Portugal convergiu com a UE à custa do abrandamento dos outros países

Novas prioridades da Comissão Europeia arriscam fragmentar e dispersar as verbas da Política de Coesão, alerta o Tribunal de Contas Europeu. Foco deve ser reduzir as desigualdades entre as regiões.

A convergência de Portugal com a União Europeia foi feita à custa do abrandamento das regiões com melhor desempenho, diz o relatório do Tribunal de Contas europeu divulgado esta quinta-feira.

“Em Portugal, a convergência regional resultou do crescimento mais lento nas regiões com desempenho anteriormente elevado. Já em França, o aumento das disparidades entre regiões esteve associado a um crescimento mais lento naquelas com PIB mais baixo”, lê-se no relatório da instituição liderada por Tony Murphy, publicado num momento em que está em preparação o próximo quadro comunitário de apoio, o pós-2027.

Considerando que “os padrões de convergência económica refletem dinâmicas nacionais diversas”, o Tribunal de Contas Europeus dá ainda o exemplo, do “crescimento mais forte nas regiões capitais dos Estados-membros do Leste europeu que, frequentemente, aumenta as disparidades nestes países”. Não esquecendo a armadilha do desenvolvimento, o tribunal recorda que nem os países mais desenvolvidos estão a salvo do risco de entrar em longos períodos de estagnação económica.

A Política de Coesão da UE disponibilizou cerca de um bilião de euros entre 1989 e 2023 e as previsões são de mais 400 mil milhões até 2027, o que “a torna a maior política de desenvolvimento regional do seu género no mundo”. Todos os anos, um terço do orçamento comunitário vai para a Política de Coesão.

A Comissão espera que a Política de Coesão continue a ter um efeito económico positivo duradouro em geral. Os cálculos de Bruxelas apontam para que o PIB da UE possa ser “potencialmente 0,9% superior até 2030 e mais 0,6% superior até 2043, devido aos investimentos em coesão realizados entre 2014-2020 e 2021-2027”. “Prevê-se que este impacto positivo no PIB seja particularmente benéfico para os países que recebem montantes mais elevados de financiamento da coesão, mas também para os países mais desenvolvidos, através do aumento da atividade económica devido ao aumento das exportações”, lê-se no relatório.

Dada a sua importância, o TCE considera que é necessário retirar lições do passado para construir uma melhor política de coesão, já que “não é executada da melhor maneira”. Alejandro Blanco Fernández, o membro do TCE responsável pelo documento, elenca as várias condições que influenciam o impacto da política de coesão como a qualidade das instituições nacionais e regionais, o capital humano disponível em cada região e outros recursos territoriais. “Estes fatores podem influenciar a eficácia do financiamento da coesão e podem ajudar a explicar a variação dos resultados desta política entre as diferentes regiões e Estados-membros”, diz.

O TCE sublinha que, ao longo do tempo, a Política de Coesão teve de abranger um conjunto cada vez maior de prioridades e objetivos da UE. E “porque tem à sua disposição bastantes recursos, muitas vezes também tem sido usada para responder a situações imprevistas”, a pandemia, o fluxo de refugiados da Ucrânia em 2022, são apenas dois exemplos.

Embora reconheça que é importante haver flexibilidade na utilização do dinheiro, o TCE alerta que isto dispersa as verbas da Política de Coesão e poder desviá-las do seu fim principal: reduzir as desigualdades entre as regiões. “É fundamental que os objetivos da futura política continuem ligados às necessidades de desenvolvimento de cada região e centrados no aumento da convergência económica e social”, defende a instituição.

É fundamental que os objetivos da futura política continuem ligados às necessidades de desenvolvimento de cada região e centrados no aumento da convergência económica e social.

Tribunal de Contas Europeu

Recordando que o documento publicado esta quinta-feira não é um tradicional relatório de auditoria, mas antes uma avaliação com base em trabalhos anteriores, o tribunal quer contribuir para a discussão que se iniciará dentro de semanas do pós-2027.

“O quadro da política de coesão foi concebido para proporcionar aos Estados-membros e às suas regiões uma orientação estratégica a longo prazo e previsibilidade. Ao mesmo tempo, as regras da Política de Coesão limitam a flexibilidade dos Estados-membros para reatribuírem fundos durante o período do programa, a fim de responderem às suas necessidades em evolução”, sublinha o tribunal. “A reprogramação dos fundos da política de coesão é o principal mecanismo disponível para as autoridades de gestão”, acrescenta, revelando que verificaram que “os objetivos dos programas nem sempre refletem necessidades específicas”

Portugal está precisamente a levar a cabo a reprogramação do Portugal 2030, sendo esta uma semana importante de reuniões e negociações, tal como o ECO noticiou.

O Tribunal de Contas Europeus considera que as propostas da Comissão no âmbito da revisão intercalar de 2025, correm “o risco de aumentar a fragmentação e a complexidade de implementação dos programas da política de coesão e de divergir da missão central da política de coesão de reduzir as disparidades regionais”.

Estas propostas incluem incentivos para dar prioridade à competitividade, habitação a preços acessíveis, resiliência hídrica, capacidade de produção de defesa e mobilidade militar.

Outra questão levantada pelos auditores da UE é que o dinheiro da coesão seja utilizado atempadamente, por isso sublinham a importância de as regras aplicáveis serem adotadas cedo, para a programação ser mais rápida e haver um bom nível de financiamento antecipado para a execução poder começar a tempo. Coordenar esforços com outros instrumentos de Bruxelas é fundamental. De sete em anos, os novos quadros comunitários de apoio cada vez entram em vigor mais tarde.

Em especial, deve-se garantir que os dinheiros futuros da coesão sejam geridos com suficiente transparência e de forma a poder-se pedir contas aos seus gestores e que haja formas eficazes de recuperar as verbas usadas indevidamente.

Tribunal de Contas Europeu

E quando se discute a possibilidade de aplicar ao pós-2027 a mesma lógica de atribuição de fundos semelhante à do Plano de Recuperação e Resiliência, na qual Bruxelas tem um maior controlo, o TCE alerta que, primeiro “é preciso fazer um balanço das falhas detetadas” no PRR. “Em especial, deve-se garantir que os dinheiros futuros da coesão sejam geridos com suficiente transparência e de forma a poder-se pedir contas aos seus gestores e que haja formas eficazes de recuperar as verbas usadas indevidamente”, lê-se.

O TCE defende uma maior simplificação nos fundos europeus, apelando mesmo à maior utilização da metodologia dos custos simplificados, mas alerta que esta “simplificação não pode ser feita à custa da responsabilização e do desempenho”.

O tribunal concluiu que “as condicionalidades proporcionam fracos incentivos para que as despesas de coesão sejam eficazes”. “Em determinadas áreas, a política de coesão pode já fornecer apoio financeiro para a implementação de reformas, tendo a Comissão proposto recentemente alargar ainda mais este apoio. Embora o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR)” – que se traduz os PRR nacionais – “tenha sido concebido para apoiar as reformas nos Estados-membros, os resultados em termos de resposta aos desafios estruturais e de contributo para os objetivos da UE têm sido, até à data, limitados”, critica a instituição.

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