Já há projetos do PRR parados a devolver verbas, diz Pedro Dominguinhos

Continuam a existir concursos do PRR há mais de 200 dias sem resultados, revela Pedro Dominguinhos. Presidente da Comissão de Acompanhamento alerta para a urgência de se lançar novos concursos.

O Executivo criou no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) um mecanismo para recuperar verbas de projetos que estão parados e já há projetos a devolver o dinheiro, revelou o presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento (CNA) do PRR. Pedro Dominguinhos diz que há “investimentos que continuam com um nível de preocupação significativo”, como os Digital Innovation Hubs e o Metropolitano de Lisboa.

“Já está a acontecer. Dou-lhe alguns exemplos na área dos equipamentos e das respostas sociais, onde vários beneficiários finais não tinham iniciado as obras para construção de creches ou de estruturas residenciais para pessoas idosas e que, neste momento, estão no processo normal de audiência prévia”, revelou Pedro Dominguinhos no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus.

Nestes casos “já estão a ser contactados, de acordo com a listagem de mérito que foi criada, outros beneficiários para iniciar as obras”, acrescentou. Mas não é caso único. “O mesmo se passa nas residências estudantis, onde já existiram, pelo menos, uma ou duas entidades que, atendendo a um conjunto de vicissitudes, não conseguiram concretizar os projetos em tempo útil e que já comunicaram a sua desistência”, acrescentou.

O presidente da CNA alerta que depois da urgência imposta pelo ministro da Coesão, aquando da assinatura de contratos para a construção de centros de saúde, escolas e habitações com os municípios, “muito poucos concursos foram lançados até este momento”. “Há menos de dez concursos que foram lançados e poucos se iniciaram”, revela Pedro Dominguinhos. “Agora, a larga maioria, na melhor das hipóteses, iniciará a obra até final do ano”, acrescentou.

No último relatório da CNA dizia que 39% dos investimentos do PRR estavam em estado preocupante ou crítico desde que elaborou o relatório até agora. Desde então sente que houve uma evolução positiva ou de agravamento?

Relativamente a alguns desses investimentos, temos assistido a alguns desenvolvimentos positivos. Três ou quatro exemplos. No caso da Barragem do Pisão, todas as declarações de Impacte Ambiental foram proferidas e a Comunidade Intermunicipal prepara-se muito em breve, na primeira quinzena de setembro, para adjudicar o contrato de construção das infraestruturas primárias. Isso significa que depois terá que submeter ao Tribunal de Contas para a sua concretização. A expectativa é que, estando o procedimento administrativo todo correto, as obras se possam iniciar até final do ano de 2024, princípio de 2025. Significa um avanço muito importante.

No caso dos test beds – que é uma meta importante de desembolso, são 650 produtos que devem estar testados – houve uma evolução também positiva. Os test beds começaram a reportar já um conjunto de protótipos que concretizaram junto das PME e estão, neste momento, em avaliação pela Agência Nacional de Inovação, que é a entidade, beneficiário intermediário que tem de responder por eles.

Há também a questão da habitação: foram assinados vários contratos, há muitas obras no terreno, embora o volume de habitação seja particularmente significativo e precisa de aceleração e de resposta dos empreiteiros. Mesmo a questão das residências estudantis, há muita obra no terreno mas classificámos como preocupante, atendendo, sobretudo, à meta intermédia (não à meta final de junho), que tem de ser reportada durante o ano de 2025. Há outros investimentos que continuam com um nível de preocupação significativo.

Como por exemplo?

Os Digital Innovation Hubs é algo que nos continua a preocupar. Estive na Madeira, a semana passada, onde existem alguns parceiros do Digital Innovation Hubs e continuam a subsistir dúvidas nas regras de funcionamento e de reporte. É algo que nos preocupa de sobremaneira.

O mesmo se passa com o Metropolitano de Lisboa, mas que é patente. Quer o presidente da estrutura de missão, quer o senhor ministro das Infraestruturas já deram a entender que é algo que os preocupa e que podem ser acomodados na resolução da Comissão Europeia, publicada no dia 19 de julho, e que possibilita que os Estados-membros façam uma avaliação criteriosa dos vários investimentos, reflitam sobre os mesmos, e sobre a possibilidade de partir metas, sempre que seja possível.

