Simplex dispara construção de casas em antigas lojas e garagens do Porto

Desde que o Simplex urbanístico entrou em vigor, só a Câmara do Porto já recebeu 236 pedidos de alteração de uso de garagens e lojas para fins habitacionais. Conheça alguns dos projetos na cidade.

Um armazém de equipamentos de medicina dentária, um cabeleiro e outras lojas desocupadas há vários anos estão a ser transformados em apartamentos no Porto. Uma solução que promete ajudar a responder à crise da habitação com preços mais competitivos e que ganhou um novo impulso com o Simplex Urbanístico. Desde que entrou em vigor, a 4 de março do ano passado, só no município do Porto já deram entrada 236 pedidos de alteração de uso para fins habitacionais.

De uma loja de 300 metros quadrados que serviu outrora para armazenar equipamentos de medicina dentária, localizada na freguesia do Bonfim, perto da Avenida Fernão Magalhães, nasceu um loft T2 com lugar de garagem com uma área útil de 250 metros quadrados. Este é apenas um dos casos submetidos nos últimos meses à autarquia nortenha e que teve aprovação por parte do município para ser transformado em habitação.

Esta transformação foi o projeto-piloto da empresa Loft It que se lançou no mercado em janeiro do ano passado. A cofundadora da empresa sediada no Porto conta ao ECO que demorou cerca de nove meses desde o momento que assinou o contrato-promessa de compra e venda até conseguir alterar o uso do ativo. “Foi o projeto que demorou mais tempo porque estávamos a aprender a otimizar os processos”, explica Mariana Arrochella Lobo.

Simplex fez disparar preços dos imóveis

Converter lojas, escritórios ou garagens em casas ganhou ainda mais força com a aprovação do Simplex do licenciamento, que entrou em vigor quase há um ano com o objetivo de acelerar os procedimentos para a construção e trazer mais casas para o mercado.

As novas regras permitiram que todas as tipologias de frações que não sejam de habitação possam ser transformada para fins habitacionais, desde que isso seja previamente comunicado às autarquias, que têm 20 dias para responder ou iniciar processo de vistoria.

Ou seja, transformar uma loja em habitação deixou de precisar de aprovação do condomínio. Na ótica de Nuno Rodrigues, cofundador do estudo de arquitetura Oitoo, esta alteração “representa uma enorme vantagem”, pois “esse era o processo mais complicado”. “Antes do Simplex era necessário haver consenso no condomínio para a alteração do uso e tivemos uma série de projetos que ficaram em banho-maria”, refere o arquiteto, natural no Algarve.

Com o Simplex, este tipo de oportunidades entrou no radar das agências imobiliárias, o que gerou uma valorização excessiva desses espaços.

Nuno Rodrigues

Cofundador da empresa de arquitetura Oitoo

No entanto, apesar de o processo ser mais simples e rápido, o arquiteto Nuno Rodrigues contrapõe que com a nova legislação “este tipo de oportunidades entrou no radar das agências imobiliárias, o que gerou uma valorização excessiva desses espaços”. “O que em 2015 era uma oportunidade, agora não tanto”, completa.

A autarquia do Porto diz ao ECO que, desde que foram adotadas as novas regras de licenciamento, a maioria dos pedidos de alteração de uso de frações, como lojas de comércio ou serviços, arrecadações e garagens de estacionamento, se destinam a fins habitacionais. Desde março do ano passado, a câmara recebeu um total de 299 processos para alteração de utilização, dos quais 236 para fins habitacionais. O ECO questionou também a Câmara de Lisboa, que não forneceu dados até à publicação deste artigo.

Fora de Porto e Lisboa, outras autarquias do país viram também disparar o número de pedidos. Desde 4 de março do ano passado, a Câmara de Gaia recebeu 114 pedidos de alteração de uso, sendo que mais de 75% dos pedidos se destinam a alteração para habitação. O município comandado por Eduardo Vítor Rodrigues detalha ao ECO que “um dos principais motivos de indeferimento dos pedidos de alteração de utilização encontra-se nos casos em que a edificação se encontra em alvará de loteamento e o uso do lote não é compatível com habitação”.

Em Sintra foram já submetidas cerca de 60 comunicações prévias com prazo para alteração de uso para habitação, desde a alteração da legislação, sendo que “cerca de 65% das comunicações não reuniram os requisitos necessários à conversão do uso”. A autarquia liderada por Basílio Horta exemplifica que o edifício ou a fração autónoma para o fim pretendido tem de obedecer a critérios de ventilação, exaustão de fumos e salubridade, entre outros. Já a Câmara de Cascais recebeu 32 pedidos de alteração de uso, sendo que 22 foram para fins habitacionais.

Loft It já transformou oito ativos em 11 apartamentos

A ideia de criar a Loft It foi de Mariana Arrochella Lobo, que trabalhou durante dez anos em empresas de investimento imobiliário e relata que “sempre foi uma apaixonada pelo conceito loft“. A empreendedora conta ao ECO que na anterior ocupação profissional deparou-se com situações em que teve de alterar o uso de escritório para habitação, por isso “sabia que isso era possível”.

