"Está na altura de os governos se interrogarem porque é que os processos de revisão dos PDM são tão morosos e, nalguns casos, verdadeiros pesadelos administrativos", adverte a autarca de Almada.
Defensora da revisão da Lei das Finanças Locais de modo a “ser adaptada às verdadeiras competências dos municípios”, a presidente da câmara de Almada (PS) diz que ainda é cedo para anunciar a candidatura a um terceiro e último mandato à frente do município. A antiga atriz e realizadora de cinema quer uma nova travessia do Tejo, por ponte ou túnel, e captar mais investimento para o concelho.
Numa altura em que as câmaras do país estão a rever os Planos Diretores Municipais (PDM), Inês de Medeiros diz que “está na altura de os governos se interrogarem porque é que os processos de revisão dos PDM são tão morosos e, nalguns casos, verdadeiros pesadelos administrativos”. Aliás, a autarca socialista tem “dificuldade em entender porque é que entidades maiores, em termos de responsabilidade de gestão do território nacional, estão com pareceres que são contraditórios entre si”.
A Lei das Finanças Locais deveria ser alterada?
O anterior Governo já fez algo que é de notar, que é respeitá-la, mas deve ser revista. A Lei das Finanças Locais deve ser adaptada às verdadeiras competências que os municípios têm. Deve ser devidamente adaptada até ao fim do processo de transferência de competências. Portanto, isto tem de entrar num regime de normalização e já não de transição. Tem de ser adaptada também à realidade, à própria inflação e às competências que estão protocoladas [no âmbito do processo de descentralização] e a todas aquelas que, no fundo, vão evoluindo e que vamos redescobrindo na sua variabilidade. Nomeadamente os apoios sociais, que são uma questão muito sensível.
A revisão da Lei das Finanças Locais não é só uma questão de financiamento. É imperioso termos uma verdadeira reflexão sobre as leis que estão na base dos instrumentos de gestão territorial. Aí é que era necessário um simplex urgente para a articulação plena das leis do solo, da água, das florestas. Há uma série de decretos regulamentares que, às vezes, nem sequer são coerentes entre si. Confiam tanto nos municípios para tanta coisa; só não confiam nos municípios para gerir o seu próprio território. Tenho muitas dúvidas sobre a coerência desta matéria.
Era necessário um simplex urgente para a articulação plena das leis do solo, da água, das florestas. Há uma série de decretos regulamentares que, às vezes, nem sequer são coerentes entre si. Confiam tanto nos municípios para tanta coisa; só não confiam nos municípios para gerir o seu próprio território.
O que pensa da revisão da lei dos solos, cujo avanço o ministro das Infraestruturas já apontou para setembro?
É urgente. A revisão da lei dos solos é de grande preocupação, porque, como sabe, estão a decorrer prazos para as revisões dos Planos Diretores Municipais (PDM). Está na altura de os governos se interrogarem porque é que os processos de revisão dos PDM são tão morosos e, nalguns casos, verdadeiros pesadelos administrativos.
É suposto o PDM ter uma temporalidade de dez anos e a sua revisão ser algo diário. E só não o é porque as próprias entidades que têm de dar pareceres não concordam entre si. Portanto, os municípios continuam a não poder decidir sobre o seu território. E as entidades que dão pareceres — uns vinculativos, outros não — também são contraditórias entre elas, sendo que todas elas representam o Estado.
A lei obriga à revisão do PDM para incorporação das regras de classificação e qualificação do solo. Qual o ponto da situação em Almada?
O PDM de Almada já foi entregue. Teve um primeiro parecer positivo condicionado. Nas condicionantes foi necessário refazer uma série de estudos, que já estão feitos e que foram entregues. Tivemos já uma nova reunião de concertação. Para já não vou fazer sequer comentários. Talvez faça um artigo [de opinião] se isto não se resolver.
Neste momento, até eu tenho dificuldade em entender porque é que entidades maiores, em termos de responsabilidade de gestão do território nacional, estão com pareceres que são contraditórios entre si. Mas da nossa parte já entregámos e aguardamos respostas.
Até eu tenho dificuldade em entender porque é que entidades maiores, em termos de responsabilidade de gestão do território nacional, estão com pareceres que são contraditórios entre si.
Quais são as grandes diferenças em relação ao PDM em vigor?
São muitas. Isso era outra entrevista porque o nosso PDM ainda era de primeira geração, infelizmente. Foi um PDM construído em 1993 e publicado em 1997. Estava totalmente desadequado. Era, aliás, um PDM com mapas ainda em fotocópias.
A grande diferença é a adaptação ao novo quadro legislativo, que foi evoluindo ao longo dos anos. É um PDM que responde aos grandes desafios de acompanhar o crescimento do território de Almada a vários níveis, apostando num desenvolvimento sustentável e que possa promover, simultaneamente, a criação de habitação. Mas que também seja um grande estímulo à atividade económica num perfil mais adequado. O PDM de Almada ainda estava construído a pensar na indústria pesada, que é algo que, hoje em dia, não se afigura sequer realista no coração da área metropolitana.
Há uma grande aposta na preservação e até nas áreas protegidas, que também são uma mais-valia: a beleza das nossas praias, da nossa arriba. Por isso, é um PDM que aposta muito num novo tipo de urbanismo menos condensado, com a criação de mais corredores verdes e com a primazia a tudo o que sejam transportes públicos e alternativos, à extensão do metro, novas travessias do rio e uma maior coerência e integração da própria área metropolitana. É um projeto que responde às necessidades do que é a realidade do território de Almada hoje.