No caso do Metro, é possível porque, em vez de serem quatro estações na Linha Vermelha, podem ser duas financiadas pelo PRR, sendo as restantes financiadas por outras fontes de financiamento. Até porque neste caso há um contrato assinado, a empresa tem expectativas legítimas de o concretizar, e é necessário do ponto de vista da sustentabilidade.

Há uma análise criteriosa que os Estados-membros estão agora a fazer e que é reforçada pelo relatório recente do Tribunal de Contas Europeu que, embora sendo relativo ao final de 2023, se encaixa claramente naquilo que foram as conclusões da Comissão Nacional de Acompanhamento.

Relativamente a esse relatório do Tribunal de Contas Europeu, concorda com a sugestão, que a Comissão Europeia não acolheu, de que em defesa do Orçamento da União Europeia, os projetos que não cumprem os objetivos deveriam devolver as verbas a Bruxelas?

Há aqui uma reflexão profunda que temos de fazer sobre este novo modelo do PRR, porque a expectativa que foi criada aos Estados-membros foi de que, à medida que as metas e os marcos iam sendo cumpridos, os desembolsos iam sendo feitos. Por outro lado, se olharmos para a génese de um programa baseado em resultados, os impactos só se concretizam se os investimentos forem concretizados.

Portanto, há aqui uma tensão compreensível entre a defesa dos interesses, não apenas financeiros, mas, sobretudo, do desenvolvimento da Comissão Europeia e da União Europeia como um todo e dos cidadãos, que é compreensível do ponto de vista da lógica do Tribunal de Contas Europeu. O PRR só produz os seus efeitos – criar uma Europa mais resiliente, mais verde e mais digital – se os investimentos forem concretizados.

Por outro lado, os Estados-membros têm uma legitimidade de não devolver uma parte dos fundos porque já cumpriram um conjunto de metas e marcos. No entanto, é bom que tenhamos a noção de que cada um dos beneficiários finais, que assina um contrato, tem um conjunto de penalizações se não cumprir os resultados a que se comprometeu. E mais, os avisos têm, desde há um ano a esta parte, um clausulado muito específico sobre as regras de devolução em caso de incumprimento.

Os avisos têm, desde há um ano a esta parte, um clausulado muito específico sobre as regras de devolução em caso de incumprimento.

Neste momento, temos dois ou três casos, que estão a tentar ser resolvidos, de entidades que concluíram as suas obras, mas que ainda não conseguiram, do ponto de vista do Certificado de Eficiência Energética, comprovar a redução a que se comprometeram em termos de emissões. E neste momento, o processo está bloqueado pelo beneficiário intermediário, porque não estão a cumprir esses requisitos.

Se é verdade que há aqui esta questão em que a Comissão Europeia parece não ter acolhido, por outro lado, nos Estados-membros, neste caso concreto, em Portugal, os beneficiários intermediários estão a colocar nos seus avisos e a exigir aos beneficiários finais o cumprimento dessas mesmas metas.

A própria resolução da Comissão Europeia, de fevereiro de 2023, define uma metodologia como se processa o ressarcimento dessas mesmas verbas. É completamente distinto cumprir 100%, ou 90, ou 80% de cada um dos prazos. O que tenho visto no terreno é muitos beneficiários finais preocupados no caso de incumprimento dos resultados que se comprometeram.

Na mente dos beneficiários finais, há uma lógica clara de que um incumprimento pode dar lugar à devolução ou ao não recebimento total, porque não há um pagamento total dessas mesmas verbas. Essas duas lógicas são perfeitamente compatíveis. E, do ponto de vista de um programa baseado em resultados, o que é relevante são os impactos, não a execução financeira.

Mas isto é uma tensão que continua latente, quer entre o Tribunal de Contas Europeu e a Comissão Europeia, quer mesmo, diria, na lógica interna em Portugal, sobre o acompanhamento. O acompanhamento que tem sido feito pela maioria dos beneficiários intermediários, concentra-se, em mais de 80% na execução financeira, administrativa, cumprimento de regras.

