“A questão é: vamos executar dentro do prazo ou não vamos executar dentro do prazo. Essa é que é a luta que temos de ter”, diz Castro Almeida no ECO dos Fundos. Ouça o podcast.
“Estamos a levar à risca a recomendação do Sr. Presidente da República de agir como se fossemos um Governo em plenitude de funções”. É desta forma que Manuel Castro Almeida responde ao apelo do Presidente da República de que um Governo em gestão pode e deve continuar a executar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
“Já aconteceu com o Governo anterior (…) Poder atuar como se fosse um Governo com plenos poderes. Já aconteceu em 2024”, disse Marcelo Rebelo de Sousa. O Governo responde ‘presente’: “Estamos a agir como se não houvesse eleições”, disse o ministro Adjunto e da Coesão no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus.
O ministro, que tem a tutela dos fundos europeus, reconhece que a demora na execução dos projetos PRR “é quase uma perplexidade”, isto porque há a necessidade, há a vontade política e mesmo assim as coisas não avançam. Castro Almeida reitera que o objetivo do Executivo é executar a totalidade das subvenções do PRR (16,32 mil milhões de euros). “Se a parte dos empréstimos não for executada, não é grave. Grave seria não executar a parte das subvenções”, diz. Porquê? Porque “é mais ou menos irrelevante ir aos mercados ou ir buscar o dinheiro emprestado da UE”, já que os custos de financiamento da República desceram.
Castro Almeida reconhece que Bruxelas suscitou algumas questões na reprogramação do PRR. “Mas são pouco relevantes”, diz. E espera luz verde ainda em abril ou maio. Tudo vai depender se a reprogramação terá de ser aprovada no Ecofin ou no Conselho de Assuntos Gerais.
“A questão é: vamos executar dentro do prazo ou não vamos executar dentro do prazo. Essa é que é a luta que temos de ter”, resume.
Como explica a mudança de afirmação e de convicção de que a realização de eleições não vai prejudicar a execução do PRR?
No final de 2024, quando se discutia o Orçamento de Estado para 2025, dizia que se houvesse eleições, não iria ser possível executar o PRR a tempo de horas. Agora vamos ter eleições e digo que vamos tentar executar o PRR a tempo e horas. Qual é a diferença?
A pergunta é essa.
Entretanto, fizemos um conjunto de coisas que facilitaram a execução do PRR, particularmente a reprogramação do PRR. A reprogramação do PRR foi feita justamente naquele que iria ser o período eleitoral se tivesse havido eleições na sequência da rejeição do Orçamento para 2025. Se tivesse havido eleições não teríamos feito a reprogramação, que era necessária. Sem ela não era possível executar o PRR.
As negociações com Bruxelas da reprogramação decorrem a bom ritmo, apesar do Executivo não estar em plenitude de funções?
Em matéria de fundos europeus, estamos a levar à risca a recomendação do Sr. Presidente da República de agir como se fossemos um Governo em plenitude de funções. Penso que todo o país percebe isso. Temos de cumprir a Constituição, evidentemente. Mas, na interpretação daquilo que é urgente, que é prioritário, inadiável, consideramos que executar um programa que tem data marcada e com penalizações fortíssimas, se não forem cumpridos os prazos, consideramos que é tudo inadiável. Portanto, estamos a agir como se não houvesse eleições.
Em matéria de fundos europeus, estamos a levar à risca a recomendação do Sr. Presidente da República de agir como se fossemos um Governo em plenitude de funções.
Vão esperar pelas eleições e pelo próximo Executivo para fechar mesmo e assinar com Bruxelas a reprogramação?
A reprogramação do PRR foi apresentada no dia 1 de fevereiro. Estava o Governo em plenitude de funções. Em fevereiro e março, cujo mês está a terminar, a Comissão esteve a analisar a nossa proposta de reprogramação. É suposto, nos últimos dias de março, tomar uma primeira posição sobre a nossa proposta. Uma posição que esperamos que nos seja favorável. E depois há que formalizar isso mais tarde, aprovando num Conselho de Ministros. E agora há aqui uma indefinição: se vai ser no Conselho de Ministros de abril ou no de maio, que será aprovada formalmente a reprogramação. Mas estamos confiantes que vai ser aprovada, com certeza.
