entre o aeroporto e as estâncias de Inverno. Mas esta cidade oferece um sentimento de aldeia bem conservada, ainda por cima abençoada pela magia do Lago de Zurique e o postal lindíssimo das montanhas. Perfecionista e limpa a régua e esquadro, Zurique é uma cidade de vivência suave, onde não escutamos qualquer tipo de reação emocional no trânsito e conseguimos acertar relógios pela pontualidade dos transportes públicos. Transportes esses surrealmente limpos, imaculados e pontuais, sem exceção e por isso notável no padrão mundial.

Os suíços cuidam muito bem das suas cidades, estradas, espaços públicos, parques e jardins. O sentido comunitário e o uso de bens partilhados é regulado por normas que todos respeitam. Essa atenção ao coletivo reflete o respeito pelas regras de convivência e, apesar das famosas denúncias discretas, faz com que Zurique seja uma das cidades mais organizadas — e, por isso, mais fáceis e desejadas — do mundo.

Para quem tem assistido, de coração apertado, à fase desafiante que Lisboa atravessa, Zurique é uma lufada de ar fresco, um exemplo de civilidade, que mostra ao mundo que imaginar uma cidade coerente, limpa, preservada e sincronizada não é, afinal, nenhuma utopia ou ilusão.

Descobrir Zurique com curadoria

Para organizar a estadia, sugiro que o leitor analise previamente a agenda cultural da Opernhaus Zürich e da Tonhalle Zürich. Sei que é peculiar, mas é sempre o meu ponto de partida para uma viagem: os espetáculos culturais, sejam óperas, bailados ou concertos, neste caso a respirarem no coração da cidade.

Opernhaus Zürich

A Opernhaus Zürich e a Tonhalle Zürich são duas das principais instituições culturais, com histórias ricas no mundo da música. A Opernhaus Zürich, inaugurada em 1891, foi projetada pelos arquitetos Fellner & Helmer e passou por uma importante renovação após um incêndio em 1920. A sua Orquestra da Ópera de Zurique é fundamental nas apresentações de ópera e bailado, e o local continua a ser um dos principais centros de ópera na Europa, com acústica e produções sublimes. Já a Tonhalle Zürich, inaugurada em 1895, tornou-se um centro de excelência para a música sinfónica. Fundada em 1868, é um pilar da cena musical da cidade, com uma programação variada de concertos clássicos e contemporâneos.

Para sonhar, o hotel Baur au Lac é uma referência no património cultural da cidade, por ser a morada onde Alfred Nobel conheceu Bertha von Suttner, pacifista que influenciou sua decisão na criação do Nobel da Paz — algo que faz tanto sentido nestes tempos planetários. Mesmo que não opte pelo Baur au Lac, almoçar no Marguita, jantar na Brasserie Bauer’s ou tomar chá no The Hall, todos no hotel, será sempre uma experiência histórica marcante na sua passagem por Zurique.

Outro marco que procuro sempre são os cafés antigos sobreviventes, e o Café Odeon é uma visita obrigatória. Inaugurado em 1900, a morada de antigas tertúlias é um elegante ponto de encontro que, ao longo dos anos, atraiu intelectuais, artistas e políticos. A atmosfera clássica, com pormenores art nouveau, faz do Odeon um refúgio de café de qualidade aliado à história cultural de Zurique. Frequentado por personalidades como James Joyce e Albert Einstein, o café mantém o charme de sua época e oferece a nós, viajantes, uma experiência inesquecível — especialmente se conseguir conversar com suíços locais, na minha experiência, bem criativa e fora da caixa, contrariando todos os mitos.

Outro endereço único é o Kronenhalle. Fundado em 1924 por Frieda Wengi, uma mulher visionária, o restaurante tornou-se um dos mais icónicos de Zurique. Com gastronomia local, Wengi criou um ambiente singular ao integrar obras de arte de grandes artistas, como Marc Chagall, Pablo Picasso e Ferdinand Hodler, transformando o restaurante numa galeria onde se come a poucos centímetros dos quadros, curiosamente, sem proteção.

Também o Zunfthaus zur Waag. Num edifício histórico que remonta ao século XIII e que estava originalmente associado à corporação dos ferreiros da cidade, “Zunfthaus” significa “casa da corporação”, e o restaurante preserva essa ligação, lembrando o papel dos ferreiros nas reuniões profissionais e políticas da época. Hoje, o local mantém a tradição histórica, oferecendo uma experiência gastronómica suíça num ambiente elegante, cultural e simbólico da Zurique medieval.

