Autárquicas em Odivelas: a terra que os comunistas perderam e o PS teima em não largar

No 15.ª concelho mais populoso do país, Odivelas, a decisão deverá tomar-se entre o presidente socialista que em tempos perdeu pelouros e o vereador do PSD que saltita entre municípios.

No país ainda se arrumavam as urnas da votação no referendo que travou a regionalização em 1998 quando a Assembleia da República começou a discutir o estabelecimento de novos concelhos, entre os quais um que detinha uma das mais populosas freguesias da Europa.

Odivelas, Trofa, Fátima, Esmoriz, Samora Correia, e mais umas quantas terras foram levadas ao parlamento para se tornarem concelhos autónomos. Os deputados acabaram por fazer nascer apenas dois: Odivelas e Trofa. O primeiro tem hoje mais de 150 mil habitantes e é o 15.º maior município do país.

Um dos promotores da agregação de freguesias no tempo da “troika” e grande detrator da decisão de 2025 de voltar a dar autonomia a centenas delas, expressava em 1998 o seu lamento pela não criação de mais um concelho, o de Fátima. Mas, apesar dessa posição do então deputado Miguel Relvas, no boletim das autárquicas de 2001 apenas se somavam os concelhos de Odivelas e Trofa. Contrário ao desejo de Relvas e do PSD, e por força da decisão do PS e PCP, ainda hoje Fátima continua em Ourém, tal como Samora Correia não passa de freguesia de Benavente.

O presidente da câmara municipal de Odivelas, Hugo Martins, discursa durante a cerimónia de lançamento do novo concurso para a construção da Linha Violeta do Metropolitano de Lisboa, em Loures, 15 de abril de 2025. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA

Nova autarquia desfalca PCP logo à nascença… e não parou desde então

No primeiro ato eleitoral autárquico de sempre em Odivelas, em 2001, ano que levaria o PS a perder Lisboa, Porto, Coimbra, Sintra e outros municípios de grande relevância – culminando no pedido de demissão de António Guterres -, os socialistas levaram a melhor, mas sem maioria absoluta. O PCP, histórico vencedor no grande concelho de Loures, ficava atrás do PSD, com metade dos vereadores. Os socialistas conquistavam todas as juntas de freguesia.

Quatro anos depois, o PCP já passava a presidir a Caneças e Ramada, subia a segundo na Câmara, mas os socialistas mantinham o poder, agora já sem Manuel Varges, que o Governo de José Sócrates, com António Costa a ministro da Administração Interna e Eduardo Cabrita a secretário de Estado Adjunto e da Administração Local, chamara para a CCDR de Lisboa.

Na quinta-feira, logo ao segundo dia da campanha para as autárquicas de 12 de outubro, Paulo Raimundo levou a comitiva comunista a Odivelas. Concelho nascido em 1998, o atual 15.º município mais populoso do país nunca deu as vitórias que o PCP conhecia em Loures, mas o desempenho recente tem sido o mínimo para conseguir eleger um vereador. Este ano, com o Chega mais forte – um quarto dos votos dos odivelenses nas legislativas de 18 de maio, enquanto a CDU recolheu apenas 3% -, a manutenção do lugar comunista está longe de ser uma certeza. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA

O presidente substituído na CCDR Lisboa era o candidato do PSD a Odivelas em 2001 e depois em 2005. Nesse ano, a candidatura socialista era entregue a Susana Amador, vencedora por curta margem. Do PS para o terceiro classificado, o PSD, distavam menos de 2.500 votos num universo de quase 60 mil odivelenses que foram às urnas.

Amador teve novas vitórias em 2009 e 2013, a primeira das quais com um crescimento assinalável tanto para si quanto para o social-democrata, o jornalista televisivo Hernâni Carvalho. O apresentador de programas de crime levava o PSD a um acréscimo na ordem dos 7.000 votos e o PS respondia com quase 6.000 votos mais que em 2005, números expressivos que permitem adivinhar o rombo abaixo na “tabela”.

A população inscrita tinha aumentado, mas não tanto. No reverso da medalha estava um PCP em queda abrupta, na ordem dos 3.500 votos, com o vereador e ex-presidente de Junta em Odivelas Ilídio Ferreira a sofrer uma pesada derrota.