Tendo em conta a situação política em Portugal, Bruxelas vai empurrar para que seja em maio?
O ser em abril ou ser em maio tem a ver com qual vai ser a formação do Conselho de Ministros que vai aprovar. Se for o Ecofin, o Ecofin de abril é informal e não toma decisões formais. Se conseguirmos que seja no Conselho de Assuntos Gerais, já será em abril. Se tiver de ser no Ecofin, será em maio. Essa questão não tem a ver com o facto de o Governo estar em plenitude de funções ou não.
Tem tido bom feedback dessas negociações com a Comissão Europeia? Há alguma coisa que Bruxelas tenha obrigado a mudar?
Há algumas questões que Bruxelas suscitou, que são legítimas, algumas já suspeitávamos que pudessem ser levantadas. Mas são questões menores, de pouca monta, que valem, 1 ou 2% do valor em causa. Portanto, são coisas pouco relevantes.
Há algumas questões que Bruxelas suscitou, que são legítimas, algumas já suspeitávamos que pudessem ser levantadas. Mas são questões menores, de pouca monta, que valem, 1 ou 2% do valor em causa. Portanto, são coisas pouco relevantes.
Uma das coisas que também mudou no discurso do Executivo, numa entrevista recente que deu, é que, provavelmente, Portugal não vai utilizar a totalidade dos 5,8 mil milhões de euros de empréstimos do PRR. Porquê?
Deixe-me tentar ser rigoroso. Em nenhum momento disse que a probabilidade era de não executar. O que disse e mantenho — há muito tempo que o digo – é que o nosso objetivo é executar a totalidade das subvenções. Ou seja, do dinheiro que é dado, oferecido. Esse vamos executá-lo todo. É o nosso objetivo. Mas há uma parte do dinheiro que é emprestado. E hoje, felizmente, a Portugal não falta quem empreste dinheiro. É só escolher o banco que nos vai emprestar. Vai ser o banco da União Europeia ou vão ser os mercados financeiros normais? Porque a taxa de juros é equivalente. É mais ou menos irrelevante receber dinheiro emprestado da Comissão Europeia ou financiamento nos mercados financeiros. Há até dias ou semanas em que ficaria mais barato financiarmos nos mercados financeiros. Portanto, não há nenhum prejuízo para Portugal se quem nos empresta o dinheiro não for a Comissão Europeia e forem os mercados financeiros normais.
Ora, como os empréstimos vindos da Comissão Europeia obrigam a executar tudo dentro de um certo prazo (31 de dezembro de 2026), se houver alguma dificuldade em executar dentro do prazo a componente dos empréstimos, não vem prejuízo para Portugal, porque podemos executar em 2027 com dinheiro emprestado, não pela Comissão Europeia, mas pelos mercados financeiros normais.
Talvez com mais alívio de preços, por exemplo, ao nível das obras públicas? Concentrar todos os países a fazer obras ao mesmo tempo, inflacionou de forma absolutamente…
Não tenho dúvida nenhuma que esta concentração de empreitadas está a inflacionar os preços.
Acabará por ser mais vantajoso dilatar no tempo a execução dessas obras?
Obras, quanto mais depressa vierem melhor. Construir escolas, centros de saúde, equipamentos públicos, vão ser úteis para as pessoas e quanto mais depressa vierem melhor. Não vamos fazer essa conta. Se pudermos executar todo o PRR até ao final do prazo, incluindo os empréstimos, vamos fazê-lo. Se a parte dos empréstimos não for executada, não é grave. Grave seria não executar a parte das subvenções, que é dinheiro que nos é oferecido.

Quanto custam a Portugal os empréstimos do PRR?
Não tenho esse valor de cor e, aliás, esse valor está indexado. Não lhe posso dizer que há uma taxa de 1,8 ou 2,1. Há uma indexação e vai variando ao longo das semanas e ao longo dos meses. Mas é um valor que não anda longe daquele a que a República se está a financiar nos mercados normais.
Mas, as contas estão feitas para perceber qual o impacto nas contas públicas se recorrêssemos à totalidade dos 5,8 mil milhões de empréstimos da bazuca?