Em 2022, quando estava à procura de um investimento imobiliário, encontrou uma loja. “Olhei para o ativo e pensei: ‘isto dava um T2 espetacular’. Decidi tentar”, relata a cofundadora e managing partner da Loft It. “Fiz o contrato promessa desse ativo com a condição de conseguir alterar o uso e consegui burocraticamente mudar o uso de serviço para habitação”, recorda. Cumprida a missão, teve a certeza de que era algo que poderia ser transformado numa ideia de negócio, tendo em conta que “existem centenas de ativos deste género no Porto”.

Mariana Arrochella Lobo aliou-se aos parceiros da ARC Homes (na qual é CEO do projeto em Portugal) e ao fundo luxemburguês FP Capital Advisors para fundar a Loft It. A empresa de investimento imobiliário, focada na reabilitação urbana na região Norte, investiu no ano passado 800 mil euros na aquisição de oito ativos, que deram origem a 11 lofts.

A Loft It compra lojas, armazéns e garagens e cria, posteriormente, projetos de arquitetura que contemplam a transformação completa dos espaços. Além da aquisição e desenvolvimento do projeto de transformação, diz assegurar ainda toda a componente burocrática, nomeadamente a alteração de uso.

“Adquirimos os imóveis – comerciais, armazéns e às vezes até garagens – e, sabendo que podem ser alterados para habitação, fazemos o projeto de arquitetura e engenharia para a transformação daquele ativo em apartamento. É submetido o projeto à câmara e, depois da aprovação, vendemos o imóvel”, resume a empresária, notando que o público-alvo são famílias portuguesas.

Outro dos projetos deste género que tem no portefólio foi a transformação de uma loja de restauro de tetos em gesso em São Roque da Lameira, na freguesia de Campanhã, em quatro apartamentos com áreas entre os 62 e os 85 metros quadrados (dois T0 + 1 e dois T1+1), com jardim e varanda.

Já na Travessa das Águas, no Bonfim, um armazém está a dar lugar a um T1+1 com 147 metros quadrados, que está quase concluído. “Comprámos este ativo a um artista que vivia na Alemanha e tinha adquirido o imóvel para fazer uma galeria. Mas a vida mudou, ele raramente vinha a Portugal e o projeto ficou parado”, expõe Mariana Arrochella Lobo. Quatro meses é o tempo máximo entre o momento em que o projeto é submetido até a Loft It conseguir a alteração de uso.

 

Esses ativos comerciais têm mais espaço do que um apartamento, até porque têm geralmente um pé direito muito maior, o que permite fazer uma casa mais agradável, com espaços muito maiores e a preços mais competitivos”, realça Mariana Arrochella Lobo.

Em Monte dos Burgos, na zona da Prelada, igualmente na cidade do Porto, uma loja de 75 metros quadrados que já estava há venda há três anos e meio e que pertencia à massa insolvente de uma empresa, deu lugar a um T0, que já está concluído e habitado.

Esses ativos comerciais têm mais espaço que um apartamento o que permite fazer uma casa mais agradável, com espaços muito maiores e a preços mais competitivos.

Mariana Arrochella Lobo

Cofundadora da Loft It

Localizada em Ramalde, uma loja que estava fechada há cinco anos vai dar lugar a T2 + 1 duplex com 300 metros quadrados, lugar de garagem e jardim.

Já um espaço que estava vazio há três anos em Paranhos, perto do Jardim de Arca D’Água, deu lugar a um T1+2 mezanino de 126 metros quadrados com um pé direito de 5,20 metros. “Este é o tipo de loft americano”, afirma a empresária.

 

Arquitetos atentos a espaços devolutos

Os arquitetos Nuno Rodrigues, João Machada, Laura Lupini e Diogo Morais estudaram juntos na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto e, uns anos mais tarde, em 2017, voltaram a juntar-se para fundar o estúdio Oitto. Até ao momento, a empresa de arquitetura já transformou uma loja e um armazém em duas casas na cidade Invicta.

Nas imediações da Fundação de Serralves, um espaço comercial que estava desocupado desde que foi construído, originalmente em 1996, tornou-se uma casa térrea com dois quartos e um espaço exterior. O imóvel foi adquirido em 2019 e a obra ficou concluída em 2022.

Espaço comercial em Serralves foi transformado numa casa térrea.

No outro projeto, em que o ativo foi comprado em 2018 e a obra foi concluída em 2021, transformou um antigo armazém devoluto na Rua Álvaro Castelões, em Paranhos, inserido num lote de 340 metros quadrados, numa casa com quatro quartos, logradouro e uma pequena garagem.

“Estes ativos contribuem para suprimir a necessidade de habitação na cidade e contribuem ainda para repor a vivacidade dos locais. Até porque as ruas onde o comércio faliu são ruas perigosas, com rés-do-chão fechados e com más utilizações”, salienta Nuno Rodrigues, cofundador do estúdio Oitoo.