Hernâni Carvalho tinha planos para a área da segurança, como a criação da polícia municipal de Odivelas (elemento ainda no programa do candidato “laranja” em 2025), e prometia resolver “numa semana” a questão da gestão do saneamento e água, que se mantinha entregue a Loures, apesar da desanexação de municípios aprovada no Parlamento em 1998. “Escandaloso”, considerava o independente apoiado pelo PSD.

Em julho de 2015, já após a vitória de 2013, a primeira de sempre com maioria absoluta no jovem concelho de Odivelas, Susana Amador deixou a autarquia e passou a liderança a Hugo Martins, presidente da Comissão Política Concelhia de Odivelas e da Comissão Nacional do PS.

Susana Amador, secretária de Estado da Educação no Governo de maioria de António Costa (2019-2022) e eleita há quatro anos como presidente da Assembleia Municipal de Loures, viu o seu nome envolvido, em 2022, numa acusação do Ministério Público de crime de prevaricação de titular de cargo político enquanto autarca de Odivelas, processo em que também eram apanhados Isaltino Morais, de Oeiras, e o ex-presidente de Mafra José Ministro dos Santos. Em novembro de 2023, o processo cairia.

Hugo Martins é desde 2015 presidente. Em 2017 foi a votos pela primeira vez e bateu Fernando Seara – ex-presidente de Sintra, candidato em Odivelas em 2017 e, hoje, cabeça de lista à Assembleia Municipal em Sintra.

Em 2021, Hugo Martins conseguiu mesmo uma maioria absoluta com seis vereadores em 11.

Vereador eleito com Seara em 2017, Marco Pina partiu para a eleição de 2021 à frente de uma vasta coligação de direita e conquistou três vereadores. A CDU e o Chega repartiram os restantes dois, uma triste consolação para os comunistas, no seu pior resultado de sempre, com menos de 11%, apenas 1.200 votos acima do partido de Ventura, novato em autárquicas naquele ano.

Marco Pina, funcionário da Câmara de Cascais há vários anos, ainda Miguel Pinto Luz era vice-presidente dessa Câmara, candidata-se pela segunda vez a Odivelas. O atual ministro é seu mandatário

Este ano, Hugo Martins e Marco Pina são repetentes como pretendentes à cadeira de comandante dos destinos de Odivelas. É a primeira vez que os dois partidos em simultâneo repetem o candidato de eleições anteriores.

O Chega candidata o jurista Fernando Pedroso, líder da bancada do partido na Assembleia Municipal, a Iniciativa Liberal leva a votos o também deputado municipal André Francisco e a CDU apresenta Florentino Serralheira. O professor universitário é o vereador que os comunistas conseguiram eleger em 2021.

No que toca a Marco Pina, que juntou um largo espetro partidário em 2021, com PSD/CDS/MPT/PDR/PPM/RIR e Aliança (o partido fundado por Santana Lopes deixou entretanto de existir), tornou-se mais frugal este ano e tem atrás de si apenas o PSD e o CDS, partidos que entretanto chegaram ao poder no país. Para seu mandatário, a candidatura conta com Miguel Pinto Luz, ministro das Infraestruturas e Habitação desde que deixou a vice-presidência da Câmara de Cascais, aquela onde Marco Pina é diretor do departamento de Desporto e Atividade Física.

Ex-futebolista do Clube Atlético e Cultural da Pontinha nos tempos da pertença desta freguesia ao concelho de Loures, Marco Paulo Pina ganhou dimensão política em simultâneo com a candidata à vizinha Amadora, em 2021, e, tal como Suzana Garcia, igualmente cara do comentário televisivo, repete a candidatura à conquista de uma Câmara socialista.

A vida camarária não é, contudo, novidade para Marco Pina, que entrou no município de Odivelas no ano das primeiras autárquicas de sempre, é técnico superior desde 2014, começou a dar apoio à vereação de Cascais em 2017, cargo que ocupou até assumir a vereação em Odivelas em outubro de 2021. Em janeiro de 2022, o município liderado por Carlos Carreiras e Pinto Luz escolhe-o para dirigir o Desporto e Atividade Física.

Hugo Martins também tem experiência autárquica no pelouro do desporto, o qual fez parte das suas competências até que em 2012 a presidente Susana Amador lhe retirou essa pasta e também a dos Transportes e Oficinas. O então vereador, que fora acusado de condução sob efeito de álcool e agressão a dois polícias em Almancil (depois de um caso similar na A9 – CREL em 2009), Algarve, manteve apenas o pelouro das obras municipais, merecendo mais tarde confiança do partido para se apresentar como cabeça de lista no concelho.

