AMT quer passe único em 23 municípios da Beira Interior e comboio expresso de Castelo Branco à Guarda

Após apresentar o programa de mobilidade integrada da Beira Interior no final do ano, em colaboração com cinco municípios da região, AMT quer envolver um território com 23 concelhos.

Reportagem na Guarda - 21MAR25
A ligação por comboio expresso entre Castelo Branco e a Guarda demorará 87 minutos e deverá ter frequência horária em ambos os sentidos, com saídas exatamente no mesmo minuto de cada hora, defende a AMTHugo Amaral/ECO

A Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) pretende que seja criado um comboio expresso entre Castelo Branco e a Guarda e se substitua as dezenas de títulos de transporte neste eixo por um “passe” mensal e um bilhete únicos, físicos ou adquiridos através do telemóvel ou cartão bancário. Esta solução permitiria deslocalizar para a Beira Baixa e Beira Alta um modelo similar ao da Carris Metropolitana, criada para a Área Metropolitana de Lisboa. O estudo de mobilidade apresentado pela AMT nesta terça-feira aponta ainda ao desenho de uma plataforma digital para consulta de percursos nos vários municípios, à imagem do que vemos igualmente na Carris Metropolitana, e por integração em aplicações como o Google Maps. Deste modo, um habitante de uma aldeia de Belmonte poderá saber exatamente que transportes deve apanhar para chegar ao centro da Guarda, a uma aldeia de Castelo Branco, ou a outro ponto qualquer do território.

O serviço ferroviário proposto entre Castelo Branco e a Guarda, numa distância de cerca de 100 quilómetros, deverá ter frequências de hora a hora em ambos os sentidos e ser efetuado sempre ao mesmo minuto dessas horas, contando com apenas cinco paragens no total do percurso, nas sedes dos municípios atravessados, aproveitando a eletrificação total da Linha da Beira Baixa. A viagem entre as duas capitais de distrito poderá ser feita em 87 minutos, contra os 100 minutos atualmente despendidos em autocarro.

A recomendação para criação do comboio regional expresso está presente no estudo “Combate à Pobreza da Mobilidade”, conceito ligado a rendimentos baixos, elevadas despesas com combustíveis ou a falta de transportes privados ou públicos acessíveis ou a preços comportáveis. O documento teve apresentação nesta terça-feira, em Lisboa, no âmbito do Projeto-piloto de Mobilidade Integrada na Beira Interior. Além de Belmonte, Castelo Branco, Covilhã, Fundão e Guarda, a AMT recomenda o alargamento da articulação de mobilidade às duas comunidades intermunicipais (CIM), a das Beiras e Serra da Estrela e da Beira Baixa, às quais é sugerida a criação de uma autoridade de transportes única.

No evento da AMT, que juntou a apresentação do estudo sobre pobreza de mobilidade e a revelação do primeiro relatório do projeto de Mobilidade Integrado da Beira Interior, Susana Baptista considerou que “o sistema de mobilidade integrada não deverá estar limitado aos cinco municípios” e “a articulação deve estender-se às duas CIM que compõem o território da Beira Interior. O facto de existirem já duas redes de transportes públicos que estão em processo de finalização da contratação pelas respetivas CIM são um passo importante para uma cobertura territorial mais uniforme.

Ao contrário do trabalho a desenvolver a nível rodoviário, a solução ferroviária está dependente da ação do Estado central e da CP, nota Susana Baptista. Para contornar os constrangimentos da CP com material circulante, uma possível solução, pouco ortodoxa, será a aquisição de composições pelos municípios, recorrendo a fundos comunitários, desafiou o vice-presidente da câmara de Fundão, Miguel Gavinhos.

O sistema de mobilidade integrada não deverá estar limitado aos cinco municípios [e] a articulação deve estender-se às duas CIM que compõem o território da Beira Interior.

