“Há muito capital Sifide por alocar. Era fundamental o Governo fazer novas alterações”

Stephan de Morais, presidente da Associação Portuguesa de Capital de Risco defende um conjunto de alterações às regras dos benefícios fiscais para deduzir no IRC verbas investidas em I&D.

Há muito capital Sifide ainda por investir. Mas as regras excessivamente apertadas levam a que exista quase capital a mais, diz Stephan de Morais. O presidente da Associação Portuguesa de Capital de Risco (APCRI) defende que é necessário voltar a alterar as regras para os fundos de capital de risco aplicarem esse dinheiro.

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“Do que entendemos, há uma intenção [do Governo] de se fazerem alterações imediatas, mas depois de se preparar um novo regime de Sifide diferente, com alterações mais profundas no ano seguinte”, explicou Stephan de Morais no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus. “Acredito que para este ano já não haverá alterações tão significativas como seriam necessárias”, acrescentou.

O Sifide é um incentivo fiscal que permite às empresas deduzir no IRC uma percentagem das despesas de Investigação & Desenvolvimento, na parte não comparticipada a fundo perdido pelo Estado ou por fundos europeus. Desde 2011, passou a ser possível deduzir também as contribuições para um Fundo de Capital de Risco. Mas o regime tem sofrido várias alterações. O Executivo de António Costa tornou-o mais restritivo para evitar os abusos, que levaram o Fisco a realizar várias auditorias.

Agora, no âmbito do “Programa Acelerar a Economia”, aprovado no início de julho em Conselho de Ministros, foram introduzidas novas alterações, nomeadamente reduzir os requisitos de despesa em I&D das empresas investidas de 7,5% para 5% do seu volume de negócios do ano anterior e dar mais dois anos para os fundos Sifide realizarem o investimento em empresas de I&D. Além disso, os fundos Sifide vão poder aplicar 20% da sua dotação em investimentos de inovação produtiva. Mas nenhuma destas alterações foi introduzida no Orçamento do Estado para 2025.

Stephan de Morais critica as alterações introduzidas pelo anterior Executivo — “introduziram-se uma série de complicações com o intuito de danificar ainda mais o Sifide e não de o tornar mais racional” — e defende que “uma das formas de corrigir isso é que os fundos que tenham Sifide tenham, por exemplo, no máximo, metade do dinheiro Sifide, ou uma percentagem razoável”; “as despesas elegíveis também não devem estar tão restritas” e não fazer o investimento depender do selo da Agência Nacional de inovação (ANI), sendo a verificação do cumprimento das regras feita a posteriori.

Antecipa que haverá problemas por parte das empresas em conseguirem utilizar toda a verba que têm disponível decorrente do recurso ao Sifide?

Não há dúvida que foi levantado muito capital Sifide nos últimos anos. Também é certo que hoje, para as empresas serem certificadas é um processo muitíssimo complicado. As regras são muito apertadas. E da revisão que foi feita pelo último Governo da aplicação das regras do Sifide apenas se complicou o tema, porque reduziram-se os períodos de investimento e introduziram-se uma série de complicações com o intuito de danificar ainda mais o Sifide e não de o tornar mais racional. O que a indústria precisa é de capital que seja racional e que seja aplicado de uma forma normal e não dentro de um casaco de forças. O que temos vindo a notar junto dos associados da APCRI é que há um efeito demonstrador. Antigamente era difícil os empresários deixarem entrar capital externo. À medida que há mais capital — e hoje há muito mais capital, eventualmente capital a maishá mais apetência dos empreendedores e empresários deixarem entrar capital externo porque também veem os seus competidores a ganharem força com capital. Esta dependência que a indústria portuguesa tem, desde sempre, da dívida não é boa e já deu muito maus resultados, muitas vezes, na nossa história económica. A existência de muito capital, em geral, é boa. Agora que há muito capital por alocar há. Era fundamental que o Governo atual faça novas alterações, não é para facilitar, mas que o capital seja aplicado.

No Programa Acelerar a Economia, o ministro Pedro Reis deu a entender que haveria alterações ao Sifide, nomeadamente permitir que 20% dos montantes fossem alocados a investimento produtivo. Mas, no Orçamento do Estado não houve qualquer tipo de vislumbre desta alteração.

