“O PS tem um quadro de princípios e valores de que não pode nunca abdicar”

Um autarca alegadamente agressor da companheira, outro que recusa mesquitas na sua autarquia e ainda aquele que usou o veículo da câmara para uso pessoal. O coordenador autárquico do PS recusa ceder.

Maior partido autárquico no país, o PS enfrenta casos entre os seus autarcas que ora envolvem a justiça, ora colidem com os seus princípios históricos. Em Vizela, a estrutura local impõe a recandidatura do atual presidente, envolvido num caso de alegada violência doméstica. Em Benavente, há acusações de intolerância religiosa contra o presidente socialista da câmara. Ainda na memória, o caso da autarca de Alpiarça que acusou munícipes de receberem apoios sociais ao mesmo tempo que exibem sinais exteriores de riqueza. Já este mês, Gaia viu o seu presidente de 12 anos renunciar por uso indevido do automóvel da câmara.

André Rijo, coordenador autárquico socialista, não foge a nenhuma das questões em entrevista ao ECO/Local Online, deixa alertas àqueles que venham a governar pelo partido e não se exime a criticar a justiça por algumas das suas decisões. “O caso do Eduardo Vítor é o peculato de uso de uma viatura. Não está em causa matéria de prova que tenha que ver com a utilização indevida de dinheiros públicos para favorecimento próprio, para enriquecimento do seu património. Não estamos a falar de corrupção ativa. É quase bagatelar”, analisa o jurista.

André Rijo, coordenador autárquico do PS, em entrevista ao ECO/Local OnlineHugo Amaral/ECO

O PS surge nestas eleições com alguns casos embaraçosos, Sónia Sanfona em Alpiarça a fazer observações sobre as posses de munícipes beneficiários de apoio social, o autarca de Benavente a assegurar não querer uma mesquita no município, o autarca de Vizela envolvido num caso de violência doméstica. Em Vizela, o PS nem terá candidato. Num momento de discursos extremados, o PS nacional pode retirar confiança política aos seus autarcas, ou as estruturas locais impõem-se aos valores históricos do partido?

Essa é uma questão relevante e agradeço a oportunidade para falar sobre esse tema de forma o mais clara possível. Os estatutos do Partido Socialista conferem um grau de autonomia muito elevado às concelhias e às federações naquilo que é o processo de designação de candidatos. No entanto, o quadro de princípios e valores do Partido Socialista aplica-se a todos os militantes e a todas as candidaturas que representem o partido. Os estatutos do Partido Socialista também conferem alguns poderes aos órgãos nacionais e supraconcelhios, federativos também, no que diz respeito à avocação de alguns processos.

Em alguns casos, nós atuaremos em conformidade. Os estatutos do Partido Socialista aplicam-se a todo o território do país e, se necessário for haver intervenção, será feita. No caso concreto da autarca de Alpiarça, a estrutura federativa atuou reiterando a confiança política na autarca. Enfim, nós poderemos ter declarações infelizes, podemos ter momentos infelizes. Eu próprio, nesta entrevista, posso produzir alguma declaração de que me venha a arrepender momentos depois de as ter proferido.

O Partido Socialista é um partido exigente, naturalmente, no cumprimento dos seus princípios de valores e na carta de princípios, mas é um partido também que tem de ser tolerante. E tem de ser tolerante com os seus próprios militantes e dirigentes, e, portanto, todos nós podemos cometer algum deslize ou errar.

