
O circuito integrado europeu: estamos a usar a “soldadura” certa?
O desafio não está na falta de ideias do nosso bloco, mas sim nas dificuldades em converter inovação tecnológica em produtos e empresas globais.
Tal como num circuito integrado, os fundos europeus “soldaram” as peças do projeto europeu. Sendo inegável o seu papel no nosso desenvolvimento, coloca-se uma questão: essa “soldadura” é compatível com as ligações à linha da frente da inovação global no setor das tecnologias?
Em setembro de 2024, o antigo presidente do BCE, Mario Draghi, entregou um relatório de 400 páginas sobre o futuro da competitividade europeia. A conclusão não foi meiga: a Europa estagnou face aos EUA e à China, em especial no setor tecnológico. Entre as causas apontadas, estão um conjunto de instrumentos dispersos e sobreposições burocráticas que minam a eficácia da despesa e políticas públicas. Saliente-se, porém, que o desafio não está na falta de ideias do nosso bloco, mas sim nas dificuldades em converter inovação tecnológica em produtos e empresas globais.
O relatório dá alguns exemplos que provocam melancolia mesmo no leitor mais desatento: apenas quatro das 50 maiores empresas tecnológicas do mundo são europeias; nenhuma no top 10 mundial; a quota das empresas tecnológicas da UE no volume de negócios global caiu de 22% para 18% entre 2013 e 2021; e, pior: entre 2008 e 2021 cerca de 40 unicórnios fundados na Europa mudaram a sua sede para fora da UE. Mesmo quando criamos unicórnios, estes preferem outras pradarias.
Adicionalmente, como apontou Martim Wolf no Financial Times, também em setembro do ano passado, existem mais desafios, como a vulnerabilidade energética, a transição verde e a subida da apetência protecionista. Não o menciona, mas parece ser trivial que juntemos outros, como a politização da tecnologia, os riscos das cadeias de abastecimento ou a pressão das novas tecnologias sobre o mercado de trabalho.
O setor público e as políticas públicas surgem, no que respeita à arquitetura de aplicação dos fundos, como um ator central, por vezes maltratado. Por um lado, é fundamental para gerir e direcionar estes fundos e isso é inegável; por outro, uma “nuvem negra” de perceções associa-lhe rigidez burocrática. Mas, vejamos, ninguém decretou a fatalidade de que a rigidez do regulamento faça curvar o inovador; cabe-nos, em conjunto, encontrar formas igualmente transparentes e mais eficientes de resolver esta temática.
A UE está ciente do que deve melhorar na “receita” passada: quer menos fragmentação e mais foco estratégico. Concentrar estrategicamente recursos em tecnologia de futuro (IA, chips, energia limpa) e evitar a dispersão. O setor público pode simplificar procedimentos e utilizar tecnologia para análise de candidaturas, transformar controlos ex ante em ex post, entre outras melhorias. Espera-se menos formulários e mais consórcios entre empresas e universidades; menos papel, qual papel(?), e mais fundos para desenvolver talento.
Ademais, usar as compras públicas para fomentar inovação, não apenas adotando procedimentos que permitam colaboração entre o público e o privado, mas permitindo a que as empresas fiquem com propriedade intelectual das inovações que desenvolverem para o Estado, com incentivos para produzir e exportar.
O setor público europeu prepara-se para tempos em que terá um papel ativo de facilitador estratégico da inovação e do crescimento económico sustentável. Só assim se poderá garantir uma Europa competitiva, inovadora e verdadeiramente independente.
Nota: Os pontos de vista e opiniões aqui expressos são os meus e não representam nem refletem necessariamente os pontos de vista e opiniões da KPMG em Portugal.
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