É tanto quanto ir buscar, 5,8 mil milhões aos mercados financeiros normais. A República financia-se nos mercados mais de uma vez por mês. Portanto, é mais ou menos irrelevante a taxa de juro de ir aos mercados tradicionais ou ir buscar o dinheiro emprestado da União Europeia, que, por sua vez, se financia também nos mercados internacionais.
Portugal vive uma crise na habitação. Como se explica que as câmaras municipais não acorram aos concursos disponibilizados via PRR para a construção de casas nas suas respetivas autarquias?
Este problema da habitação é muito sério e muito complexo. Não podemos reduzir isto às casas do PRR, que são uma ínfima parte das casas necessárias do país. Quando o PRR foi construído, no Governo anterior do Partido Socialista, previa-se construir 26.000 casas. Neste momento, o Governo já assumiu que não vai fazer 26.000, mas 59.000 para as classes mais desprotegidas — parte financiada pelo PRR, outra parte pelo Orçamento do Estado. Mas há aqui um grande propósito de o Estado participar construindo diretamente casas destinadas às classes mais desfavorecidas. Nunca se fizeram tantas casas públicas em Portugal. Mas isto não resolve o problema da habitação. Repare, 59.000 casas é sensivelmente metade das casas que se construíam por ano há 15 ou 20 anos. É uma pequena parte das necessidades. Para resolver o problema da habitação, precisamos de habitação pública, mas precisamos também de construção privada. E é por isso que o Governo veio intervir com a chamada Lei dos Solos, facilitando o acesso a novos terrenos para que se possam construir mais casas e a preços mais baratos. Porque o que encarece muito as casas, sobretudo nas áreas urbanas de Lisboa e do Porto e nas capitais de distrito, é o valor dos terrenos. Os tijolos, o cimento, o ferro e as portas e as janelas custam praticamente o mesmo na Amadora ou em Vimioso. O que distingue os preços é o valor do terreno.
Mas a quantidade de solo rústico em Lisboa ou no Porto não é grande e é aí que são as principais carências habitacionais.
A nova lei vai permitir que as câmaras municipais autorizem construção em terrenos que hoje são classificados como rústicos, mas que podem ser urbanizados porque estão encostados a terrenos urbanos. Nada de pensar que vamos agora construir no meio dos matos ou no meio dos campos.
Essa discussão já se fez.
Só se pode construir em terrenos contíguos a urbanizações já existentes. É fazer crescer os aglomerados urbanos ou tapar vazios urbanos.
Não há dia nenhum que não fale com um presidente de câmara que me diga que lançou um concurso e este ficou deserto. Há dias, um presidente de câmara dizia-me que já lançou o mesmo concurso quatro vezes, sempre com um valor superior, e ficou deserto por quatro vezes.
Insisto. Perante a existência do problema, porque se atrasam tanto as câmaras em lançar concursos para fazer estas casas, quando até têm o dinheiro disponível e grátis?
Em grande medida porque demora muito lançar os concursos para escolher o projetista que há-de fazer o projeto, depois é preciso fazer o projeto e lançar o concurso para a obra. Não há dia nenhum que não fale com um presidente de câmara que me diga que lançou um concurso e este ficou deserto. Há dias, um presidente de câmara dizia-me que já lançou o mesmo concurso quatro vezes, sempre com um valor superior, e ficou deserto por quatro vezes. Ou seja, hoje há, de facto, falta de mão-de-obra para tanta obra que está em construção. Estou muito confiante num acordo que vai ser assinado agora nos próximos dias…
A via verde para a imigração.
…Com as associações empresariais, para facilitar a entrada de trabalhadores que tenham trabalho garantido e casa garantida, para terem um acesso facilitado ao país, porque precisamos efetivamente de reforçar mão-de-obra nesta área da construção civil.
Como avalia a demora na execução dos projetos, depois de tantas medidas para tentar acelerar as coisas, que não têm grande reflexo na execução financeira do PRR e nem resultados práticos no terreno?
Por vezes é quase uma perplexidade a questão que está a colocar: há necessidades, há vontade política de fazer e depois há dificuldade em executar. A principal razão, neste momento, tem a ver com as dificuldades de mão-de-obra. Já passou a altura em que as câmaras estavam a atrasar-se a fazer os projetos e a lançar os concursos. Essa parte está praticamente ultrapassada e agora há dificuldade em arranjar empreiteiros para fazer as obras.
