Presidente da Recuperar Portugal acredita que será possível executar todo o PRR até 2026. Mas Fernando Alfaiate admite que a concretização do 9.º e 10.º pedidos de pagamento é um "desafio enorme".
Fernando Alfaiate está confiante que será possível executar a totalidade dos 22,2 mil milhões de euros do Plano Recuperação e Resiliência (PRR), incluindo a componente dos empréstimos. O presidente da estrutura de missão Recuperar Portugal recorda que, em caso de necessidade, é possível voltar a ajustar a reprogramação da bazuca.
“Aquilo que me preocupa é o desafio enorme que continua a ter o PRR: a concretização exatamente do nono e décimo pedido de pagamento” que representarem “cerca de 48% de todos os marcos e metas”. “Não tenho indicação, à data de hoje, de dificuldades de concretização, porque se existissem teríamos feito esse ajustamento agora na reprogramação”, diz Fernando Alfaiate no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO. “Não quer dizer que ela não venha a existir num futuro próximo. Estaremos sempre aptos a utilizar o mecanismo de gestão que é o ajustamento da reprogramação”, sublinha.
Apesar de todos os passos que possam ser dados para acelerar a execução dos fundos europeus, o presidente da Recuperar Portugal, que celebra quatro anos de existência (foi criada da 4 de maio de 2021), considera que “a margem de manobra ao nível das alterações das regras da contratação pública “é muito reduzida”, “porque a orientação decorre de diretivas comunitárias”. “Nesse aspeto, os graus de liberdade não são muito elevados”, lamenta.
Portugal espera o desembolso do sexto cheque do PRR. Está confiante de que a Comissão dará luz verde em breve?
Estou confiante. Aguardamos agora pela publicação e pela confirmação do Conselho Europeu sobre a reprogramação. Em abril tivemos a aprovação da Comissão Europeia, uma avaliação positiva sobre a reprogramação financeira. Há lugar agora a uma tramitação de aprovação e formalização dessa decisão que culminará com a decisão do Conselho Europeu para a publicação e depois da nova decisão de execução do PRR. Isso acontecerá em meados de maio e, na sequência dessa formalização e publicação da nova decisão, poderá então haver lugar ao sexto desembolso. Há sempre muitas questões que nos vão sendo colocadas pela Comissão Europeia, quando apresentamos ou submetemos um novo pedido. A indicação que tenho é que não existirão problemas, algumas situações apenas.
Até porque do sexto pedido de pagamento foram retiradas as metas e marcos que não estavam cumpridos, no âmbito da reprogramação. E o sétimo já tem as metas e marcos quase todos cumpridos? Embora, tecnicamente não possamos submeter um novo pedido enquanto o sexto não for pago.
Poderíamos fazê-lo, mas ainda não temos uma decisão formalmente publicada com o acerto que decorre da reprogramação. Só o poderemos fazer quando tivermos essa nova decisão. Como refere bem houve acertos, havia marcos que estavam relacionados com aqueles investimentos que acabaram por ser retirados, como o metro ligeiro de superfície…
A linha violeta?
Exatamente, e esse era um dos casos que acabou por ser retirado do sexto pedido de pagamento. Houve esse ajustamento, houve uma série também de alterações decorrentes da nossa proposta de submissão da reprogramação, que tem a ver essencialmente com uma orientação que a Comissão Europeia está a fazer em todos os Estados-membros. Não é só Portugal que está a fazer este exercício. São exercícios que estão a ser concretizados porque estamos a falar de planeamento e a função do planeamento é isso mesmo, é corrigir desvios que vão acontecendo. Num plano há sempre situações que precisam de ser ajustadas e as reprogramações existem exatamente por isso. A Comissão Europeia, em julho do ano passado, publicou orientações para reduzir alguma carga burocrática que se deteta neste mecanismo e que tem a ver com a comprovação dos marcos e metas. Eu que já vivi numa fase de execução através da despesa e que fiquei muito contente quando vim para o PRR, porque esta seria uma forma facilitadora de comprovar a execução à Comissão Europeia, hoje noto que não é bem assim.
Não é tão facilitadora.
Não é tão facilitadora e tem desafios pela frente, nomeadamente, aquilo que é necessário afinar nesta metodologia.
Fiquei muito contente quando vim para o PRR, porque esta seria uma forma facilitadora de comprovar a execução à Comissão Europeia, hoje noto que não é bem assim. Não é tão facilitadora e tem desafios pela frente.
Tendo em conta que teve a experiência dos dois lados, acompanha as críticas, sobretudo do Tribunal de Contas Europeu, de que o controle da execução como existe no PRR é menor face ao tradicional perante a validação de faturas?
Não, não acompanho esse entendimento. Desde logo porque é aí que reside essencialmente a carga adicional de custo administrativo. Temos, obviamente, uma preocupação adicional: as obras, os investimentos, não basta serem pagos, têm de estar a funcionar. As casas, quando são feitas, têm de estar entregues. Uma instalação tem de estar a funcionar. Há aqui uma comprovação adicional sobre essa matéria.