Estamos em contacto quase permanente com o Governo e também com a Agência Nacional de Inovação (ANI), que obviamente tem um papel chave nesta questão, de forma a transmitirmos as preocupações dos nossos associados. Tanto dos associados que não têm capital Sifide, como dos que têm algum capital Sifide e dos que têm imenso capital Sifide. Por vezes, são posições muito contraditórias. Tentamos fazer uma recomendação balanceada para que o capital não seja desaproveitado, porque isso não serve a ninguém. Não serve as empresas, não serve os fundos, não serve o Estado. Até porque as consequências da não aplicação do capital são tão graves para as sociedades gestoras e para os investidores que ninguém vai não querer aplicar o capital. Temos de fazer com que o capital seja realmente aplicado de forma correta, sem uma pressão excessiva, porque o objetivo final é que as empresas portuguesas se tornem mais competitivas. E se o capital está lá….

Esta dependência que a indústria portuguesa tem, desde sempre, da dívida não é boa e já deu muito maus resultados, muitas vezes, na nossa história económica.

Nesse contacto direto já percebeu qual é o objetivo do Executivo? É apresentar as alterações no âmbito do pacote de alteração dos benefícios fiscais?

Do que entendemos, há uma intenção de se fazerem alterações imediatas, mas depois de se preparar um novo regime de Sifide diferente, com alterações mais profundas no ano seguinte. Acredito que para este ano já não haverá alterações tão significativas como seriam necessárias. Porque é fundamental que haja capital privado. É um dos grandes défices do capital de risco é a não existência de capital privado. Isto é capital privado. Mas é um capital privado que vem com muitas amarras e tantas condicionantes, ao qual foram impostas ainda mais condicionantes porque supostamente tinha havido abusos. A lei foi mal escrita originalmente, depois houve supostamente abusos e depois fizeram correções que tornaram a coisa ainda pior, apesar dos conselhos, já na altura do anterior Governo, que tínhamos dado e que não foram ouvidos. Espero que desta vez sejam ouvidos.

Receia que esta alteração anunciada de que 20% do capital possa ser alocado a investimento produtivo, acabe por levantar problemas de ajuda de Estado junto da Comissão Europeia?

A questão da ajuda do Estado da Comissão Europeia não tem a ver com os 20%. Tem a ver com o facto de se todas as ajudas de Estado ou todos os subsídios juntos passam um determinado limite. Não creio que esta questão dos 20% tenha a ver com isso.

Mas não se corre o risco de passar o limite porque muitas dessas empresas são beneficiárias de fundos europeus?

Mas a conta não se faz assim. Ou seja, isso tem a ver com o capital que os fundos têm disponível para investir se ultrapassa ou não os limiares de ajuda de Estado. A forma como esses fundos investem — mais em máquinas ou mais em software — já não implica para essa conta. Isto não vai piorar a questão das ajudas de Estado. Aliás, essa questão já não existe porque, entretanto, os benefícios fiscais foram diminuídos dos 87,5 máximo para 32,5. E quando se fazem investimentos nas empresas, raramente a empresa utiliza o capital todo disponível para apenas investigação e desenvolvimento. As rondas, normalmente, têm um mix de capital Sifide e não Sifide, porque as empresas não vivem só de investir em engenharia e em investigação desenvolvimento. Em geral, acho que isso é uma falsa questão, porque a aplicação nas empresas nunca ultrapassa os limiares da ajuda de Estado, mesmo quando os fundos são, na sua grande maioria, de origem pública, direta ou indireta.

Há uma intenção [do Governo] de se fazerem alterações imediatas, mas depois de se preparar um novo regime de Sifide diferente, com alterações mais profundas no ano seguinte. Acredito que para este ano já não haverá alterações tão significativas como seriam necessárias.

Disse que a intenção do Governo poderá ser criar um novo regime para lá de 2025. Como é que gostaria que fosse?

É aqui que entramos na questão de equilibrar as posições de todos os envolvidos: dos que gostam muito de Sifide e dos que não gostam nada. É importante que os fundos que tenham Sifide, primeiro, não ultrapassem a questão das ajudas de Estado. Uma das formas de corrigir isso é que os fundos que tenham Sifide não tenham apenas Sifide. Tenham, por exemplo, no máximo, metade do dinheiro Sifide, ou uma percentagem razoável, para que o resto dos fundos que entram no fundo, que depois vai investir nas empresas, tenha condições de mercado para investir e que as empresas possam usar o dinheiro livremente e não ser só um tipo de despesas. Raras são as empresas que só fazem investigação e desenvolvimento. Todos têm de investir, vender, ter pessoas de marketing, de vendas, de recursos humanos e essas não são de investigação e desenvolvimento. Uma das formas de equilibrar isto e de diminuir a pressão sobre as Finanças, de haver tanto dinheiro que desaparece da coleta e vai para fundos, é obrigar a que os fundos angariam uma parte significativa do dinheiro que não seja Sifide em condições de mercado.