Bahnhofstrasse, considerada a avenida mais cara do mundo

Em Zurique, as experiências gourmet são excecionais, com delicatessens renomados como Jelmoli e Globus, dos melhores que já testemunhei na Europa. Passear pela Bahnhofstrasse, considerada a avenida mais cara do mundo, é uma experiência que foge ao sentido de fausto e transmite uma sensação de grande civilidade discreta, a melhor de todas. A experiência é especial porque sentimos a discrição suíça, sem espalhafato, e isso numa rua de lojas luxuosas é sublime.

Para os amantes de arte e história, o mirante de Lindenhof, as igrejas Grossmünster – esta associada a Ulrich Zwingli, figura central da Reforma Protestante – e Fraumünster, com seus famosos vitrais de Marc Chagall, e a St. Peter Kirche, e a James Joyce Foundation são paragens imperdíveis. No bairro do Niederdorf – que faz parte do Altstadt (Cidade Velha) de Zurique – vai ficar impressionado como os suíços preservam o património das suas lojas, causa que me indigna há anos em Lisboa. Todas as lojas respiram perfeição, não há nada fora do sítio e isso é impressionante.

A Niederdorfstrasse, a rua mais movimentada na margem direita do Rio Limmat, é cheia de vida, com diversos restaurantes e bares, incluindo o icónico Café Voltaire, berço do Dadaísmo, movimento que surgiu como uma reação às atrocidades da Primeira Guerra Mundial, um detalhe que reforça o impacto cultural de Zurique na época. Na Münstergasse, não perca a oportunidade de beber o chocolate quente do Café & Conditorei 1842 e explorar as iguarias da H. Schwarzenbach.

Porque Zurique é das cidades mais seguras do mundo, uma ida à esquadra da polícia pode ser invulgar. O Giacometti-Halle escondido no hall de entrada é uma das obras de arte mais importantes da cidade, um fresco vibrante concluído em 1926, conhecido como Blüemlihalle, que se traduz como “hall das flores”. As formas e padrões florais abstratos foram pintados no teto abobadado da estação por Augusto Giacometti, primo do escultor Alberto Giacometti, mais conhecido pelas suas estátuas de corpo esguio.

Com vista para o centro, o The Dolder Grand, um dos mais prestigiados hotéis e spas de Zurique, que por ter uma longa história desde 1899, e intervenção posterior do arquiteto Norman Foster, vale uma manhã passada no spa, com vista para o Lago de Zurique e as montanhas, seguido de um brunch.

À beira do lago e para sentir a famosa qualidade de vida de Zurique é obrigatório um passeio até ao centro. Na experiência, um almoço na varanda do Ficherstube Zürihorn, a visita ao Chinagarten e ao Le Pavillion Le Corbusier. Se tiver tempo, faça num pequeno desvio, uma visita ao The Monocle Shop & Café, icónico na cidade.

Bem perto, o Kunsthaus Zürich, fundado em 1787, é o maior e mais importante museu de arte da cidade, com uma coleção impressionante que abrange desde a arte medieval até a contemporânea, incluindo obras de mestres como Marc Chagall, Pablo Picasso e Alberto Giacometti. A instituição também está ligada à história intelectual de Zurique, cidade onde Albert Einstein viveu enquanto estudava na ETH Zürich (Politécnico de Zurique), marcando o espírito científico da cidade. Até 16 de Fevereiro tem uma exposição imperdível de Marina Abramović.

Se ainda tiver tempo, não deixe de beber um café na biblioteca do Hotel B2, provar um fondue suíço numa cabine de neve no terraço do Widder Hotel, ou beber um leite de matcha no The Matcha Club.

O escritor suíço, Robert Walser escreveu que todas as boas mentes passariam algum dia por Zurique. E mais do que um dos maiores centros financeiros e do mundo, a cidade nomeia-se por ser um polo cultural que atraiu algumas das mentes mais brilhantes e criativas da história. Mentes importantes para, de alguma maneira, decifrar o encanto da cidade, que mesmo com a irreversível fatura do tempo, tanto conquista viajantes de mundo a permanecer alguns anos das suas vidas.

  • Texto de Sancha Trindade, fundadora da marca CURATED, que pode seguir AQUI.

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