Armazém na Rua Álvaro Castelões transformado numa casa com quatro quartos

Nuno Rodrigues conta ao ECO que já percebia o potencial deste tipo de conversões desde 2017, altura que cofundou o ateliê de arquitetura. “Olhamos para a cidade e encontramos um potencial de intervenção — em 2017 já estava a surgir o discurso da falta de habitação e reparámos numa quantidade enorme de frações comercias que, por existirem em zonas mais periféricas, não vingavam”, refere o arquiteto. “Não falta construção. Não está é a ser utilizada”, constata.

Apercebendo-se então dessa oportunidade, os quatro arquitetos nortenhos compararam em 2017 um antigo armazém com cerca de 400 metros quadrados, que estava fechado desde 1974, e transformaram-no no seu próprio espaço de trabalho.

Instalações do estúdio de arquitetura Oitoo

“Este projeto serviu para fazer a demonstração prática de que é possível habitar no rés-do-chão – ao construir este protótipo, as pessoas conseguem visualizar as enormes vantagens deste tipo de ativos: espaços mais amplos e generosos e até um jardim privado, o que na cidade é algo raro de se encontrar”, frisa Nuno Rodrigues.

Imóveis mais baratos e com benefícios fiscais

Esta solução habitacional promete ser mais rápida e mais barata. A cofundadora da Loft It explica que “o ciclo imobiliário, desde o momento que o terreno é identificado até estar a entregar os apartamentos, é de quatro anos”. Com este tipo de projetos diz que consegue reduzir o tempo para um ano, desde a compra do ativo até ele ser novamente colocado à venda.

O cofundador do estúdio Oitoo não é tão otimista em relação aos prazos. Ainda assim, o arquiteto, que exerce desde 2005, contabiliza que “entre identificar o ativo, fazer o projeto, obter a licença e concluir a obra, são processos que demoram cerca de dois anos”. Só na aprovação do licenciamento, que inclui a alteração do uso que depende do município, a demora é de cerca de meio ano.

Mariana Arrochella Lobo garante que a missão da Loft It é “aumentar a oferta habitacional na cidade do Porto, mas com preços mais competitivos do que um apartamento normal”. A empresário calcula que estes ativos são colocados à venda “pelo menos 10% mais baratos do que os preços praticados atualmente no mercado”.

Queremos aumentar a oferta habitacional na cidade do Porto, mas com preços mais competitivos do que um apartamento normal. Tencionamos vender esses ativos, pelo menos, 10% mais baratos que os preços praticados atualmente no mercado.

Mariana Arrochella Lobo

Cofundadora da Loft It

Já o cofundador do ateliê de arquitetura Oitoo considera que a margem pode ser superior. “Em relação à construção nova, estamos sempre a falar de uma poupança entre 25% a 30%”, estima Nuno Rodrigues.

Por outro lado, frisa a líder da empresa de investimento imobiliário focada na reabilitação urbana, alguns dos lofts estão localizados em Áreas de Reabilitação Urbana (ARU). Significa que “a pessoa que comprar o imóvel já com a obra reabilitada tem alguns benefícios fiscais: pode pedir isenção de IMI até cinco anos e na primeira aquisição tem isenção de IMT”.

“Queremos fazer parte da solução e vamos disponibilizar ativos a preços mais acessíveis. (…) Estamos a contribuir para aumentar a oferta com preços mais apetecíveis para as famílias portuguesas”, nota Mariana Arrochella Lobo.

Novos projetos em curso

Tanto a Loft It como a Oitoo já têm em curso projetos para transformar lojas ou armazéns em habitações. A empresa de arquitetura portuense tem mais dois projetos desta natureza em curso na cidade do Porto: um na zona da Constituição e outro em Campanhã.

A Loft It decidiu alterar o modelo de negócio. Numa primeira fase, vendeu os ativos a investidores que ficavam encarregues de fazer a remodelação do imóvel. Mas a partir deste ano vai passar a assumir a obra e a vender os ativos já com a reabilitação terminada. Este ano prevê investir dois milhões de euros para adquirir perto de dez ativos.

E 2025 arrancou com esta empresa a comprar um novo ativo, um cabeleiro na freguesia de Lordelo do Ouro, que dará lugar a um apartamento T2 com 137 metros quadrados. Este será o primeiro imóvel em que a empresa portuense ficará encarregue da obra, com Mariana Arrochella Lobo a estimar ter o imóvel à venda em junho.

“Já fizemos a proposta de outro imóvel, localizado nas freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, que será um T1 +1 duplex. Se for aceite a proposta, vamos ter duas obras a começar em simultâneo”, refere a cofundadora da Loft It. Ambos vão ser colocados à venda no site da empresa e também em algumas agências imobiliárias.

No prazo de três a quatro anos, a empresa quer expandir a área geográfica de atuação, mas, para já, está focada no Porto, onde “ainda [tem] muito que fazer”. “Quando acharmos que já fizemos muito no Porto e esgotarmos a nossa missão, vamos começar a olhar para outras cidades”, antecipa Mariana Arrochella Lobo.

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