No caso de Benavente, foi o que eu acompanhei mais próximo, houve uma ação que não foi feliz. Acho que a primeira parte é irrepreensível, isto é, há um candidato autárquico que diz que para aquele terreno a proposta política que o Partido Socialista defende, e que já tinha apresentado inclusivamente nos órgãos municipais, é a criação de um parque urbano. Isso é legítimo. O que não pode acontecer é dar-se a entender que a construção de uma mesquita seria inviabilizada em qualquer ponto do território do concelho. Essa fronteira, que pode colocar em causa liberdades e direitos fundamentais, como a liberdade religiosa, não pode ser admissível num partido como o Partido Socialista. Aquilo que aconteceu foi que houve, dois dias depois, salvo o erro, um comunicado da estrutura concelhia do Partido Socialista de Benavente que explicou melhor aquilo que pretendia ser dito, através de um comunicado em que apresenta o projeto para a localização dessa suposta mesquita, e que explica muito bem as razões que levam a que naquele local a prioridade seja outra, defendida pelo Partido Socialista legitimamente a nível local. E foi reiterado também, nessa mesma ocasião, que o Partido Socialista de Benavente é comprometido com os valores da liberdade religiosa e com direitos fundamentais como a liberdade religiosa. Da parte da direção nacional do Partido Socialista, essa última declaração é a que conta, e portanto, é essa declaração que permite que a confiança política no candidato autárquico de Benavente tenha sido mantida. Em ambos os casos, a situação ficou resolvida. Do ponto de vista político, há uma reiteração da confiança política.

Presumindo que o promotor da mesquita, que há dias referiu ter escolhido Samora Correia pelo preço do terreno, escolhe outro terreno no concelho de Benavente, e que a posição do PS local é a mesma, o que fará a estrutura nacional do PS?

Só analisando casos concretos e factos concretos é que podemos analisar a situação completa em termos de comportamento do autarca. Um autarca que no seu comunicado diz claramente que é comprometido com os valores da liberdade religiosa e da tolerância, etc., e se declara, como candidato, à adesão a esse quadro de valores e princípios, aquilo que se espera é que no exercício das suas funções seja coerente com essa declaração. É isso que o Partido Socialista esperará no seu presidente de câmara, se for eleito, como esperamos que seja.

Há depois o caso de alegada violência doméstica em Vizela. A estrutura local não segue a nacional e insiste no apoio ao candidato. Na sequência, o PS não se candidata a Vizela.

Aqui, estamos a falar de questões diferentes. Não tem a ver com o quadro de princípios e de valores do candidato. Tem que ver com a eventual prática de um crime que, para o Partido Socialista, é um crime a que temos que fazer um combate feroz, que é um flagelo neste momento da sociedade portuguesa, a violência doméstica. Os dados do RASI são avassaladores, um dos crimes que está a crescer mais em Portugal é o clima da violência doméstica. E o Partido Socialista tem tido uma posição muito firme, muito forte sobre essa matéria. É certo que também temos que ser justos e perceber que esse cidadão em concreto, o doutor Vitor Hugo Salgado, presidente da Câmara de Vizela, não foi ainda objeto de nenhuma acusação sobre a prática desse crime.

No entanto, o despacho de arquivamento e a forma como o Vítor Hugo Salgado lidou com esse caso através de um comunicado subscrito a meias com a sua companheira, pelo menos assinado por ambos, não permitem que se tire uma conclusão de que aqueles factos são absolutamente falsos, ou seja, que não tenha havido ali um episódio… podemos não o qualificar como violência doméstica, podemos qualificá-lo como ofensa à integridade física, o que seja, não queria estar aqui a particularizar muito em termos de qualificação jurídica do facto, mas, de facto, a forma como se reage ali não permitiu que houvesse segurança de que não existiu matéria relevante e que futuramente não houvesse uma ação penal que pudesse ser condenatória, ou acusatória.

O Secretário-Geral do Partido Socialista, a leitura que fez, foi que este é um tema muito sensível, uma questão muito complexa. É óbvio que uma parte dessa questão é privada, mas, se houver crime de violência doméstica, estamos a falar de um crime de natureza pública.

A opção foi retirar a confiança política, pensando em proteger o Partido Socialista, para que não fique contaminado com uma discussão que nada tem que ver com a definição de políticas públicas para o território. Ficar contaminado com o seu candidato que está suspeito de ser um criminoso que pratica crime de violência doméstica.

Já não tem vencimento no país a máxima de que “entre marido e mulher não se mete a colher”.

