Comboio Porto-Vigo chega aos dez anos mais lento e ameaçado por independência espanhola

Comboio Celta completa dez anos com ameaça da espanhola Renfe romper a parceria que a une à CP na ligação entre o Minho e a região da Galiza. Viagem demora mais tempo em 2023 do que em 2013.

O dia 2 de julho de 2013 foi o momento mais transformador das relações ferroviárias entre o Norte e a região da Galiza. Partiu da estação de Campanhã o primeiro comboio Celta, para ligar diretamente o Porto à cidade de Vigo, através de uma automotora a diesel da série 592, alugada pela CP à congénere espanhola Renfe. Na altura, a viagem entre Porto e Vigo passou a ser feita em duas horas e 15 minutos, sem paragens intermédias.

Passados dez anos, muito pouco mudou — e paira a sombra do fim deste serviço conjunto, com a Renfe a preparar-se para entrar diretamente em Portugal. Os autarcas de Valença, Viana do Castelo e Vila Nova de Famalicão estão focados na continuação deste comboio, independentemente do operador.

Antes do comboio Celta, a ligação entre Porto e Vigo demorava, no mínimo, duas horas e 54 minutos. Entre as duas cidades havia 14 paragens intermédias para entrada e saída de passageiros. No entanto, havia três ligações diretas por dia entre o Norte e a Galiza, conforme é possível constatar a partir da plataforma Viajar Sobre Carris, que reúne os horários dos comboios da CP desde o ano 2000. Atualmente, há dois comboios por dia e por sentido. A CP, para já, afasta um aumento do número de circulações por dia embora refira que “está a monitorizar a evolução da procura pelo serviço, com o objetivo de antecipar necessidades de aumento de frequência ou do número de lugares oferecidos”, responde ao ECO fonte oficial da transportadora.

Comboio Celta da CPNelso Silva/Wikimedia Commons

“O Celta nasceu de um processo de ativação da ligação ferroviária entre o Porto e Vigo espoletado em 2011 por iniciativa do então autarca de Viana do Castelo e, simultaneamente, Presidente do Eixo Atlântico [José Maria Costa], quando a CP queria encerrar este serviço de passageiros”, recorda ao ECO fonte oficial do município vianense.

Um ano depois da primeira partida, o comboio Celta passou a incluir paragens intermédias em Nine (concelho de Vila Nova de Famalicão), Viana do Castelo e Valença. O tempo de viagem manteve-se nas duas horas e 15 minutos até setembro de 2017, quando foram acrescentados cinco minutos à viagem. O comboio parte de Campanhã por alegada falta de espaço em São Bento – “existem constrangimentos relacionados com o número de linhas disponível e com a presença de outros serviços comerciais”, justifica a CP

Em 2023, o Celta demora duas horas e 22 minutos entre Porto e Vigo, mesmo após um investimento de 100 milhões de euros na eletrificação e na instalação de sinalização eletrónica na Linha do Minho, que continua a ser em via única e não assistiu a aumentos de velocidade. “Em relação aos efeitos do início da sinalização eletrónica na Linha do Minho no tempo de viagem entre Porto e Vigo, confirmamos que não afetou a circulação no que toca aos passageiros”, assume a transportadora ferroviária portuguesa.

“Apesar dos constrangimentos ao nível da via e do material circulante, o Celta tornou possível uma ligação ferroviária diária entre estas duas euroregiões, fortemente ligadas por traços identitários e cumplicidades empreendedoras”, acredita a câmara de Vila Nova de Famalicão, liderada pelo social-democrata Mário Passos.

A câmara de Valença assinala ainda os efeitos religiosos deste comboio: “este serviço tem sido, igualmente, importante para os peregrinos dos Caminhos de Santiago, que a ele recorrem em grande número, sendo que esta vertente do turismo religioso é muito importante para Valença, por onde passam, anualmente, entre 80 a 100 mil peregrinos.

Recorde de passageiros

O que mais mudou na última década foi o preço: no final de 2021, CP e Renfe começaram a vender, pela internet, lugares com mais de 60% de desconto. Passou a ser possível pagar 5,25 euros para viajar entre Porto e Vigo; atualmente, o preço mais baixo é de 6,75 euros. Não podendo andar mais depressa – a linha não o permite -, as duas empresas ferroviárias apostam em bilhetes mais baratos para atrair mais passageiros e concorrer com os autocarros – já há empresas que fazem a viagem em duas horas e 15 minutos.

