Mértola tem garantia do Governo de que não há decisão sobre novo campo de tiro da Força Aérea
Município alentejano diz que Governo assegura não ter tomado ainda decisão sobre localização alternativa ao campo de tiro da Força Aérea em Alcochete.
A Câmara Municipal de Mértola contactou o Governo para esclarecer as notícias desta semana que davam conta de que o campo de tiro da Força Aérea seria deslocalizado para aquele concelho alentejano, tendo o Ministério da Defesa assegurado não haver qualquer decisão.
“Após várias diligências junto do Governo, recebeu finalmente uma comunicação oficial do Gabinete do Ministro da Defesa”, indica a câmara, em comunicado chegado na noite desta quarta-feira. O Governo indica neste esclarecimento à autarquia “que não existe, até ao momento, qualquer decisão tomada relativamente à localização de um futuro Campo de Tiro e que, na fase de consolidação dessa decisão, as autarquias abrangidas serão contactadas”.
As notícias sobre a deslocalização do campo de tiro para Mértola remontam pelo menos a 2007. Já então a ideia merecia o desagrado não só do autarca de Mértola, mas também de Serpa, já que a área a afetar a este campo de tiro abrange ambos os municípios.
Do mesmo modo que a câmara de Mértola reafirma que “não foi envolvida em qualquer discussão ou tomada de decisão sobre esta matéria e que desconhece os detalhes desta eventual mudança”, em Serpa, o outro município potencialmente envolvido na relocalização do campo de tiro, o autarca diz ao ECO/Local Online não ter informação sobre qualquer decisão. “Vemos com muito pouco agrado esta possibilidade. Mas neste momento não temos qualquer informação oficial”, diz o comunista João Palma.
“Foi avançado há uns meses, agora voltou-se a falar com mais insistência. É algo que vemos com muito pouco agrado. O território de serra entre Serpa e Mértola é zona do parque natural do Vale do Guadiana, com muitas culturas tradicionais sem regadio nem utilização de muitos químicos, e zona de pastorícia do leite de ovelha para fabrico do queijo de Serpa. Muito recentemente, o montado da serra de Serpa foi candidatado ao SIPAM”, Sistemas Importantes do Património Agrícola Mundial, diz João Palma.
Neste momento não temos qualquer informação oficial. Foi avançado há uns meses, agora voltou-se a falar com mais insistência. É algo que vemos com muito pouco agrado. O território de serra entre Serpa e Mértrola é zona do parque natural do Vale do Guadiana
O presidente da câmara de Serpa acentua que os cidadãos da região têm sido “ignorados ao longo do tempo”. “Temos falta do IP8, da estrada que faz ligação de Serpa a Mértola. Ninguém no Governo central se preocupa, mas lembram-se do Alentejo para vir instalar um campo de tiro. É lamentável e de mau gosto“, acentua.
Pouco confiante numa possível externalidade da infraestrutura em termos de emprego ou criação de riqueza para a região, João Palma recorda o período em que serviu na Força Aérea em Beja e, num paralelismo, não crê que Alcochete ganhasse bastante com os aviões que saíam da base aérea alentejana para praticar tiro na área onde se espera que esteja o novo aeroporto internacional de Lisboa a partir da próxima década. “Os impactos [no distrito de Beja], tendo em conta a região que é, serão mais positivos que negativos”, assegura.
Por seu lado, o presidente de Mértola recorda, no comunicado, ter solicitado diversas audiências no último ano: a 5 de junho de 2024 ao ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, e ao chefe do Estado Maior da Força Aérea, João Cartaxo Alves. A 13 de novembro, a Nuno Melo, ministro da Defesa, com quem reforçou o contacto no dia 13 de fevereiro.
Nesta terça-feira, o Jornal de Negócios deu nota de que a decisão de transferência estava tomada e que a opção seria Mértola. A saída do campo de tiro utilizado pela Força Aérea para prática de tiro ar-terra é imposta pela escolha do Campo de Tiro de Alcochete – abrangendo também território dos municípios de Samora Correia, Benavente e Montijo – para local do novo aeroporto Luís de Camões.
Contactado o Ministério da Defesa, fonte referiu ao ECO/Local Online que não existe qualquer decisão tomada relativamente a esta infraestrutura.
O comunicado da câmara de Mértola deixa um longo argumento contra a instalação do campo de tiro da Força Aérea:
“A transferência das instalações militares em questão – um campo de tiro de instrução e treino que alberga a Base Aérea n.º 6, sede da frota de aviões de transporte C130 e outras aeronaves – implicaria impactos diretos e indiretos irreversíveis no desenvolvimento ambiental, ecológico, cultural e social da região.
Um projeto militar experimental desta magnitude, cuja informação pública é ambígua e resulta num desconhecimento sobre os seus reais impactos, deverá causar efeitos profundos em estruturas ambientais de elevado valor e classificação no âmbito da Rede Natura 2000: sítio Guadiana ZPE Vale do Guadiana, ZPE Castro Verde, Parque Natural do Vale do Guadiana e ainda, área da Reserva da Biosfera de Castro Verde.
Neste território estamos num dos principais ecossistemas de biodiversidade do País e da Península Ibérica, reconhecido pela sua grande riqueza ecológica e forte papel na preservação de espécies ameaçadas, como o lince-ibérico e espécies de avifauna como o abutre-preto, a cegonha-preta, abetarda, Peneireiro-das-torres, águia imperial ibérica, entre outras…
Adicionalmente, a instalação de uma base militar poderá resultar na poluição dos solos, devido ao uso de combustíveis e materiais contaminantes – como o chumbo, o cobre e o zinco – associados às atividades militares, como os resíduos de munições e o desmonte de equipamentos, o que comprometeria a qualidade do solo e a saúde dos ecossistemas circundantes. A poluição das águas também é uma preocupação grave, uma vez que o escoamento de substâncias tóxicas ou de resíduos para os cursos de água poderia afetar os sistemas hídricos locais.
Outro impacto significativo seria a poluição sonora e luminosa, que afetaria negativamente a biodiversidade, a qualidade de vida dos residentes e a certificação “Dark Sky Alqueva”, primeiro destino starlight do Mundo que integra, além de outros, os territórios de Mértola e Serpa. O ruído proveniente das operações militares poderia interferir nas rotinas de nidificação, alimentação e migração de aves e outras espécies, causando stress e deslocamento das populações para áreas menos adequadas à sua sobrevivência, assim como causaria distúrbios à produção pecuária com prejuízos previsíveis na sua produtividade.
Na área de influência localiza-se ainda o Centro de Estudo da Erosão Vale Formoso, com a sua relevância para a investigação e sensibilização ambiental, especialmente no que diz respeito à erosão do solo e à regeneração dos ecossistemas degradados.
A deslocalização do Campo de Tiro e os impactos ambientais são contraditórios à atuação do Centro e aos objetivos de capacitação e investigação científica que lhe estão associados. Por outro lado, está em curso o processo de criação do primeiro Geoparque Transfronteiriço do Vale do Guadiana e Província de Huelva num processo que tem já projetos financiados no âmbito do POCTEP e a perspetiva de criação de um AECT (Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial) com a participação da Diputación de Huelva, 32 Ayuntamientos e os Municípios Portugueses de Mértola, Serpa, Moura e Barrancos.
Um processo desta natureza inviabiliza um trabalho que tem vindo a ser desenvolvido há anos, no sentido de desenvolver uma oferta turística nestes territórios que se pauta pelos princípios da sustentabilidade ambiental, económica e social. Exemplo disso também, é o processo de certificação em curso de Mértola como destino Turístico Sustentável Biosphere”.
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