O conceito de “direita populista” quando Ventura ainda era adolescente

Em 2001, ano de grandes perdas para o PS no deve e haver das autárquicas, Odivelas manteve a preponderância esquerdista que trazia de Loures, da qual se desagregou, mas optou pelo Partido Socialista de Manuel Varges, que havia sido escolhido pelo Parlamento para líder da comissão de instalação.

Se somarmos as populações atuais dos concelhos de Loures e Odivelas, teríamos hoje o terceiro maior concelho português, com 361 mil habitantes, só atrás de Sintra e Lisboa. À data, segundo se disse no Parlamento em 1998 quando se aprovou a Lei da criação do novo concelho, Odivelas concentrava 160 mil habitantes numa área de 30 quilómetros quadrados, mais do dobro das 65 mil pessoas que ali residiam nos anos 1970. Este crescimento serviu de fundamento para lançamento de um concelho autónomo.

Odivelas, enquanto freguesia de Loures, chegou a integrar território das atuais freguesias de Pontinha (o local de origem do candidato Marco Pina), Ramada e Famões, e tinha então perto de 100 mil habitantes, o que a tornava uma das maiores freguesias da Europa, conforme foi assinalado no Parlamento em novembro de 1998.

A proposta de criação do concelho de Odivelas já vinha do final dos anos 1980, seguindo, aliás, o exemplo do que sucedera anteriormente com a Amadora, desanexada do concelho de Oeiras. Entre as várias vozes a defender o novo concelho esteve a de um jovem socialista, António Costa, o mesmo que em 1993, candidato a Loures, promoveu uma corrida entre um burro e um Ferrari para provar o quão congestionada era a Calçada de Carriche. Estrada que, anos depois, Loures perdeu para o município de Odivelas.

Na discussão do diploma que daria origem ao concelho de Odivelas, em novembro de 1998, ouviu-se na Assembleia da República expressões como “explosão demográfica” e “monstros burocráticos incapazes de dar aos cidadãos as respostas mais eficazes e de lhes prestar os serviços mais eficientes”, em alusão ao crescimento demográfico que municípios como Loures verificaram.

Em discussão estava a criação de 20 novos concelhos, e o deputado socialista José Junqueiro aproveitava para lançar farpas à “direita populista”, como se referiu ao partido de Paulo Portas. À data, André Ventura, atual alvo desse epíteto, ainda era, segundo se lê na entrada em seu nome na Wikipedia, um jovem de 15 anos a sonhar com uma vida de padre.

O socialista provocava os deputados centristas: “imagine-se! O líder do PP sempre criticou o aumento da classe política. Então, agora, segundo a linguagem do líder do PP e do PP, como é que seria? 20 concelhos vezes corrupção? 20 vezes mais impostos?

O CDS não se ficava e atacava o PS: “quando os portugueses, no dia 8 de Novembro [de 1998], rejeitaram a regionalização, fizeram uma aposta clara no municipalismo. E sabe porquê? Porque os custos da regionalização são desconhecidos – e os senhores são os primeiros a não se entenderem quanto a esses custos – e os custos do municipalismo são conhecidos através da Lei das Finanças Locais”.

Um quarto de século depois de se ver “subtraído” do território de Odivelas, o concelho de Loures espera por um metropolitano de superfície que enlace estes que são dois 15 mais populosos municípios do país

O processo nascido no seio da Assembleia da República com a criação dos concelhos de Trofa (saído de Santo Tirso) e de Odivelas levaria o PCP a perder um dos seus mais destacados autarcas, Demétrio Alves, presidente do vasto concelho de Loures havia uma década.

O PCP votara a favor da medida, mas Demétrio estava contra a comissão instaladora criada por indicação do Parlamento. O PCP até lhe deixara, implicitamente, um elogio, ao enaltecer o trabalho desenvolvido pelos autarcas do partido “em todo o concelho de Loures”.

Só que Demétrio discordava do poder dado à comissão instaladora a meio do mandato de presidente de Loures e foi mesmo embora antes de terminar esse ciclo 1997-2001. De uma assentada, os comunistas perdiam um autarca icónico, parte do território de um grande bastião e ainda viam nascer um território de mais de 100 mil habitantes que preferiu os tons rosa.

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