Susana Baptista

Diretora de supervisão da AMT

No território beirão, os cinco municípios que se juntaram à entidade liderada por Ana Paula Vitorino para elaboração do plano de mobilidade integrada da Beira interior contam por 58% dos cerca de 310 mil habitantes das duas comunidades intermunicipais, e, segundo dados recolhidos pela AMT, tiveram uma redução da oferta de transportes coletivos para metade entre 2001 e 2021. Em Belmonte, Castelo Branco, Covilhã, Fundão e Guarda, o uso de veículo individual nas deslocações habituais abrange 72% da população – valor médio, com Guarda e Belmonte a chegarem aos 76% –, acima dos 68% da média nacional e mais ainda dos 58% da Área Metropolitana de Lisboa.

Susana Baptista destaca a conclusão de que “os tempos de viagem em comboio entre as cinco sedes do município são nalguns casos à partida competitivos com o transporte rodoviário, embora falte inserir a componente da última milha”. Para esta ligação final entre a estação e os diversos destinos dos cidadãos, e considerando que na Guarda e em Belmonte as estações da linha da Beira Baixa (e, na Guarda, também da linha da Beira Alta) distam entre quatro e cinco quilómetros do centro urbano, o projeto-piloto da AMT preconiza a articulação com as redes de autocarros dos municípios e com aquelas que as duas comunidades intermunicipais da região estão atualmente a contratualizar, bem como com o Transporte de Passageiros Flexível (TPF). Esta solução une meios alternativos ao autocarro e comboio, como os táxis por pedido para viagens a solo ou comunitárias, e, segundo Susana Baptista, é “muito importante para ampliar a acessibilidade aos transportes públicos”.

Para esta circulação, diz a AMT, urge criar o mesmo cartão do “passe” mensal e a mesma aplicação em todos os municípios, um serviço tarifário único que substitua as dezenas de títulos de transporte existentes na região e a quebra das fronteiras administrativas entre municípios, com partilha de serviços. Algo que a CIM do Oeste e a CIM do Alentejo já fazem, por exemplo.

Um dos exemplos da discrepância de condições entre cidadãos nacionais é deixado por Hélio Fazendeiro, chefe de gabinete do Executivo da Covilhã. Naquele concelho, o passe mensal para um serviço de autocarros com apenas três horários por dia custa 126 euros – em contraponto, relembre-se que o uso mensal de comboios, autocarros, metro e barcos em toda a Área Metropolitana de Lisboa custa apenas 40 euros por mês.

As opções de mobilidade nestes municípios incluem bicicletas elétricas em Castelo Branco, Covilhã e Guarda, neste caso desde há apenas dois meses, altura em que surgiu o serviço da Bird, que inclui 250 trotinetas elétricas e 50 bicicletas em 100 docas de estacionamento. Esta autarquia adiciona a oferta de incentivos para aquisição de bicicletas.

Na conferência da AMT ouviu-se o apelo à intervenção do Estado central, numa intervenção em que o vice-presidente da câmara do Fundão, Miguel Gavinhos, alertou que “os municípios não têm capacidade para pagar as compensações aos operadores” entre o custo real do serviço e o preço pago pelos passageiros num passe a preço reduzido. Lembrando que as câmaras começaram a comparticipar o transporte público por altura da Covid-19, o autarca aponta para um custo de um milhão de euros já assumidos pelo Fundão desde a pandemia.

Entre os polos dinamizadores da procura por transporte coletivo estão a Universidade da Beira Interior na Covilhã e os politécnicos de Castelo Branco e da Guarda, também os quatro hospitais da região, e ainda áreas industriais e tecnológicas, entre as quais o Data Center da Covilhã, o Living Lab da Cova da Beira e a plataforma logística da Guarda.

Transporte à medida

Uma década após a criação oficial, na letra da lei, do Transporte de Passageiros Flexível (TPF), a AMT desenvolveu um estudo com a análise ao que já existe ao longo do país. Um exemplo particular dessa diversidade de meios surge no Fundão, com um lote de veículos elétricos em Castelo Novo. O projeto de utilização gratuita, parceria da autarquia com a Renault, começou como serviço turístico para ligar a estação de comboios à aldeia histórica, mas acabou por ser “resgatado” pelos habitantes como transporte público.

