É oficial. Parlamento aprova criação de 302 novas freguesias

Doze anos após o processo de concentração, a Assembleia da República permite que desapareçam 135 uniões de freguesias e ressurjam 302. Só a Iniciativa Liberal votou contra o diploma.

O “comboio” iniciado em 2021 para retomar o mapa de freguesias existentes até 2013 chegou à penúltima estação nesta sexta-feira, com a aprovação parlamentar da desagregação. Agora, só falta a última palavra do Presidente da República. A Assembleia da República aprovou o regresso de 302 freguesias outrora existentes, pondo fim, em simultâneo, a 135 uniões de freguesias. A criação destas uniões de freguesias aconteceu no Governo liderado por Passos Coelho e, apesar deste processo se ter iniciado no Executivo PS de António Costa, é de novo com a coligação de direita no poder que se reverte uma medida que visava criar poupanças e aumento de escala territorial.

Apesar de a lei, que originou a concentração, ter ocorrido em pleno consulado do PSD e CDS, tendo mesmo assumido, informalmente, o nome do então ministro-adjunto Miguel Relvas, a deputada social-democrata Olga Freire defendeu que “não foi o Governo de Passos Coelho que tomou a decisão” de alterar o mapa de freguesias, mas sim “o governo Sócrates que sugeriu à troika a agregação de freguesias”. “Foi o governo PS que inclui no memorando de entendimento o plano de reorganizar e reduzir significativamente o número de autarquias, a tempo das autárquicas de 2013″, vincou.

Do lado do PS, que promoveu a desconcentração através da lei 39/2021, com António Costa, o deputado Jorge Botelho devolveu as acusações, lembrando que a lei que reorganizou as freguesias surgiu pela mão do Executivo PSD/CDS. “Esta redução de freguesias, que teve no Parlamento unicamente a aprovação por parte do PSD e do CDS, teve e tem tido ao longo do tempo uma forte reação negativa das populações e de muitos autarcas do nosso país a todos os níveis, independentemente das forças políticas que representavam e representam.”

Foi o governo PS que inclui no memorando de entendimento o plano de reorganizar e reduzir significativamente o número de autarquias, a tempo das autárquicas de 2013.

Olga Freire

Deputada do PSD na Assembleia da República

Isto porque, acusou ainda, o processo foi feito de forma “absolutamente centralizada e sem envolvimento das populações a que se destinava”. “Foi aquilo que na altura se designou como uma reorganização de freguesias feita a régua e esquadro, sem ouvir as populações”, insistiu Jorge Botelho. Mais tarde, “com a mudança para um governo do Partido Socialista, a questão do mapa autárquico de freguesias voltou a estar na agenda política”, completou.

Assumindo que a ‘Lei Relvas’ “não foi” perfeita, Olga Freire realçou, por sua vez, o “contexto de urgência internacional” que se vivia em 2013, depois do pedido de assistência financeira. Embora recuse a ‘paternidade’ da medida, o PSD ressalvou que foram agregadas 1.168 freguesias nas novas uniões territoriais e que, destas, “apenas 188 apresentaram [agora] um procedimento especial de reposição”. Destas quase duas dezenas, foram aprovadas 135, salientou. “O PSD tudo fez para terminar o processo de desagregação. Está feito. Está na hora de fechar este ciclo e olhar para o futuro“, concluiu.

Da parte do CDS, parceiro de coligação governamental também na época em que aprovou a agregação, João Almeida defendeu o passo formalizado na lei de 2013. “Fomos a favor da lei que agregou freguesias, porque entendemos que um dos critérios que é importante na gestão territorial é o critério da escala, da eficiência.”

O CDS-PP foi o único partido que votou contra a lei de 2021, notou o deputado centrista. “Fomos contra porque entendemos que os critérios estabelecidos pelo Partido Socialista eram errados e injustos, que iam permitir uma alteração do mapa que não permite resolver as grandes questões que o país tem em termos de gestão de proximidade”. Ainda assim, ressalvou, o CDS-PP decidiu votar agora a favor da desagregação por entender que o que está em causa é a validação dos processos entregues pelas freguesias, ao abrigo da lei de 2021, bem como o respeito pela vontade das populações.

