
Gratificações de balanço: entre o justo reconhecimento contabilístico e a transparência das contas
Reconhecer o mérito é fundamental, mas fazê-lo sem rigor contabilístico e fora das balizas legais é abrir espaço a distorções que fragilizam a confiança.
A participação nos lucros, comumente designadas por “gratificações de balanço” (bónus pagos aos trabalhadores ou órgãos de gestão em função dos resultados anuais da empresa) continuam a ser um tema sensível na contabilidade e na governação das empresas. À primeira vista, representam um justo reconhecimento do esforço coletivo. Contudo, do ponto de vista contabilístico e de relato financeiro, a sua correta mensuração e reconhecimento exigem rigor e prudência.
À primeira vista, as gratificações de balanço são um tema que parece simples, na medida em que, que apenas estamos perante a partilha dos lucros com trabalhadores ou órgãos sociais. No entanto, quando entramos no detalhe contabilístico, percebemos que o seu tratamento exige rigor, sobretudo na distinção entre gasto, passivo e aplicação de resultados.
Do ponto de vista do correto tratamento contabilístico, importa aferir se à data de fecho do cada período, existe ou não uma obrigação presente.
- Se existir — porque a lei, os estatutos da sociedade ou um contrato impõem a atribuição, ou porque a entidade criou uma obrigação construtiva pela prática reiterada ou por comunicação formal — então estamos perante um gasto do exercício reconhecido no mesmo período em que os lucros são gerados. Nesse caso, deve reconhecer-se um passivo, refletindo a responsabilidade que já não pode ser evitada.
- Se não existir — isto é, quando a decisão de atribuir está apenas dependente da deliberação futura da assembleia geral, sem que exista qualquer obrigação legal nem foi gerada nenhuma expectativa consolidada nos trabalhadores ou gerentes/administradores— não há lugar ao reconhecimento do gasto nem do passivo no período em que os lucros foram gerados. O registo faz-se apenas depois da deliberação, como aplicação de resultados que reduz os capitais próprios.
Esta fronteira é crítica para garantir que as contas espelham fielmente a realidade da empresa, sem criar passivos indevidas ou manipular resultados.
Do ponto de vista legal e societário, há ainda um formalismo incontornável que tem de ser cumprida, isto é, a atribuição das gratificações de balanço depende sempre da aprovação em assembleia geral, no quadro da proposta de aplicação dos resultados. Isto porque, em bom rigor, a atribuição da gratificação do balanço, significa que os sócios ou acionistas prescindem de parte do lucro a favor dos trabalhadores ou gestores.
Assim, em termos legais não é possível efetuar pagamentos relacionados com a atribuição de gratificações, antes dessa atribuição estar devidamente deliberada em assembleia geral. Naturalmente que, para haver essa deliberação, terá que se apurar o respetivo resultado do período e para que seja possível deliberar a atribuição de gratificações de balanço é necessário que a entidade tenha apurado um resultado positivo no período.
Assim, a contabilização das gratificações de balanço exige rigor técnico, a sua atribuição depende de formalismos legais e a sua execução deve respeitar princípios de prudência financeira. Só deste modo é possível assegurar que a justa recompensa pelo esforço coletivo não põe em causa a transparência das contas nem a solidez futura da empresa.
Reconhecer o mérito é fundamental, mas fazê-lo sem rigor contabilístico e fora das balizas legais é abrir espaço a distorções que fragilizam a confiança. A verdadeira boa governação está precisamente nesse equilíbrio: valorizar pessoas, sim, mas sempre com contas claras e sustentabilidade assegurada.
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