Graças à promoção e à maior divulgação do comboio, 2022 foi o melhor ano de sempre para o comboio Celta, com 116.100 passageiros, “mais de 400% acima de 2013”, assinala ao ECO fonte oficial da Renfe. No último ano, houve, em média, perto de 80 passageiros por cada um dos quatro comboios (dois por sentido) entre Porto e Vigo, o que corresponde a cerca de 40% da lotação das automotoras da série 592 (200 lugares). Numa década, foram registados “mais de 690.000 passageiros”, segundo a CP.

“Estes dez anos vieram dar-nos razão, já que esta tem sido uma solução de transporte que tem cimentado a sua importância e aproximado o norte de Portugal e a Galiza”, nota a autarquia de Viana do Castelo.

Apesar de ser uma parceria ibérica, apenas no portal da Renfe é possível comprar bilhetes para este comboio na internet. Na página da CP, o passageiro é recambiado para a página principal da congénere espanhola. Os bilhetes para o Celta também estão à venda nas bilheteiras das estações portuguesas e espanholas. A empresa portuguesa garante que a situação vai mudar porque “está a ser desenvolvida um novo site e uma nova aplicação móvel, que permitirá comprar o ingresso diretamente no portal da CP”.

“Os desafios atuais passam mais pela divulgação do serviço prestado”, sinaliza a câmara de Viana do Castelo. Na região discute-se também um “projeto-piloto para a implementação, entre Vigo e Viana do Castelo, de um serviço de proximidade para dar resposta aos núcleos habitacionais próximos dos polígonos/parques empresariais e portos de mar; organizar frequências e horários complementares com outros meios de transporte (intermodalidade e interoperacionalidade), realizar investimentos necessários para a melhoria das vias e instalações ferroviárias, articular um serviço tarifário integrado e digitalizar a informação do transporte intermodal”, detalha a autarquia liderada pelo socialista Luís Nobre.

A independência espanhola

A Linha do Minho está eletrificada dos dois lados da fronteira desde 2021, mas a tensão na catenária é diferente: 25.000 volts do lado de Portugal e 3.000 volts do lado de Espanha. Portugal não tem material circulante que possa contrariar a situação, ao contrário de Espanha, onde a Renfe tem a locomotiva da série 252 capaz de rebocar carruagens, independentemente da corrente elétrica instalada. Por ter cerca de 30 anos, a mesma locomotiva poderá ainda ter instalado o sistema de apoio à condução Convel – ao contrário do material circulante novo, já com sistema europeu embarcado.

A empresa espanhola, apesar de “colaborar totalmente e em perfeita sintonia com a CP”, está a “trabalhar para conseguir obter o certificado de segurança em Portugal”. Ou seja, a Renfe está a preparar-se para operar comboios sozinha, sem precisar da congénere portuguesa, conforme noticiado pela imprensa espanhola no início de maio.

A CP admite a “utilização das carruagens Arco adquiridas à Renfe e que foram modernizadas nas oficinas da CP em Guifões”. Falta, no entanto, arranjar uma locomotiva para rebocar as composições – a espanhola Renfe resultaria numa solução ibérica para a situação. Em julho de 2022, o então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, já admitia o cenário de partilha de material circulante.

A situação não preocupa os autarcas de Vila Nova de Famalicão, Viana do Castelo e Valença. “O operador não é relevante. O importante é assegurar um serviço de qualidade ao nível do conforto dos passageiros e da eficiência da operação. O fator concorrencial é bem-vindo para elevar os patamares qualitativos e até quantitativos do serviço”, defende Mário Passos, presidente da câmara de Famalicão.

“Mais relevante do que quem faz, o que importa é que o serviço seja implementado, independentemente da entidade que o realize”, corrobora a autarquia de Viana do Castelo. “Independentemente de a ligação ferroviária entre o norte de Portugal ser efetuada pela CP ou pela Renfe, o que consideramos essencial é que os utilizadores deste serviço se sintam cómodos, seguros e satisfeitos por viajar nesta grande região transfronteiriça”, complementa a autarquia de José Manuel Carpinteira.

O ECO contactou ainda o município do Porto, que não respondeu às perguntas até à publicação do artigo.

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