Para a gestora do Compete, Alexandra Vilela, um dos principais problemas não é a fraude, mas Portugal ter empresas e associações muito dependentes dos incentivos públicos.
Para Alexandra Vilela a fraude nos fundos comunitários é “um mito urbano”. A gestora do Compete 2030 lamenta que, a “nível interno, muitas vezes”, se desvalorize “a robustez do sistema de gestão e controle” nacional, mas reconhece que a fraude “é quase da natureza humana”. Contudo, Portugal tem “uma boa tradição de boa execução dos fundos”, garante.
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A gestora do Compete 2030 sublinha, ao ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus, que, a “nível interno, muitas vezes”, se desvaloriza “a robustez do sistema de gestão e controle” e recorda que a “IGF é das poucas inspeções-gerais a nível europeu que tem um contrato de confiança com os serviços da Comissão Europeia”.
Alexandra Vilela admite que o caso mais mediático de fraude, que envolve Manuel Serrão e a Seletiva Moda, “foi bastante traumático para o Compete, em particular, e isto tem um efeito de contágio no ambiente que se vive”. A gestora do Compete 2030, considerada um “dinossauro dos fundos” europeus, já que trabalha na área há 33 anos, assumiu funções de liderança deste programa temático, precisamente porque Nuno Mangas foi afastado na sequência da Operação Maestro.
A gestora admite que não concorda com as conclusões da procuradora-geral adjunta especialista no Ministério Público em fundos europeus, Ana Carla Almeida — que foi “censurada” pelo PGR Amadeu Guerra a participar no ECO dos Fundos — de que em Portugal não existe um verdadeiro conhecimento da fraude, após a realização de um estudo para o conhecimento da fraude nos fundos estruturais em Portugal, no âmbito do Think Tank | Risco de Fraude, Recursos Financeiros da União Europeia.
Para Alexandra Vilela há em Portugal problemas mais graves ao nível dos fundos europeus, nomeadamente, “uma estrutura empresarial muito dependente dos incentivos públicos, temos associações empresariais muito dependentes do financiamento público. Temos um problema de sustentabilidade”.
A responsável alerta ainda para a falta de recursos humanos no Compete 2030 — “não consigo recrutar um”, diz —, nomeadamente nas novas áreas da “digitalização e na área da descarbonização”. “Foi uma das coisas apontadas no PRR, é que muitos dos projetos de descarbonização não avançaram, por falta de recursos humanos nestas áreas novas”, sublinha. Na sua opinião o caminho é o recurso à inteligência artificial. O Compete está a trabalhar com o professor Arlindo Oliveira “de forma de introduzir nas ferramentas já uma inteligência artificial que tenha um automatismo de análise quase imediato”.
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Receia que quando se aposta em aumentar a antecipação dos incentivos, para tentar acelerar a execução, isso depois possa introduzir maiores riscos de fraude na utilização dos fundos?
O mito urbano da fraude não consigo deixar de dizer que é mesmo um mito urbano. Comparando com outros países europeus comparamos muito bem. Não quer dizer que não haja, com certeza. É quase da natureza humana. Mas, de facto, temos uma boa tradição de boa execução dos fundos estruturais o problema é que cada vez que surge um caso, há aqui um efeito…
O caso [Manuel Serrão] é muito mediático.
Há um caso muito mediático, que foi bastante traumático para o Compete, em particular, e isto tem um efeito de contágio no ambiente que se vive. Mas quando olhamos para os números dos procedimentos reportados à OLAF, o Organismo Europeu de Combate à Fraude, para os níveis registados pela IGF… A nossa IGF é das poucas inspeções-gerais a nível europeu que tem um contrato de confiança com os serviços da Comissão Europeia, porque, de facto, tem um sistema que é à prova de bala, muito bem considerado e reputado pela Comissão Europeia como sendo um sistema altamente eficaz. A nível interno muitas vezes desvalorizamos a robustez do nosso sistema de gestão e controle. Se não fosse assim, a IGF não tinha um contrato de confiança da Comissão Europeia e a OLAF tinha números diferentes.
Já tivemos relatórios que nos dizem que, na verdade, não temos a verdadeira dimensão do conhecimento da fraude que existe ao nível dos fundos europeus.
Não sei se concordo exatamente. Trabalho há 33 anos nos fundos estruturais, chamam-me o dinossauro dos fundos, nunca trabalhei noutra coisa na minha vida e desde que comecei a trabalhar foi sempre nesta área. E ao longo dos quadros comunitários de apoio fomos testando diversos modelos de amostragem para capturar o risco. Começámos por ter 5% dos projetos, depois tivemos uma amostra estatística no PT2020, porque nos 5% que tínhamos no QREN, íamos à procura do que funcionava mal. Íamos aplicar 5% da despesa nas suspeições que as autoridades de gestão tinham. Íamos dirigidos ao risco. E isso não correu bem. Portanto, começámos a fazer no PT2020 uma amostra estatística. É agnóstica, é aleatória, é uma amostra que vai a tudo.
Não sei quais vão ser os resultados, vamos aumentar, se vamos diminuir o risco de fraude, mas isso nunca foi um problema.
E porquê não correu bem?