Vamos acabar a escolher projetos de menor qualidade só para conseguir executar a totalidade do dinheiro?
Não, porque não vamos executar nada que não esteja programado. Ou na programação inicial ou nesta reprogramação que agora fizemos. E a reprogramação que agora fizemos foi mínima. Foi para cautelar obras que ninguém contesta a sua utilidade. Não vai acontecer dizer ‘não se conseguiu gastar o dinheiro em coisas que eram úteis, vamos gastar agora em coisas que são menos úteis’. A questão é, vamos executar dentro do prazo ou não vamos executar dentro do prazo. Essa é que é a luta que temos de ter. Porque o que há para fazer, está definido.
A questão é, vamos executar dentro do prazo ou não vamos executar dentro do prazo. Essa é que é a luta que temos de ter.
Está confiante de que vai ser possível executar a totalidade das agendas mobilizadoras?
Tenho contactado regularmente com as pessoas que estão em cima desse assunto e dizem-me, confirmam-me e reafirmam-me que vai ser possível executar. O objetivo passa por atingir X metas com as agendas mobilizadoras. E pode haver uma agenda que consiga mais metas do que o previsto e outra que atinja menos. O que é preciso é que o número final atinja o resultado previsto. Provavelmente há algumas que se vão adiantar, e contribuir para cumprir o objetivo, e outras podem não atingir o objetivo. Mas, na média total, vamos ter de atingir o resultado final.
O presidente da AEP disse aqui no ECO dos Fundos que, para além dos problemas ao nível das agendas da energia, nomeadamente as relacionadas com o hidrogénio verde, há outros casos de agendas em grandes dificuldades de execução, com elementos a desistir do consórcio. Tem conhecimento?
Sim, mas isso não é uma fatalidade, nem elimina o resultado final. O PRR está construído de forma a que o que interessa é obter resultados. Desde que o resultado seja obtido, se foi com 80 empresas ou com 78 ou com 82, vai dar ao mesmo.
E o efeito na economia é o mesmo?
O que é preciso é que o resultado que foi definido seja atingido. Se for com 78 ou com 82, vai dar ao mesmo. E o dinheiro que está disponível é aquele que está fixado previamente. Portanto, mesmo que haja uma alteração do número das empresas envolvidas… Uma crítica que ouço muitas vezes…
Que as agendas são grandes demais?
A forma como foi concebido o PRR é que as agendas são grandes, têm demasiados intervenientes, são muitas empresas na mesma agenda, e como há limitações às compras e vendas no interior do consórcio, às vezes há problemas de querer comprar e não ter a quem, porque todos estão metidos dentro do consórcio e não se pode fazer negócio com o setor, porque está todo envolvido no consórcio. Foi um pequeno problema que se calhar não foi devidamente acautelado na formação das agendas, e talvez justificasse que tivessem menos intervenientes. Não estou a pôr em causa o princípio, que acho fundamental, de ter universidades, centros de investigação, grandes empresas e pequenas empresas. Esta mistura deve ser feita e é muito virtuosa, mas não precisamos ter 100 empresas envolvidas num mesmo objetivo. Se calhar 20 conseguiam o mesmo resultado, porventura em melhores condições.
As agendas são grandes, têm demasiados intervenientes, são muitas empresas na mesma agenda, e como há limitações às compras e vendas no interior do consórcio, às vezes há problemas de querer comprar e não ter a quem.
Foi essa virtuosidade que levou, na reprogramação, à criação de um novo incentivo à inovação produtiva para empresas associadas com universidades de 278 milhões de euros? Para que vai servir?
Vamos aí ter possibilidade de financiar investigação que pode não ser feita no formato de agendas. Vou-lhe dar um exemplo. Podemos, com essa dotação, vir a financiar um projeto de investigação muito intenso e muito especializado que a Fundação Champalimaud queira fazer. Tenho aqui um exemplo de uma utilização que não envolve o formato da agenda, mas que é na mesma dirigida a fazer aplicações práticas de investigação.
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