Há uma muito menor preocupação naquilo que é o acompanhamento técnico/científico junto dos beneficiários finais e, sobretudo, sobre o potencial de resultados e de impactos que esses mesmos projetos podem causar. É um programa novo. Mas que devemos fazer uma reflexão crítica muito forte para que consigamos focarmo-nos nos resultados e não na execução financeira.

Esse foco na execução financeira está patente na introdução de um mecanismo para a recuperação de verbas que estão paradas, à semelhança do que acontece nos quadros comunitários de apoio. Pode dar-me exemplos de projetos onde se antecipa que isso vai acontecer?

Já está a acontecer. Dou-lhe alguns exemplos na área dos equipamentos e das respostas sociais, onde vários beneficiários finais não tinham iniciado as obras para construção de creches ou de estruturas residenciais para pessoas idosas e que, neste momento, estão no processo normal de audiência prévia. Estão já a ser contactados, de acordo com a listagem de mérito que foi criada, outros beneficiários para iniciar as obras.

Aqui há um compromisso fundamental, que é a capacidade de concretizar essas mesmas obras até junho de 2026. Quer os beneficiários que têm de deixar cair os projetos, quer aqueles que os irão iniciar, estão já a ser notificados.

O mesmo se passa nas residências estudantis, onde já existiram, pelo menos, uma ou duas entidades que, atendendo a um conjunto de vicissitudes, não conseguirá concretizar os projetos em tempo útil e que já comunicou a sua desistência. Como existe um aviso aberto neste momento, e cujos resultados finais devem estar a ser publicados, isto permitirá financiar outras residências. Neste caso é mais fácil porque podem ser substituídos projetos por outros na mesma categoria, porque existiu um excesso.

Uma espécie de overbooking.

Embora não aprovado, mas de mérito que naturalmente permite fazer isto. Questão diferente é no caso de alguns investimentos que tiverem de deixar de ser financiados pelo PRR e libertarem verba. Por exemplo, não se pode passar para uma nova linha no Metropolitano de Lisboa, até porque a comunicação da Comissão Europeia foi muito clara, porque o tag climático e o tag digital, em termos percentuais, têm de continuar a ser cumpridos.

A substituição desses investimentos terá de ser por outros que se consigam concretizar, mas dentro do mesmo tipo de impactos.

“Muito dos processos de pagamento dependem da concretização física de procedimentos e o primeiro semestre de 2024 foi particularmente exigente do ponto de vista administrativo”, diz Pedro Dominguinhos, no ECO dos Fundos.Henrique Casinhas/ECO

O Metro é um excelente exemplo daquilo que vai protagonizar a reprogramação que o Governo já prometeu para 2025. É um projeto que terá de ser financiado por outras fontes de financiamento. Devem ser usados novamente fundos europeus para concluir o resto da obra ou recorrer ao orçamento do Estado?

A mobilização de fundos europeus é particularmente exigente no caso das infraestruturas, embora exista um programa a nível europeu de mobilidade sustentável. Foi aprovado o financiamento para uma parte da construção da linha de alta velocidade. Este é um caso particular, porque o contrato está assinado e em execução. E, acima de tudo, é fundamental construir a linha, até porque se enquadra no reforço da mobilidade suave.

Na cidade de Lisboa, mas também no Porto, é particularmente relevante a capacidade de retirar tráfego. A escolha entre instrumentos financeiros vai depender muito, por um lado, dos compromissos já assumidos, da possibilidade de candidatura a fundos transversais a nível europeu, porque vejo com alguma dificuldade, face a toda a programação a que já foi feita no PT2030 encontrar aqui algumas centenas de milhões de euros para o Metro. Há também a possibilidade de recorrer a empréstimos do BEI ou o Orçamento de Estado, que poderá eventualmente ser mais complexo face aos compromissos assumidos no próximo ano.

Que outros exemplos de investimentos acha que vão acabar por ter de recair nesta reprogramação?

Neste momento, é prematuro, porque tem de ser feita uma análise muito criteriosa a dois níveis. Quando a obra não se iniciou, é fácil perceber que se poderá ter de reprogramar. No caso da habitação, o Ministério das Infraestruturas e Habitação e a Secretaria de Estado da Habitação estão num diálogo muito intenso com cada um dos municípios, quase obra e obra, para perceber (nos contratos já assinados) se é possível ou não a concretização dentro do prazo.