Foi aquilo que na altura se designou como uma reorganização de freguesias feita a régua e esquadro, sem ouvir as populações.

Jorge Botelho

Deputado do PS na AR

Na votação final, apenas a Iniciativa Liberal (IL) votou contra o que designou de “retrocesso” por entender que “esta reforma não é para melhorar a vida das pessoas, [mas sim] para satisfazer os interesses instalados, aumentar o peso do Estado e criar mais cargos para distribuir por clientelas políticas”, justificou a deputada Mariana Leitão. E, dirigindo-se para a bancada parlamentar, Mariana Leitão apelou: “Senhores deputados, não enganem as pessoas”.

A deputada da IL não tem dúvidas de que “mais freguesias significam mais despesa, mais presidentes e executivos e tudo pago com dinheiro dos contribuintes”. “Em vez de termos freguesias mais fortes e organizadas, voltamos a uma estrutura pesada e ineficaz”, lamentou.

Já o Chega absteve-se na votação do diploma. O deputado Paulo Fernandes justificou que “o voto de abstenção é o mais responsável”. Aliás, explanou, “respeita a vontade popular”, assinalando que o partido “nunca faltou a uma reunião do grupo de trabalho, ao contrário de outros partidos que nunca lá puseram os pés”.

Ainda assim, numa intervenção anterior, o seu colega de partido Barreiro Soares tinha sublinhado que o Chega “defende a redução do número de políticos, a diminuição da burocracia”.

Esta reforma não é para melhorar a vida das pessoas, [mas sim] para satisfazer os interesses instalados, aumentar o peso do Estado e criar mais cargos para distribuir por clientelas políticas.

Mariana Leitão

Deputada da Iniciativa Liberal na AR

A favor desta alteração votaram também os bloquistas. Durante a intervenção no plenário, a deputada Joana Mortágua começou por “saudar os autarcas que lutaram pela sua freguesia, e lutaram para provar que o poder local não é uma forma de participação democrática obsoleta”.

A bloquista realçou o facto de a Lei Relvas ter causado vítimas. “Não roubou apenas os serviços públicos; pretendeu roubar capacidade de luta às populações pelo direito dos serviços públicos nos seus territórios”, apontando o encerramento de diversos postos CTT e centros de saúde com a agregação das freguesias. Aliás, sustentou Mortágua, “esta lei não levou a uma grande poupança como tinha sido apregoado. A austeridade enterrava o país em mais crise”.

Apesar de o PCP ter votado a favor da desagregação das freguesias, o deputado comunista Alfredo Maia defendeu que a medida fica aquém do que as comunidades querem. “O debate de hoje é um momento de reforço e valorização das freguesias, mas fica longe do que as populações exigem”, uma vez que “foi imposta apenas um número limitado de freguesias desconsiderando a vontade das populações”, reiterou.

Deveríamos repor todas as freguesias onde fosse a vontade das populações, como o PCP sempre defendeu. Mas não foi essa a vontade do PS, PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal”, acusou Alfredo Maia. E deixou “um repto, sobretudo ao PSD e PS para que não se desperdice esta oportunidade de repor todas estas freguesias como defendem as populações e os seus órgãos”.

Já a deputada do Livre, Filipa Pinto, defendeu “a possibilidade do regresso, por vontade popular, de uma gestão mais próxima das comunidades locais”. Até porque, justificou, “Portugal continua a ser um país centralizado”.

Depois de avanços e recuos, provocados em parte pela existência de eleições autárquicas com as quais não se queria fazer coincidir o regresso às antigas freguesias, e também pelas quedas de Governo que levaram a interrupção dos trabalhos na Comissão do Poder Local e Coesão Territorial, a aprovação está executada pela maioria dos 230 deputados e o processo segue agora para Belém, onde a promulgação ou o veto ficarão ao critério do Presidente da República.

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