Outra questão é ter de comprovar a boa aplicação e a boa execução da despesa. Mas isso, do ponto de vista de controle e gestão de controle interno nacional, ela também já existe. Existe a contratação pública, o Tribunal de Contas e a Inspeção Geral de Finanças, que faz a comprovação de toda essa matéria. Ela não é relegada, não é colocada de parte, ela existe na mesma. Temos aqui uma camada adicional, e é aquela que nos preocupa, porque é essa que vai trazer e possibilitar o desembolso da União Europeia para cá. Mas não podemos baixar o nível de controlo, para comprovar a boa aplicação dos fundos europeus.
Sente que é mesmo necessário Portugal alterar as regras da contratação pública para que a execução dos fundos possa ser feita de forma mais célebre?
A margem de manobra aí é muito reduzida, porque a orientação decorre de diretivas comunitárias. E, nesse aspeto, os graus de liberdade não são muito elevados. Já foram dados alguns passos no sentido de simplificar aquilo que é possível. Recentemente, muito ajudou a questão da dispensa do visto do Tribunal de Contas, da questão relacionada com a revisão de custos. Isso tem ajudado bastante. Falando com beneficiários finais, dão-me nota que, por vezes, em determinadas situações, isso pode representar quatro a cinco meses em termos de concretização.
Aceleração da execução.
Para além disso, obviamente que devemos estar sempre atentos. Mas não é propriamente a minha matéria de especialidade. Mas atentos a uma análise mais em termos jurídicos, ou legais, que venha permitir medidas simplificadoras, obviamente sem descurar a necessidade da boa aplicação da contratação pública, porque a Comissão Europeia, e a parte da Auditoria, está muito atenta sobre essa matéria e sempre que há alguma medida simplificadora, há sempre também um elevar do nível de escrutínio e de auditoria por parte da Comissão Europeia sobre essas medidas.
A margem de manobra [para alterar as regras da contratação pública] é muito reduzida, porque a orientação decorre de diretivas comunitárias. E, nesse aspeto, os graus de liberdade não são muito elevados.
Voltando ao sétimo cheque, acha que o pedido de desembolso acontecerá durante o mês de maio?
Temos essa expectativa, vai decorrer também do calendário que temos de acertar com a Comissão Europeia, porque, em boa verdade, há sempre uma articulação que tem de ser feita proximamente com eles. A estrutura de missão Recuperar Portugal tem essa competência e faz essa articulação diária. Porque existe uma carga de trabalho excessiva do lado da Comissão Europeia e temos de acertar com eles a disponibilidade das equipas em termos de avaliação. Uma avaliação que costumamos fazer por prevenção e que tem dado sempre certo. Já vamos no sétimo pedido de pagamento. Se essa metodologia está a resultar, devemos aplicá-la: antes de submetermos o pedido, fazemos uma validação informal que tem ajudado bastante porque é uma via verde para, depois quando submetemos, estar tudo certo.
Tendo em conta a reprogramação, que retirou os stresses mais evidentes, há alguma medida, neste momento, que o preocupa em termos de calendário e de capacidade de execução?
Aquilo que me preocupa é o desafio enorme que continua a ter o PRR: a concretização exatamente do nono e décimo pedido de pagamento, que têm todos os marcos finais dos investimentos. Não poderia ser de outra maneira.
Foi tentar ganhar o máximo tempo possível para executar esses mesmos investimentos.
Esta metodologia que a Comissão Europeia tem revelado — retirar alguns marcos e metas intermédios para baixar a carga burocrática — acentuou mais a situação em concreto que já existia, de o nono e décimo pedido de pagamento representarem cerca de 48% de todos os marcos e metas. Não tenho indicação, à data de hoje, de dificuldades de concretização, porque se existissem teríamos feito esse ajustamento agora na reprogramação. Não quer dizer que ela não venha a existir num futuro próximo. Estaremos sempre aptos a utilizar o mecanismo de gestão que é o ajustamento da reprogramação para garantir que Portugal irá captar todos os…
Esse ajustamento significa o quê?
Esse ajustamento é um exercício de reprogramação em si. Ele existe e, portanto…
Ou seja, até à submissão do décimo pedido, ainda podemos pedir a Bruxelas para retirar investimentos do PRR? Passá-los da área das subvenções para a área dos empréstimos?
A gestão é mesmo isso, ou seja, ela existe, está prevista e, portanto, se acontecer algum incidente, algum obstáculo que leva à não concretização do investimento, estamos sempre alerta no sentido de fazer essa alteração. O objetivo das cerca de 80 entidades públicas que trabalham na implementação destes investimentos é maximizar e aproveitar os fundos disponíveis na íntegra, fazendo os ajustamentos que tenham de ser feitos sobre essa matéria.

Vamos mesmo conseguir executar na íntegra os 22,2 mil milhões de euros, incluindo os 5,8 mil milhões em empréstimos?
