A IA e a competência comunicacional nas empresas

  • Isabel Cipriano
  • 19 Novembro 2025

Com a amplificação da produção de informação - dashboards mais densos, relatórios mais frequentes, sínteses geradas em segundos - aumenta probabilidade de decisões baseadas em outputs não validados.

A adoção acelerada de sistemas de Inteligência Artificial (IA) nas empresas — desde modelos generativos a plataformas analíticas avançadas — está a redefinir os fluxos de trabalho, as estruturas de decisão e os processos de criação de valor. Mas atrás desta evolução tecnológica, emerge um outro desafio frequentemente subestimado: a degradação gradual da comunicação humana nas organizações.

Num contexto em que a IA automatiza as tarefas cognitivas e comunicacionais, torna-se necessário analisar esta transformação, nomeadamente até que ponto são afetadas competências críticas para a competitividade das entidades, para a tomada de decisão e que efeitos provoca na saúde cultural dos trabalhadores e no ADN das empresas.

Vamos aos exemplos: as ferramentas de criação automática de texto, resumo e de tradução, integradas em CRM, ERPs, plataformas de suporte ao cliente e aplicações internas, embora aumentem a eficiência, podem induzir num fenómeno perigoso: comunicação sem intenção ou genérica. Os emails, relatórios ou respostas ao cliente produzidos por IA podem cumprir a função formal, mas falham frequentemente na adequação estratégica, na nuance cultural/personificada àquele cliente específico, ou até mesmo o (des) alinhamento com os objetivos internos.

Isto porque, a comunicação em qualquer organização exige contexto, necessita de estar alinhada com os valores e sensibilidade comercial — capacidades que continuam a depender fortemente da apreciação, do julgamento profissional humano.

Com a IA a amplificar a produção de informação — dashboards mais densos, relatórios mais frequentes, sínteses geradas em segundos — aumenta-se a probabilidade de se tomarem decisões baseadas em outputs não validados.

Em 2024, o estudo “Desbloquear as Ambições de Portugal sobre Inteligência Artificial (IA) na Década Digital em 2025” revelou que cerca de 41% das PME portuguesas recorriam a ferramentas de IA. Já este ano o Eurostat colocou-nos na cauda da Europa. Somos modestos?

A questão fulcral não reside na tecnologia, mas antes na diminuição da literacia crítica dos recursos humanos, por um conjunto de situações acumuladas: maior confiança cega em automatismos; redução do hábito de dupla verificação alternada; um sistema de IA não é neutro e que pode conter tendências, distorções ou preconceitos nos dados com que foi treinado e a tendência para aceitar conclusões sem questionar os pressupostos subjacentes. Nos ambientes empresariais, isto pode representar erros estratégicos, avaliação inadequada de risco e decisões desalinhadas com métricas reais.

A função de selecionar, contextualizar e validar informação torna-se ainda mais crucial num ecossistema saturado de dados. Contudo, quanto mais sofisticadas são as ferramentas, maior é o risco de se delegar excessivamente essa responsabilidade à IA. Se para nós, cidadãos a IA entrou gradualmente nas nossas vidas, ainda que inconscientemente, para as organizações é fundamental ter consciência.

Num cenário competitivo, empresas que não preservem competências humanas de análise e comunicação podem perder a vantagem na capacidade de inovar e responder a crises.

Para que a integração da IA resulte num aumento da criação de valor, e não na erosão de competências, as empresas precisam de promover uma nova literacia comunicacional, pois as que melhor souberem conciliar automação inteligente e comunicação humana serão as que terão maior capacidade de inovar, reter talento e gerar confiança no mercado.

  • Isabel Cipriano
  • Presidente da APOTEC – Associação Portuguesa de Técnicos de Contabilidade

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