Barracas por 3000 euros e o Estado central a arrendar casas que deixa vazias. A Habitação no Local Summit

Em Loures, redes de tráfico de imigrantes vendem barracas a 750 euros por metro quadrado. Mondim de Basto desespera devido ao IHRU. O Estado está em défice na habitação, assinalou-se na Local Summit.

No primeiro painel da Local Summit falou-se de habitação e do que a rodeiaAndré Dias Nobre

Em Loures, a câmara depara-se com barracas vendidas por 3000 euros a imigrantes acabados de chegar, num esquema de redes de tráfico que o autarca denuncia. Em Lisboa, o Estado central é inquilino de privados para promover mais habitação pública, paga a renda, mas as casas mantêm-se desocupadas, acusa o presidente da associação de proprietários. Noutra imigração, a de capitais, investidores internacionais são recebidos com garantia de leis sem efeitos retroativos, mas a realidade acaba por contrariar esse princípio, lamenta a Abreu Advogados. Estas são três das ideias levadas à segunda edição da Local Summit, onde o designado interior de um país com menos de 200 km entre o mar e a fronteira tenta, sem sucesso, captar investidores, como refere o presidente da Câmara de Mondim de Basto.

“A imigração é importante, mas tem de ser controlada”, diz o socialista Ricardo Leão, denunciando a existência de redes de imigração, uma realidade que já reportou à Polícia Judiciária e ao Ministério Público, refere o presidente da autarquia de Loures. “Mandámos, agora, 25 barracas de 4 metros quadrados abaixo, sem condições dignas nenhumas, e sabíamos que estavam a ser vendidas a 3000 euros cada. Dentro dessas barracas havia malas de viagem de avião com bilhete do dia anterior. Chegam e vão logo para lá. Isto são redes que estão montadas e eu no meu concelho não permito isso. Neste mandato já foram 200 barracas que deitei abaixo, não sinto orgulho algum nisto, mas não quero o meu concelho à semelhança do que foi na década de 90, abarracado”.

“O tema da imigração tem um impacto super-direto no custo da habitação, por falta de mão de obra. A AIMA não funciona porque a própria AIMA não tem mão de obra”, diz Patrícia Viana, sócia da Abreu Advogados.

Mandámos, agora, 25 barracas de 4 metros quadrados abaixo, sem condições dignas nenhumas, e sabíamos que estavam a ser vendidas a 3000 euros cada. Dentro dessas barracas havia malas de viagem de avião com bilhete do dia anterior. Chegam e vão logo para lá. Isto são redes que estão montadas e eu no meu concelho não permito isso.

Ricardo Leão

Presidente da Câmara Municipal de Loures

Ricardo Leão acentua a necessidade de receber imigrantes, exemplificando com os concursos públicos para construção que ficam desertos, mesmo quando a câmara dá espaço às propostas mais caras, retirando o fator preço de primeiro critério de seleção de orçamentos. “Estou a falar de escolas, de cumprimento de PRR. Estão a ficar desertos porque há falta de mão de obra”.

Seja num dos mais populosos municípios do país, seja no interior, outro dos constrangimentos municipais prende-se com o IHRU. “Infelizmente, neste momento não estamos com problema da mão-de-obra nas empresas porque ainda nem temos as candidaturas aprovadas”, diz, irónico, Bruno Ferreira, autarca de Mondim de Basto. Com estes atrasos, apesar da expectativa de conseguir terminar a construção de 100 casas municipais até ao final do prazo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), marcado para dentro de 12 meses, o edil social-democrata já assume que “com o atraso na resposta” do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), “começa a ser cada vez mais difícil. Sem habitação e sem emprego fica difícil fixar pessoas”.