As próprias despesas elegíveis também não devem estar tão restritas, porque, na verdade, qualquer empresa PME, seja uma startup, seja uma PME exportadora, quando desenvolve um produto, não é só a engenharia que conta. A ida para o mercado também faz parte do desenvolvimento do produto, o marketing, as vendas e por aí fora. Estarmos a restringir isto puramente numa perspetiva quase académica de investigação e desenvolvimento, não é uma grande ajuda para as empresas portuguesas. Isso não quer dizer que seja tudo aplicado em Google Adwords e que não se faça a investigação e desenvolvimento. Agora nem tanto ao mar, nem tanto à terra. As empresas portuguesas precisam de capital e estes programas existem em toda a Europa. Não foi Portugal que inventou isto. Inglaterra tem um programa muito semelhante, França também, assim como muitos países, têm programas muitíssimo semelhantes, em que uma parte dos impostos que as empresas deveriam pagar, em vez de o fazerem, é investida em fundos que, por sua vez, investem noutras empresas que são produtivas e que beneficiam a economia. Não ser tão restrito é uma das alterações necessárias.

Stephan de Morais, CEO da Indico Capital e presidente da Associação Portuguesa de Capital de Risco defende que se obrigue “a que haja capital privado ao lado do capital Sifide, que também é privado, porque são impostos, mas são privados, mas com menos amarras”.Hugo Amaral/ECO

E, por último, ter em consideração que as empresas Sifide têm um objeto temporal largo. Não vale a pena estarmos sempre, digamos, a coartar os períodos de investimento e a pôr demasiadas regras. Quando se implicam demasiadas regras num processo de investimento, estamos a obrigar os fundos a cometer erros de investimento. As empresas exportadoras e as startups são altamente voláteis, os mercados mudam e tem de haver flexibilidade. Os fundos têm de ter essa flexibilidade para investir. Quanto mais regras, pior. O selo da ANI deveria ser estudado uma forma diferente de atribuição, porque é óbvio que a ANI não consegue, com os recursos humanos que tem, dar selos todas as semanas a milhares de empresas que pedem. Na realidade, as consequências são a posteriori. Depois da execução dos fundos é que se vê se foram bem executados ou não. Ou seja, haveria de se colocar um pendor muito maior na verificação da aplicação dos fundos e não fazer um bottleneck à entrada, porque estamos a impedir que o dinheiro chegue às empresas desnecessariamente. Haverá sempre uma verificação no final se o dinheiro foi bem aplicado. Porque é que temos dois bottlenecks, um à entrada e outro à saída, quando temos uma pressão enorme, neste momento, de capital que pode chegar ao tecido industrial português e as startup? E não consegue chegar porque a ANI, obviamente, não tem capacidade. Não é que tenha má vontade, não conseguem.

Não têm recursos humanos.

Não têm recursos humanos sequer para gerir tantos pedidos. Por que é que não se deixa as empresas investirem, porque depois vão ser verificadas. Se houver alguma coisa de errado, vai haver consequências.

A devolução de fundos nem sempre funciona bem. Disse que “quase há capital a mais”. Porquê?

Quando se impõem regras muitíssimo rígidas de: despesas só deste tipo, primeiro tem de se obter um selo que é cada vez mais difícil e complicado de se obter, e se impõem horizontes temporais inviáveis para fazer esse investimento está-se a dizer um conjunto de operadores de mercado que têm bastante capital “vocês vão todos imediatamente à procura de passar cheques”. Ora, isso não é bom. Nem para as empresas, nem para o mercado, nem para o Estado, porque as coisas vão correr mal. Se não houvesse este conjunto de regras tão apertadas era mais fácil investir-se corretamente. Aí não haveria dinheiro a mais. Não é que não haja capacidade do mercado absorver aquele capital. É óbvio que dois mil milhões, ou o valor que esteja por investir — aparentemente ninguém sabe quanto é que é — não haja a menor dúvida que há empresas portuguesas suficientes para absorverem esse capital, para exportarem mais, para crescerem mais, para ganhar mercado. Agora, se o Estado obriga a que seja num período de três anos, com 20 regras para obter o selo e depois com mais 20 auditorias, etc, obviamente, depois há mais, porque as condicionantes são tantas que obrigam a que toda a gente esteja ali afunilada ao mesmo tempo.

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