Os dados que tenho à data de hoje levam-me a crer que temos capacidade de o fazer. Em toda a ligação que fazemos de monitorização e acompanhamento, temos sempre garantido que a exequibilidade destes investimentos é possível nas datas previstas. Sabemos que o maior desafio é a data, a concretização, que está a ser um ponto inalterável. Sabemos que temos de submeter o décimo pedido de pagamento em setembro de 2026. Isso é inevitável.
Parece-lhe mesmo que Bruxelas não vai ceder, mesmo com os atrasos mais substanciais dos outros Estados-membros?
Os pedidos têm chegado por todos os lados. O mecanismo — a necessidade de haver uma decisão unânime sobre a condição de recursos financeiros adicionais e o seu compromisso até final de 2026 — leva a que não exista possibilidade no horizonte que temos visível e das notícias nos chegam de concretização. Bruxelas tem sido muito, muito reta e…
Intransigente.
Intransigente é a palavra.
As alterações à lei da imigração que estão em cima da mesa, nomeadamente a introdução desta via verde, poderá ser a solução para os atrasos que algumas das obras têm vindo a sofrer por falta de mão de obra?
Verdadeiramente, todos estes investimentos que o PRR tem introduzido na área da habitação, da saúde, vieram a ter um impacto elevado a nível do setor da construção. Algumas situações que têm sofrido atrasos têm a ver com o sobreaquecimento que foi gerado pelo lado da oferta de construção. Houve uma série de medidas que têm vindo a ser tomadas, entre as quais essa, que ajudam a colmatar e a facilitar a introdução no mercado de mais mão-de-obra, porque é esse um dos obstáculos que se observa na concretização de alguns investimentos.
A medida vem a tempo?
A medida vem sempre a tempo. Mesmo que não seja para o PRR poderá ser depois para o PT2030. Quando falamos de habitação, não podemos só focar no objetivo do que está no PRR — que é grande, são 26000 habitações. Continuamos a querer concretizar esse objetivo. Em reunião que tivemos recentemente, o IHRU fez um ponto de situação muito claro sobre essa matéria. Aquilo que noto é que há grande probabilidade, digamos assim, de concretização de todo esse objetivo.
E já houve alguma aceleração em relação ao número de casas entregues?
Sim. Tivemos uma meta intermédia ao nível do número de casas entregues. Há uma vantagem aqui: já testámos o mecanismo de comprovação, porque é uma coisa nova. Levámos muito tempo entre IHRU, estrutura de missão e Comissão Europeia, para conseguir testar verdadeiramente como se comprova a entrega das casas. Houve uma auditoria recente da própria Comissão Europeia que esteve aqui, visitou habitações, a entrega das casas às famílias. Teve uma amostra elevada de visitas no local. É sempre uma coisa nova, fazer este tipo de inspeção.
Visita ao terreno.
Visita ao terreno por parte da auditoria, entrar numa casa de habitação social, falar com a família. Mas há critérios que precisam de ser testados, se estão a ser utilizados devidamente para o efeito, se há sobrelotação da casa ou outras situações que podem decorrer do facto de uma família sem recursos lhe ter sido entregue uma habitação para viver. Há outras comprovações que têm de ser vistas, que têm a ver com o nível de qualidade e de eficiência energética da construção, que está muito ligada também a um critério previsto no PRR. Já conseguimos fazer esse trabalho, que foi importante, e nos dá agora uma capacidade mais facilitadora de articulação, porque é um trabalho agora em massa. Comprovámos as primeiras que foram entregues e vamos prosseguir.
Agora há mais quantas casas para comprovar?
Há mais cerca de 20.000.
No âmbito da reprogramação, a Comissão Europeia não aceitou a totalidade das propostas nacionais. Já disse que foram feitos pequenos ajustes. Pode-nos dar alguns exemplos?
Não houve grandes alterações sobre essa matéria, que mereçam um destaque. Mas poderemos olhar para aquilo que foi alteração de metodologia que tem a ver com retirar um conjunto de marcos e metas intermédios e que foi uma proposta que veio também do lado da Comissão. Embora já tivéssemos uma proposta não tão ambiciosa como a deles sobre essa matéria, conseguimos encontrar ali um ponto de equilíbrio. Houve pequenos ajustamentos relacionados com estimativas de custos. Quando apresentamos um novo investimento, temos de o discutir para comprovar qual a metodologia implícita que está sobre aquele valor. Houve um pequeno investimento, de cerca de nove milhões, que tinha a ver com fábricas de gelo na Doca Pesca, que acabou por ser retirado porque não havia capacidade para demonstrar quer a metodologia de custo, quer também questões relacionadas com não prejudicar significativamente o ambiente para a utilização do recurso, que era a água. Houve dúvidas que a Comissão levantou, e para não atrasar todo o processo, acabámos por retirar esse investimento. Que era um investimento novo, que estava a ser discutido.
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