“A oferta de TPF em Portugal tem sido predominantemente direcionada a regiões de baixa densidade, onde a viabilidade económica do transporte público convencional é reduzida”, nota o estudo, que realça a vantagem do “ajuste dos itinerários, horários e paragens de acordo com as necessidades dos utilizadores”. No outro lado da moeda estão “a fragmentação e dispersão da oferta, dificultando a coordenação e eficiência dos serviços; a baixa integração modal, limitando a conectividade entre diferentes tipos de transporte público; a falta de uniformização tarifária, o que pode desencorajar o uso do serviço; as limitações tecnológicas, impedindo um planeamento dinâmico e eficiente; a dependência de financiamento público, comprometendo a expansão sustentável do serviço”.

Perante estas desvantagens, o estudo propõe, entre outras soluções, o apoio à digitalização do serviço para atração de jovens e população ativa, incentivo ao uso de veículos não poluentes, a criação de aplicações para telemóvel com as quais se possa gerir reservas e juntar várias pessoas num mesmo veículo e a abertura dos contingentes municipais a novos operadores.

O trabalho realizado pelo IMT indica, em conclusão, que o serviço de transporte flexível de passageiros retira veículos privados da estrada e “representa uma solução viável para suprir lacunas do transporte público convencional, especialmente em territórios de baixa densidade populacional”.

A primeira experiência documentada de TPF remete para 2012, no concelho ribatejano de Mação, num piloto de recurso a táxis, subsidiados, como complemento ao transporte público convencional. Agora, uma década após a formalização do transporte público de passageiros flexível na Lei 52/2015, a Autoridade da Mobilidade e Transportes (AMT) promoveu uma análise desta solução, utilizada em várias regiões da Europa e que permite servir as populações onde o serviço de transporte público regular não chega, ou não tem frequências suficientes ao longo do dia. O desenho do TPF tem variantes na oferta, com o ponto comum de ser comparticipado, de modo a não sobrecarregar financeiramente os cidadãos residentes em locais onde a oferta regular é escassa ou praticamente inexistente.

Em Portugal há uma variedade de oferta, desde o serviço totalmente flexível, em que o cidadão solicita viagem com local de partida e chegada, horário e paragens, até percursos com paragens predefinidas, como num autocarro, às quais o utilizador tem de se ajustar. Já pela Europa fora, há exemplos como Lausanne, na Suíça, que proporciona transporte quase porta a porta e, numa modalidade menos livre, Leipzig, na Alemanha, onde os utilizadores escolhem os locais de partida e chegada numa lista de 120 paragens virtuais. Em vários casos, a viagem de táxi custa tanto quanto um bilhete de autocarro.

Entre os projetos pioneiros em Portugal conta-se o Link, da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, criado em 2019. O serviço proporciona transporte a pedido por táxi coletivo nos horários e zonas sem serviço regular de autocarro, através de um número de telefone gratuito e até às 15 horas do dia anterior ao serviço. A solução alargou-se às CIM Viseu Dão Lafões, Leiria, Lezíria do Tejo, Coimbra e Tâmega e Sousa e a vários concelhos do Alentejo. No Algarve foi criada uma rede de autocarros designada Vamus e, especificamente em Alcoutim, para lá da Vamus faz-se ainda, com autocarros mais pequenos, a ligação entre 100 povoações do concelho com menos de 40 habitantes, as sedes de freguesia e a sede do concelho.

Zonas rurais e isoladas e territórios de baixa densidade populacional onde não se justifica criar transporte público convencional e áreas urbanas onde existem “necessidades específicas da população mais envelhecida e em idade escolar” são alvos desta solução, nota o estudo da AMT, que indica ainda que está orientada para proporcionar transporte a pessoas com mobilidade reduzida. Entre os fornecedores estão operadores de transporte, empresas de aluguer de automóveis e taxistas.

Na classificação da AMT, existem 165 concelhos do continente (59%) e freguesias noutros 21 que entram na classificação de baixa densidade. Em termos de distribuição da população, os municípios de baixa densidade têm 19% dos cidadãos, em linha com a Área Metropolitana do Porto, enquanto a Área Metropolitana de Lisboa acolhe 29% da população em território nacional.

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