O que falta fazer em Almada em termos de acessibilidades e mobilidade?
Almada melhorou muito. Tínhamos zonas inteiras do território que praticamente não tinham transporte público, como Charneca da Caparica e Sobreda. Graças ao Navegante, Almada é, aliás, dos municípios que tem melhores números na utilização do transporte público. Quase duplicamos a nossa oferta em termos rodoviários graças à nova rede que foi estabelecida e, naturalmente, ao Navegante, que foi uma grande evolução ao nível das políticas públicas para o transporte público. O que é que falta? Acho que falta a extensão do metro, sem dúvida nenhuma.
Essa expansão do metro até à Costa da Caparica e Trafaria deverá arrancar dentro de cinco a sete anos, segundo o Ministério das Infraestruturas. Qual a importância?
É fundamental. Quando se diz que vai até à Trafaria é para poder também fazer a ligação aos barcos que partem da Trafaria e passam por Porto Brandão. E é numa lógica de criar uma resposta integrada no âmbito do transporte público. Além da ligação à grande zona de desenvolvimento de Almada, ao grande projeto Innovation District, à volta da Universidade Nova.
Por outro lado, parece fundamental o reforço da oferta de navios. Temos estado em conversações com a Transtejo, que concorda com um reforço muito significativo das carreiras que partem da Trafaria e de Porto Brandão. Temos proposto três possibilidades que devem funcionar como interface: o cais Sodré ou Alcântara, que vai ter a linha vermelha do metro, ou mesmo Algés porque também é um interface importante.
Mas tudo isso só será verdadeiramente coerente se, em simultâneo, se começar a pensar seriamente numa nova travessia do rio, seja por ponte, seja por túnel. Que possa ser uma travessia rodoviária, mas também com forte predomínio do transporte público, ou seja, que haja uma ligação via metro pelo rio.
É fundamental o reforço da oferta de navios. Temos estado em conversações com a Transtejo, que concorda com um reforço muito significativo das carreiras que partem da Trafaria e de Porto Brandão.
Por outro lado, qual a atratividade de Almada para as empresas?
É verdade que com todos os projetos que temos em cima da mesa, nomeadamente com o Innovation District, que tem uma fortíssima componente de serviços e de inovação, esperamos que haja uma cada vez maior atratividade de empresas. E se avançar o Arco Ribeirinho Sul, nos antigos terrenos da Lisnave — que também tem uma forte componente empresarial, além de habitacional –, acredito que o desenvolvimento da Área Metropolitana de Lisboa neste momento se faz nos municípios deste lado do rio.
As pessoas querem estar junto ao centro da área metropolitana. O município mais próximo é Almada. Além do mais, temos a sorte de ter o segundo maior campus universitário, que é a Faculdade de Ciências e Tecnologias da Nova. E ainda temos a Faculdade Egas Moniz que também tem um impacto muito grande.
Almada, neste momento, está a chegar ao ponto em que tem todos os ingredientes para fazer aquilo a que chamamos a “nova cidade”. As empresas internacionais que temos recebido querem espaço para trabalhar, mas também espaços onde se possa residir e, portanto, uma forte componente de trabalho, vida, lazer, cultura, desporto. É a tal “cidade dos 15 minutos”. Almada tem uma situação privilegiada porque ainda tem muito espaço para crescer e, justamente, nesta lógica sustentável e de proximidade. São sete minutos de percurso entre Almada e Lisboa, seja de barco ou de comboio.
A câmara tem captado novo investimento estrangeiro?
Os investidores estrangeiros procuram mais as áreas do turismo e da habitação. Temos cada vez mais comunidades estrangeiras instaladas, em particular na Costa da Caparica. Na parte empresarial temos tido muita procura ao nível do Innovation District, mas uma parte importante depende da revisão do PDM. Portanto, para nós é uma prioridade absoluta concluir o processo do PDM, se o Estado não criar mais entraves.
Os investidores estrangeiros procuram mais as áreas do turismo e da habitação.
Atribuem benefícios ficais para atrair empresas para o concelho?
Investir em Almada já é uma vantagem pela sua localização, infraestruturas e projetos. Tínhamos antigamente incentivos fiscais para empresas com mais de 150 trabalhadores. Neste momento, existem incentivos fiscais para empresas a partir de cinco trabalhadores. Já criámos uma série de incentivos fiscais para empresas de pequena, média e, naturalmente, de grande dimensão, sendo que também há um limite.
Qual é a posição de Almada em relação a novo aeroporto da região?
Somos sempre favoráveis a projetos que desenvolvam esta região da Península de Setúbal. Preocupa-nos é que todos estejamos preparados em termos de infraestruturas, mas também de respostas. Por exemplo, ao nível de empresas. Não tenho dúvidas de que um aeroporto deste lado será uma mais-valia. Se soubermos criar as infraestruturas de mobilidade que possam escoar, no bom sentido, o impacto que o novo aeroporto vai gerar, não tenho dúvidas de que é uma necessidade absoluta a vários níveis.
Tenciona candidatar-se a um terceiro e último mandato?
Logo se vê. Ainda é cedo.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Lei das Finanças Locais deve ser adaptada às verdadeiras competências dos municípios”
{{ noCommentsLabel }}