Não pode haver. Claramente, o Partido Socialista não pode, não deve, nem quer ficar associado a uma matéria destas. Por outro lado, o princípio da presunção da inocência existe. Mas, nesta fase, o que ponderará mais para a avaliação que o secretário-geral cessante fez, e o presidente do partido também reiterou, foi se existiam ou não condições políticas, perante estas suspeitas, que têm algum fundamento, se deveríamos retirar a confiança política ou não. A opção foi retirar a confiança política, pensando em proteger o Partido Socialista, para que não fique contaminado com uma discussão que nada tem que ver com a definição de políticas públicas para o território. Ficar contaminado com o seu candidato que está suspeito de ser um criminoso que pratica crime de violência doméstica. A opção foi muito clara e, atenção, que o autarca em concreto, é, do ponto de vista do trabalho autárquico, tem feito um trabalho muito meritório e que é objeto do reconhecimento de todas as pessoas sobre e sobretudo, da população de Vizela, que lhe deu ainda na última eleição uma reeleição com 74% de votos, das mais elevadas do país.

É uma decisão difícil de tomar, porque na realidade é uma câmara do Partido Socialista, um presidente de Câmara do Partido Socialista, e que, do ponto de vista de desenvolvimento do trabalho autárquico, foi irrepreensível, aliás, reconhecidamente pela população.

Não obstante, o partido decidiu perder um autarca. E não vai a eleições em Vizela.

O Partido Socialista tem um quadro de princípios e valores de que não pode nunca abdicar e, de facto, não poderíamos contaminar a discussão política sobre Vizela e sobre a candidatura autárquica em Vizela, com esta nuvem negra que paira sobre o candidato em causa e sobre o presidente de câmara. A decisão foi retirar a confiança política. Essa decisão foi comunicada à estrutura local e federativa e resolvemos fazer um plenário de militantes. Numa votação expressiva de 195 votos, contra duas abstenções e dois votos contra, a concelhia de Vizela entendeu que neste momento não tem condições para apresentar listas aos órgãos concelhios e de freguesia em Vizela. Porquê? Para termos uma noção, para apresentar listas a cinco assembleias de freguesia, uma Assembleia Municipal e uma Câmara Municipal, são precisas cerca de 120 pessoas. Perante este cenário, é muito difícil, em dois meses, conseguirmos ter 120 pessoas que se disponibilizem para concorrer. Portanto, há uma decisão tomada pelo plenário de militantes que até agora a direção nacional tem acatado e estou convencido que vai acatar.

Luís Filipe Menezes é “o regresso ao passado”

Noutro caso também destes dias, Eduardo Vítor Rodrigues foi condenado com perda de mandato porque usou o carro da câmara para ir às compras. Sabendo-se que Luís Filipe Menezes está de regresso, depois do interregno de 12 anos de governo de Eduardo Vítor Rodrigues, o partido que passa por um constrangimento assim parte em desvantagem?

Naturalmente, e idealmente, seria simpático não termos que passar por esta circunstância, embora eu me tenha que solidarizar com o Eduardo Vítor Rodrigues. Conheço o Eduardo Vítor, sei que foi um excelente presidente de câmara, e, de facto, o crime que está aqui em causa é um crime bagatelar, naquilo que é a gíria jurídica. Estamos a falar de um presidente de câmara, e mesmo sobre isso temos casos mais flagrantes aqui na Área Metropolitana de Lisboa, de um município que tem o maior índice de escolaridade do país, que é Oeiras, em que um presidente de câmara foi julgado e foi preso, cumpriu a sua pena e volta a ser presidente de câmara.

Mas Isaltino Morais salienta que a condenação nada teve a ver com a gestão autárquica.

Certo, mas repare… O caso do Eduardo Vítor é o peculato de uso de uma viatura. Não está em causa matéria de prova que tenha que ver com a utilização indevida de dinheiros públicos para favorecimento próprio, para enriquecimento do seu património. Não estamos a falar de corrupção ativa. É quase bagatelar. Temos que explicar melhor às pessoas que não se pode pôr tudo no mesmo saco e achar que isto é tudo uma cambada de bandidos. Eu sei que está muito em voga, até na Assembleia da República, esse tipo de vernáculo.

Temos de prestigiar as instituições, não podemos fazer uma análise muito superficial. O Eduardo Vítor fica naturalmente manchado porque tem que sair do cargo, mas foi um presidente de câmara que teve uma maioria esmagadora na última votação, reconhecida a sua obra pelos seus cidadãos. Tem que sair por causa da utilização indevida de um carro.