E, não sendo possível, como é que podem ser substituídos, neste caso também na habitação. Até porque houve candidaturas em número muito significativo face às vinte e seis mil casas que nos comprometemos em remodelar ou construir. Mas isso tem de ser feito não apenas se não se iniciou, mas se é possível concretizar no prazo. Aqui, o que vai imperar não é a execução financeira.

A Comissão exige que as famílias estejam a morar nas casas.

Sim. Isto é um programa complexo, que exige uma análise muito criteriosa por parte dos beneficiários finais, em primeiro lugar, porque têm de ter a noção muito clara do tempo e se conseguem ou não concretizar dentro do prazo que está disponível. Apelo a que os beneficiários finais sejam conscientes. Se entendem que não conseguem concretizar, é preferível não avançar e libertar esta verba.

Por outro lado, depois é uma análise mais global: a conjugação destas recolhas de informação para que em cada um dos beneficiários intermediários e depois, naturalmente, ao nível da estrutura de missão Recuperar Portugal com o Governo, conseguir-se cerzir todos estes investimentos para perceber o que é possível concretizar, que verba vai ser libertada e, nesse caso, se é substituída por investimentos da mesma natureza (e nalguns casos é possível), se teremos de lançar novos concursos ou aproveitar candidaturas que foram concretizadas, mas que, por falta de financiamento nessa medida, não foi possível financiar. É um processo complexo, muito exigente e que tem de ser feito em pouco tempo.

Sejamos claros, muito poucos concursos foram lançados até este momento. Há menos de dez concursos que foram lançados e poucos se iniciaram.

Na sua passagem pela Madeira chamou a atenção para o facto de que ainda haver 30% dos concursos por lançar no âmbito do PRR. Ainda vamos a tempo? Já começa a ser preocupante?

No caso dos 30% estava a falar no contexto específico da Região Autónoma da Madeira. Nalguns casos, urge lançar os procedimentos nos próximos dois meses. Dou-lhe um exemplo: passando para o continente, no caso das escolas, que é um programa complexo, se as autarquias não lançarem os concursos para a construção das escolas nos próximos dois três meses…

O período de verão a que o ministro da Coesão se referia aquando da assinatura dos contratos com os municípios.

Exatamente. Embora sejamos claros, muito poucos concursos foram lançados até este momento. Há menos de dez concursos que foram lançados e poucos se iniciaram. Em Ferreira do Zêzere, as obras iniciaram-se no passado dia 4 de setembro, porque eram processos mais avançados. Há outras autarquias, cujas candidaturas já tinham sido financiadas pelo PT2020 e que passaram para o PRR, onde a construção é possível e será muito rápida a sua concretização.

Agora, a larga maioria, na melhor das hipóteses, iniciará a obra até final do ano. Estamos a falar num período nunca inferior a dois meses. Este é um processo muito exigente. Nalguns casos, a concretização dos investimentos, se não foram lançados em breve, torna muito difícil, dependendo dos métodos construtivos. Mas a percentagem de recurso à construção modular é relativamente reduzida, nestes casos são 15 meses. Isto é particularmente complexo e estamos a admitir que todas as obras e os concursos que são lançados obtêm candidaturas por parte das empresas e conseguem cumprir dentro do prazo.

Considera fundamental a revisão da Lei dos Contratos Públicos, como pretende o Executivo?

Não sei se vamos a tempo para este tipo de exigências. Há questões de litigância, que são naturalmente importantes, mas uma revisão profunda, com impactos, já gera poucos resultados no âmbito do PRR. Há questões que naturalmente têm de ser dirimidas, não conheço a proposta, mas vão ser alterações cirúrgicas.

Uma revisão profunda do Código da Contratação Pública exige uma discussão pública muito forte, até porque há diferentes atores envolvidos e, sinceramente, acho que não há tempo para que tenha impacto significativo no PRR. Aliás, uma parte significativa da contratação também já está feita. O impacto seria muito mais reduzido do que poderia ter sido se, a priori, houvesse uma outra lógica como alguns países europeus tiveram.

  • Diogo Simões
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