As instalações desportivas em Braga são um caso bicudo e até há um "caso de polícia", que o atual executivo amenizou, não tanto quanto queria, responsabilidade de Mário Centeno, aponta Ricardo Rio.
Há um diferendo em Braga que envolve duas infraestruturas desportivas de grande destaque no contexto regional e até no país, o histórico Estádio 1.º de Maio e o Estádio Municipal de Braga, também conhecido como a “Pedreira”, em alusão ao local onde foi construído, aquando do Euro 2004.
Ricardo Rio, autarca desde 2013, afirma-se um claro defensor do histórico Estádio 1.º de Maio, infraestrutura erguida durante o Estado Novo e que foi preterida aquando do campeonato europeu de futebol que se realizou em Portugal no início do século, em favor de uma nova obra, a “Pedreira”, desenhada por Eduardo Souto Moura e que, diz o presidente da autarquia em entrevista ao ECO/Local Online, acabou por custar o triplo do inicialmente previsto, num investimento que totalizou 200 milhões de euros.
Em simultâneo, o consagrado 1.º de Maio exige obras de requalificação, às quais a autarquia tem de responder, e para as quais pretende angariar fundos na venda do Estádio Municipal, negócio em que o Sporting Clube de Braga se recusa entrar, exigindo antes a simples transferência de propriedade para o clube (na assembleia-geral do clube, em outubro, Salvador disse que “obviamente, não pode o clube suportar o eventual valor de aquisição, assim como não pode gerar as verbas necessárias para a sua manutenção e a sua modernização. Desta forma, o único caminho que vejo passa pela cedência da propriedade ao Sporting de Braga, que, via protocolo com a SAD, deve salvaguardar a utilização do estádio por esta”). Contudo, Ricardo Rio tem uma opinião firme e um número fixado para início de conversa: 20 milhões.
Ao fim de 12 anos de mandato, que obra ficou por fazer?
O maior inconseguimento é claramente o estádio municipal, o Estádio 1.º de Maio. Temos o estádio novo, que estrategicamente, na minha perspetiva e da minha equipa, sempre foi que deveríamos aliená-lo.
Já tem quem pague os 20 milhões que exige para a venda?
Não temos. Eu acho que o comprador natural seria claramente o Sporting Clube de Braga, que não quer pagar esse valor, quer pagar menos.
Quem poderia pagar? Um fundo de investimento?
No passado era essa a nossa perspetiva. Isso hoje faz menos sentido, atendendo a que até por força da contiguidade do estádio com a cidade desportiva, faz todo o sentido que o estádio seja um projeto alocado ao desenvolvimento do clube. Agora, não acho que se possa entregar o estádio de mão beijada, sem qualquer tipo de comparticipação, como alguns defenderam. Não podemos esquecer esta mácula, esta nódoa que temos de um investimento de 200 milhões de euros que foram afetos a este projeto. Obviamente que não estamos a pensar recuperar nem parte relevante sequer desse investimento, mas atendendo àquilo que é o seu valor – não lhe chamaria de mercado, que é um bocadinho diferente disso que está em causa – e os custos de manutenção que ele vai suportar no futuro, os 20 milhões, ou um valor próximo disso, teria que ser sempre, na minha perspetiva.

A opção por um estádio novo para o EURO 2004 foi uma decisão ruinosa para Braga?
Não foi ruinosa a ideia de trazer [o EURO] para Braga. Se eu tivesse sido presidente [da câmara nessa altura], levaria até às últimas consequências a ideia de que deveríamos ter reabilitado o 1.º de Maio, que é outro problema que nós temos. Temos um estádio que está neste momento a sofrer patologias infraestruturais graves, que é monumento nacional, e que tem ali um potencial enorme para diversos usos. Até esta decisão da venda seria um bocadinho para tentar alavancar o financiamento para a reabilitação do estádio 1.º de Maio.
Eu teria levado ao limite a possibilidade de reabilitar o 1.º de Maio. Admitindo que isso não seria de todo possível, coisa de que eu tenho muitas dúvidas, foi feito um projeto para 65 milhões de euros que custou 200. É uma maneira de gerir o investimento público no mínimo irresponsável, senão criminosa até. Tivemos ao lado uma outra situação também da mesma natureza ou até de dimensão superior, que foi o caso da parceria público-privada que nós estamos agora a liquidar. Em termos de resultado deste mandato, limpar muitos desses esqueletos que recebemos do passado é também um crédito que nós invocamos para estes 13 anos.
Eu teria levado ao limite a possibilidade de reabilitar o 1.º de Maio. Admitindo que isso não seria de todo possível, coisa de que eu tenho muitas dúvidas, foi feito um projeto [do novo estádio] para 65 milhões de euros que custou 200. É uma maneira de gerir o investimento público no mínimo irresponsável, senão criminosa até
Já têm orçamentada a reabilitação do Estádio 1.º de Maio?