“Eu sei que as câmaras têm costas larguíssimas”, diz Ricardo Leão, autarca de Loures, apontando também ao IHRU o ónus de atrasos sucessivos na construção pública, uma acusação que se sucede entre os autarcas ouvidos pelo ECO/Local Online ao longo de meses. Resultado da retenção de quatro milhões de euros no instituto a quem o Estado entregou a gestão do dinheiro proveniente de Bruxelas para a habitação, a câmara teve de contrair um empréstimo bancário.

“Já que se fala tanto de Constituição, a primeira e única responsabilidade de habitação é do Governo, não metam agora as câmaras no meio deste processo”, insta Ricardo Leão.

Não podemos falar só de habitação, mas também de habitabilidade, nota Bruno Ferreira. “Não é só um teto, é a oportunidade de criar um conjunto de infraestruturas, que permitam que ela seja digna, desde logo a qualidade para as pessoas, mas também todos os serviços associados. Emprego, infraestruturas cruciais para que a fixação das pessoas possa ser uma realidade. Fibra ótica, telecomunicações, saneamento, são importantíssimos”.

Mas estará o Estado capacitado para responder aos desafios da habitação? Menezes Leitão partilha uma experiência vivida em Lisboa que, no mínimo, deixa dúvidas: “Muitas casas no arrendamento apoiado não estão a ser usadas. Muitos proprietários, os poucos que arrendaram as casas ao Estado, têm estado perplexos, as casas foram arrendadas, eles recebem a renda, mas as casas não estão ocupadas, porque o Estado não as coloca no mercado. Como é que é possível que a habitação não esteja o descalabro que está?”

Muitas casas no arrendamento apoiado não estão a ser usadas. Muitos proprietários, os poucos que arrendaram as casas ao Estado, têm estado perplexos, as casas foram arrendadas, eles recebem a renda, mas as casas não estão ocupadas, porque o Estado não as coloca no mercado. Como é que é possível que a habitação não esteja o descalabro que está?

Menezes Leitão

Presidente da Associação Lisbonense de Proprietários

Neste que foi o tema do primeiro painel da 2.ª Local Summit, a habitação, o Estado central cria entropias também por via da legislação. “Não convencemos um investidor a trazer capital para Portugal se não temos uma legislação estável, e ela muda consoante a cor política e as eleições, que em Portugal há imensas”, critica Patrícia Viana, sócia da Abreu Advogados.

Quando, em 2018, o escritório representou um banco interessado em financiar um dos candidatos a um largo portefólio imobiliário em venda, reuniu com o cliente, que após analisar o relatório questionou os juristas sobre o potencial de alteração da legislação do arrendamento durante a vigência dos contratos formalizados nesses imóveis à venda. “Eu disse claro que não muda, é o que está escrito, e se mudar não é com efeitos retroativos… um ano depois, mudou tudo”, conta Patrícia Viana, assegurando: “isto cria muito descrédito”

Quando se trata da disponibilidade do setor bancário para financiar projetos de arrendamento, ela pode ser desincentivada pela legislação, nota o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, que recorda as palavras de relutância de um responsável da banca: “se os proprietários não têm confiança para colocar casas no mercado, somos nós, bancos, que vamos ter confiança para os financiar?” Menezes Leitão considera que “estamos num descrédito total no arrendamento. Isto deriva de vários fatores, em primeiro lugar a loucura que foi feita, o adicional ao IMI”, um imposto que “gera uma distorção gigantesca no mercado. Se uma pessoa quiser colocar as casas no mercado de arrendamento comercial não paga imposto, se colocar no arrendamento habitacional vai pagar o adicional ao IMI. Isto afasta todas as pessoas do arrendamento para habitação”.

Os entraves da lei não recaem apenas no arrendamento, nota a jurista da Abreu Advogados. “No Simplex, licenciamentos, convencer um fundo inglês a fazer um projeto habitacional em Lisboa e explicar o tempo que tem de esperar pela licença de construção, pela de utilização, os custos, as taxas e taxinhas de cada vez que há um papel submetido na câmara, os impostos… isto é uma loucura!”

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