Não correu bem não pela natureza da amostra, mas por certas dimensões de erro que não têm nada a ver com o erro da fraude, em vez de com erros administrativos de outra dimensão. O que a Comissão Europeia agora nos diz — foi uma orientação nos regulamentos comunitários, e é o que estamos a fazer neste período de programação — é uma amostra dirigida ao risco, com uma amostra de risco estratificada em função do histórico da entidade, projetos antigos, se é entidade contratante, se não é, se tem auxílios de Estado ou não. É um conjunto de critérios que vai determinar a amostra de risco aplicável àquela entidade e àquele projeto. Portanto, até podemos ter projetos que não são auditados, não têm amostra, porque não têm risco. E, portanto, isto vai-nos permitir ter uma outra abordagem. Não sei quais vão ser os resultados, vamos aumentar, se vamos diminuir o risco de fraude, mas isso nunca foi um problema. Temos outros problemas, temos uma estrutura empresarial muito dependente dos incentivos públicos, temos associações empresariais muito dependentes do financiamento público, temos um problema de sustentabilidade. Mas temos muitos outros problemas que poderemos falar. Não creio que a fraude seja um deles.
Antes de encerrar o capítulo da fraude, não lhe posso deixar de lhe perguntar, quanto é que o Compete já conseguiu recuperar das verbas pagas indevidamente a Manuel Serrão?
Não somos nós que recuperamos, é a AD&C. É a AD&C que é a entidade pagadora e que faz as recuperações de dívida.
Tem ideia de como está a correr?
A Seletiva Moda entrou em massa insolvente e, portanto, agora é uma questão administrativa dos tribunais.

Voltando então atrás aos problemas, talvez um dos problemas principais é a falta de recursos que impede que haja, por exemplo, uma maior celeridade no pagamento dos incentivos às empresas. Como é que se pode querer acelerar-se a execução dos fundos quando chega o momento de devolver as verbas, as empresas continuam sempre a queixar-se de atrasos?
Aí que estamos de acordo a 100%. Não poderia estar mais de acordo com o que acabou de dizer. Acho que essa é uma das principais fragilidades do nosso sistema de gestão e controle, onde as autoridades de gestão se inserem, é mesmo falta de recursos. Mas, se calhar, isso é um problema que o país atravessa, que é a falta de recursos humanos em várias dimensões. Nos fundos estruturais, ainda mais, porque é uma matéria muito exigente, tem prazos muito exigentes, não é a tradicional Administração Pública — sem nenhuma crítica à Administração Pública, porque sou funcionária pública. Mas nós, de facto, temos uma luta diária contra os prazos porque temos um quadro regulamentar muito exigente. E temos muito poucas pessoas. Olhe o exemplo do Compete, tem uma dotação de 93 pessoas, somos 60.
E não conseguem recrutar?
Essa é a perplexidade. Na área da descarbonização, uma área nova para o Compete, sentimos necessidade de recrutar novos perfis de competência. Não consigo, não consigo recrutar um.
Não há interesse?
Não há interesse. O máximo que podemos pagar é o máximo da Função Pública, são as tabelas das carreiras da Função Pública, portanto as remunerações são o que são. Não conseguimos recrutar, não há interesse, é muito exigente e não há recursos nestas áreas novas também. O país tem uma falta de recursos na área da digitalização e na área da descarbonização. Isso foi uma das coisas apontadas no PRR, é que muitos dos projetos de descarbonização não avançaram, por falta de recursos humanos nestas áreas novas, dos painéis solares, da economia circular, há muito pouco, mesmo a nível da certificação, de auditores de ambiente, por aí fora. E nós não conseguimos recrutar.
O máximo que podemos pagar é o máximo da Função Pública. Não conseguimos recrutar, não há interesse, é muito exigente e não há recursos nestas áreas novas também.
Até que ponto a ideia de utilizar a inteligência artificial para ajudar a analisar candidaturas, aquela equipa móvel que foi criada para saltitar de programa em programa para tentar ajudar onde fosse preciso…
Essa ainda não chegou a Compete. Mas a inteligência artificial é mesmo o caminho. Não tenho a menor dúvida. Estamos neste momento a investir muito. Estamos a trabalhar com o Inesc ID, do professor Arlindo Oliveira, do Técnico. Temos uma lista de tipologias, à cabeça a inovação produtiva, mas também a internacionalização, a formação profissional e estamos a trabalhar com ele sobre de que forma podemos introduzir nas nossas ferramentas. Chamamos-lhes FACIS, Ferramenta de Análise e Cálculo do Incentivo, que são, no fundo, quem analisa as candidaturas, que já são muito automatizadas, já permitem um automatismo muito grande, mas ainda têm margens de análise manual. O que estamos a ver com ele é a forma de introduzir nas ferramentas já uma inteligência artificial que tenha um automatismo de análise quase imediato. Fizemos três pilotos, correram muito bem, um dos quais no aviso da formação profissional, que em dois dias os projetos estavam avaliados do ponto de vista do mérito, depois havia as questões de acesso, que não estavam no pacote de inteligência artificial. Tivemos um também na área da especialização inteligente, para fazer o enquadramento dos projetos nas áreas da especialização inteligente, também correu lindamente. Os 3000 projetos da FCT foram avaliados de enquadramento da RIS em três dias. Isto era uma coisa…
Impensável.
Impensável se não fosse feito assim. Tivemos muito boas experiências. Mas isto foram pilotos e não replicáveis para os avisos seguintes. O que estamos a fazer com o Alindo de Oliveira é, precisamente, integrar nas nossas ferramentas de uma forma permanente.
E para quando os resultados?
Queremos ter resultados no segundo semestre também.
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A fraude nos fundos europeus “é um mito urbano”
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