Há um projeto de reabilitação, custa cerca de 20 a 25 de milhões de euros, dependendo das valências que possam ser incorporadas, em fase de sinalização. Gostaríamos de ter esse dinheiro da venda do outro estádio para iniciar este projeto. Se não se concretizar a venda, terão que ser encontradas outras fontes de financiamento. Agora, que me parece fundamental reabilitar aquele estádio, parece, não apenas por fins desportivos.
Nós não podemos trazer os Coldplay nem os Guns ‘N Roses porque não temos nenhuma infraestrutura que comporte esse tipo de dinâmicas. A cidade justifica esse tipo de condições e, portanto, quer do ponto de vista desportivo, quer do ponto de vista cultural, o estádio 1.º de Maio reabilitado pode ser uma grande alavanca também.
Quanto custará a manutenção dos dois estádios à Câmara?
Neste momento, no outro, estamos a gastar cerca de meio milhão de euros. Neste, os valores hoje são relativamente irrisórios, depois de reabilitado admito que será necessário 150 mil euros.

Quanto paga o Sporting Clube de Braga?
Paga os custos de funcionamento, como eu acho que sempre teria que ser. A verdade é que o modelo de cedência não consagra nenhum pagamento de relevo por parte do clube. Foi na altura gizado um expediente para tentar recuperar o IVA, em que não foi deduzido o período da construção – aliás, contra a minha vontade, porque eu recomendei, enquanto vereador da oposição, que Braga tivesse seguido o modelo de Aveiro, de Leiria e de Coimbra, de criação de empresas municipais para gerir a construção do estádio. A Câmara não, quis mantê-lo no perímetro municipal, não conseguiu deduzir o IVA e depois usou um expediente de celebração de um contrato de arrendamento de 500 euros por mês para tentar fazer essa essa mesma dedução, não conseguiu e acabámos por manter essa ligação até hoje.
Recomendei, enquanto vereador da oposição, que Braga tivesse seguido o modelo de Aveiro, de Leiria e de Coimbra, de criação de empresas municipais para gerir a construção do estádio. A Câmara não, quis mantê-lo no perímetro municipal
Referiu há pouco uma PPP feita pelo seu antecessor que designou de “esqueleto”.
A PPP de Braga, um caso de polícia, como eu lhe chamei muitas vezes. Foi em 2008, na antecâmara das últimas eleições autárquicas em que o anterior presidente pôde concorrer. Para concretizar um conjunto de investimentos na altura de 65 milhões de euros, sobretudo em infraestruturas desportivas, campos de futebol que iriam ser relvados, que iriam ter bancadas e balneários, em vez de se socorrer do financiamento – para o qual a câmara até tinha capacidade de endividamento – foi gizado um modelo de criação de uma sociedade veículo ao qual a câmara entregou os imóveis, a sociedade veículo endividou-se, fez as obras, de acordo com os parceiros privados que tomaram a posição nessa sociedade veículo, portanto, sem concurso público adicional que não esse inicial. Houve logo ali uma alocação de um bolo de obras a essas mesmas empresas e depois havia a celebração de contratos de arrendamento de 25 anos com o município para usufruto dessas infraestruturas renovadas.
O modelo financeiro era absolutamente ruinoso porque estamos a falar de contratos que representavam 65 milhões de euros. Não foram feitos os 65 milhões, até porque eu, quando fui eleito, travei muitos dos projetos que estavam nesse pacote. Foram feitos, do plano inicial, 35, esses 35 na verdade custaram 45, e do ponto de vista das vendas, tinham um plano de rendas de mais de 150 milhões de euros durante os 25 anos.
É uma yield considerável.
É uma yield que eu gostaria, como investidor, de ter, como pagante não achei tanta piada, mas tive que o suportar e a verdade é que esse foi um processo que eu andei a pagar durante muitos anos.
E quanto é que acabou por custar à Câmara?
Teremos afeto a esse projeto quase 110 milhões de euros. Poupámos já nesta fase final cerca de 30. Se ele tivesse sido viabilizado essa liquidação mais cedo pelo então ministro Mário Centeno, teríamos poupado cerca de 80 milhões. Ele preferiu manter essa despesa. Até há um dado curioso, porque ainda recentemente saiu uma notícia sobre o nível de endividamento das câmaras. Na verdade, a Câmara de Braga tem uma dívida muito menor do que aquela que tinha em 2013. Só que em 2013 não estava refletida nas contas porque essa dívida da parceria público-privada estava escondida debaixo do tapete.
Estava fora do perímetro da câmara?
Fora do perímetro e não entrava para a contabilidade da Câmara, mas existia e não podíamos anulá-lo.
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“Não se pode entregar o estádio de mão beijada” ao Sporting Clube de Braga
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