Choca-me um bocadinho que o Estado gaste recursos a julgar uma pessoa que utilizou um carro para fazer uma deslocação quase inócua. Choca-me que os nossos impostos sirvam para isto, quando temos tanta coisa que nos pode estar a escapar, bem mais grave e bem mais lesivo dos interesses do país e do povo português.

E o que é mais errado nesta atuação de um autarca? A lei permitir que um caso bagatelar obrigue um autarca a sair ou ter havido esse caso?

Não sei se o que é que está mal. Quando se faz essas avaliações do que é que está mal, se é a polícia se é o ladrão, se é o polícia que não fez o seu trabalho em deter o ladrão, se é o ladrão que não devia ter sido ladrão, é sempre complicado, porque o sistema tem que funcionar com freios e contrapesos.

Choca-me um bocadinho que o Estado gaste recursos a julgar uma pessoa que utilizou um carro para fazer uma deslocação quase inócua. Choca-me que os nossos impostos sirvam para isto, quando temos tanta coisa que nos pode estar a escapar, bem mais grave e bem mais lesivo dos interesses do país e do povo português. Obviamente, não estou com isto a dizer que as entidades judiciárias não devem fazer o seu trabalho. Com certeza que devem fazer, agora não se pode andar a correr atrás de tudo e de todos, e perdendo completamente o bom senso.

Dou aqui um exemplo claro, para as pessoas perceberem: a doutora Luísa Salgueiro, presidente da Câmara de Matosinhos e presidente da Associação Nacional de Municípios, foi acusada por um magistrado do Ministério Público por ter nomeado a sua chefe de gabinete sem concurso público. Eu pergunto: o que é que aconteceu ao magistrado do Ministério Público que proferiu esta acusação completamente idiota? Tanto quanto sei, não lhe aconteceu nada.

Os nossos impostos servem para pagar também aos magistrados, e nós temos de ser críticos também desta atuação. Não é possível que os nossos recursos estejam a ser usados para fazer despachos de acusação que são inenarráveis. O sistema não pode funcionar assim! Esses recursos devem ser canalizados para investigar coisas que, de facto, façam sentido ser investigadas. Obviamente, todos nós temos de cumprir a lei, mas não podemos, a bem de todo o sistema, comparar aquilo que é incomparável e meter tudo no mesmo saco. O Eduardo Vítor é um excelente presidente de Câmara e tem que sair. Qual é o nosso candidato à Câmara de Gaia? É disso que eu quero falar.

João Paulo Correia.

Digo isto com estima pessoal, consideração pessoal e tive o privilégio de aprender muito com ele na última legislatura enquanto deputado à Assembleia da República. O João Paulo Correia é provavelmente dos políticos da nossa geração mais preparados que conheço. É uma pessoa com uma seriedade à prova de bala. Foi presidente de junta, foi secretário de Estado da Juventude e Desporto, deputado várias legislaturas. Sobretudo, é um homem que tem uma visão de futuro para Gaia. Os nossos adversários, o que estão a propor é um regresso ao passado, Luís Filipe Menezes.

O João Paulo Correia tem condições para aproveitar o legado positivo que o Partido Socialista deixa na Câmara Municipal de Gaia, e, sobretudo, tem a capacidade política para fazer uma escolha inteligente da sua nova equipa, que permitirá expurgar eventuais malefícios que a gestão liderada pelo Eduardo Vítor deixa na Câmara de Gaia. Ninguém é perfeito, o Eduardo Vítor foi um excelente presidente de Câmara, é isso que eu queria deixar claro, reconhecido pelos seus concidadãos e munícipes, e o João Paulo Correia é o melhor candidato que o Partido Socialista podia apresentar, e os gaienses vão saber reconhecer isso.

É uma candidatura frente a um autarca que venceu por números contundentes. Vai haver apoio especial ao candidato no terreno?

Se eu disser que sim numa entrevista, vou ter não sei quantas chamadas a dizerem-me que também querem um apoio especial… (sorriso). O apoio especial que nós temos é escolher o melhor candidato à Câmara de Gaia, que é o João Paulo Correia.

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