Preocupado com o estado do comboio Celta, que liga Porto e Vigo, o secretário-geral do Eixo Atlântico apoia a construção da linha de Trás-os-Montes e defende uma solução semicircular para o Minho.
A construção do troço entre Braga e Valença, no âmbito da linha de alta velocidade entre Porto e Vigo, é pretexto para o Eixo Atlântico propor uma linha semicircular para outros concelhos do Minho. Além de Braga e Guimarães, Felgueiras, Barcelos, Famalicão e Esposende são os outros municípios que podem ser beneficiados como uma nova ligação sobre carris. Resta saber se a proposta final contempla um sistema do tipo metropolitano ou se haverá uma solução com um comboio pesado.
Em entrevista ao ECO, Xoán Mao fala sobre as prioridades do Eixo Atlântico na área dos transportes, como a construção da Linha de Trás-os-Montes.O dirigente associativo lamenta a falta de aposta no comboio Celta, que une Porto a Vigo, mas deixa elogios ao trabalho da Infraestruturas de Portugal na área ferroviária.
Guimarães e Braga são dois dos membros do Eixo Atlântico. Os presidentes dos dois municípios pretendem construir um Bus Rapid Transit (BRT) entre estas cidades. O que tem a dizer sobre isto? O que acha das soluções do tipo BRT?
É uma ideia muito boa, muito necessária. O futuro passa por aqui. Os nossos especialistas já tinham recomendado isso. Estamos envolvidos neste projeto. No entanto, não está claro se a solução será do tipo metropolitano ou por comboio.
Quando se fala na solução ferroviária, há quem fale que é preciso construir um túnel de nove quilómetros. Outras pessoas defendem que o túnel é de quatro quilómetros.
Nessa parte não me envolvo. Não sou especialista. Os departamentos de Engenharia dos dois municípios é que têm de definir isso. Seja um ou outro formato, o que está em causa são os custos de manutenção e a procura de utentes. Hoje em dia, quase não há diferenças entre um sistema como o do Metro do Porto e o dos comboios de Cercanías [suburbanos] de Madrid. A ideia é fantástica, é prioritária e estamos a falar com as câmaras.
Estamos a falar com especialistas na área das infraestruturas e queremos ir além de Guimarães e de Braga. A Linha do Minho está saturada porque tem vários tipos de serviços de passageiros e também tem os comboios de mercadorias. Com a atual localização, muito dificilmente poderia ser melhorada em Vila Nova de Cerveira e na entrada de Caminha.
Temos uma nova ideia de linha ferroviária, que seria semicircular, para fazer a ligação com o novo troço [da alta velocidade] entre Braga e Valença. Nesta linha conseguimos incluir as cidades de Braga, Guimarães, Felgueiras, Barcelos, Famalicão e Esposende. Estamos a equacionar qual o meio de transporte a utilizar.
Acha que antes de 2030 deveria ser construído o troço entre o aeroporto Sá Carneiro e Braga?
Incomoda um pouco porque temos de utilizar um troço da Linha do Minho que está congestionado. Queremos apostar num projeto muito mais estruturante para ligar não só Guimarães a Braga, como outros centros habitacionais, académicos e empresariais do Minho. Estamos a analisar este projeto.
Temos uma nova ideia de linha ferroviária, que seria semicircular, para fazer a ligação com o novo troço [da alta velocidade] entre Braga e Valença. Nesta linha conseguimos incluir as cidades de Braga, Guimarães, Felgueiras, Barcelos, Famalicão e Esposende.
O que explica que o comboio Celta continue a ser feito com material a diesel quando a linha está eletrificada dos dois lados? O que lhe dizem as autoridades?
As autoridades não dizem nada. Suponho que têm vergonha. O segundo problema é que depois de termos eletrificado os oito quilómetros que restavam em Espanha, há uma diferente tensão na catenária [3.000 volts] face a Portugal.
Em Espanha há uma locomotiva da Renfe, da série 252, que pode circular com a tensão portuguesa e espanhola.
Certo. Só que a CP presta o serviço do comboio Celta com automotoras alugadas à Renfe e não tem unidades suficientes para dar serviço a esta linha nestas condições sem ser com comboios a diesel. Agora, começa-se a falar num cenário em que são utilizadas as locomotivas da série 252. Melhoraria muito as condições de serviço, mas não melhoraria muito o tempo de viagem, por conta dos constrangimentos na linha. Demorou-se muito na eletrificação da linha. Há falta de interesse do Governo espanhol.
E também há falta de interesse do Governo português?
Há um problema sério de falta de unidades porque durante muito tempo encostou-se material circulante. Portugal está a recuperar esses comboios. Mesmo o Alfa Pendular, o melhor comboio de Portugal, já está muito velhote e tem muitos quilómetros.
Se o melhor comboio que há em Portugal é velho demais e ficamos à espera de novos comboios, a que é que Portugal vai dar prioridade? Aos comboios entre Porto e Lisboa ou de Vigo ao Porto? Claro que dará prioridade aos comboios que estruturam o país.
Será preciso que, do lado espanhol, a linha tenha a mesma tensão na catenária para que se resolva isto?
Se ficarem disponíveis unidades polivalentes, como sugeridas na pergunta anterior, isto é capaz de resolver a situação. A solução definitiva é a nova linha entre Corunha e Vigo e resolver os 30 quilómetros da saída sul de Vigo conjugados com o troço Valença-Braga.
O Celta faz 10 anos em julho. Estão previstas novidades para essa altura?
Julgo que sim. Poderá haver algumas novidades.
Se o melhor comboio que há em Portugal é velho demais e ficamos à espera de novos comboios, a que é que Portugal vai dar prioridade? Aos comboios entre Porto e Lisboa ou de Vigo ao Porto? Claro que dará prioridade aos comboios que estruturam o país.
Em várias entrevistas tem manifestado grande confiança no trabalho da Infraestruturas de Portugal (IP) para construir a linha Porto-Vigo. A IP, no entanto, tem dado a cara por sucessivos atrasos nas obras do Ferrovia 2020. Acredita mesmo que esta empresa vai conseguir construir a linha entre Porto e Vigo?
Sim, pelo menos do Porto até à fronteira. Temos de distinguir a vontade de fazer, do calendário no terreno. A IP nunca falhou. O que falhou foram os timings, por muitas razões: instruções políticas e planificação política a mais do que o que os recursos humanos são capazes de executar. Às vezes, um país anda mais rápido do que o que as capacidades permitem. Isto não se resolve contratando engenheiros recém-formados. Por vezes, a IP tem falta de recursos humanos para as obras. Olhemos para o AVE da Galiza, que demorou mais de 25 anos a ser construído quando tinham sido planeados dez.
Sobre a saída sul de Vigo, o que acha das duas propostas submetidas a estudo informativo?
São uma forma intencional de perder tempo, de adiar o processo. Esta linha já estava definida, desenhada e aprovada: de Ferrol até à fronteira portuguesa. Só que nada se acrescentou entre Ferrol e a Corunha; entre Vigo e a fronteira só faltaram as expropriações e o início das obras. Há 13 anos, o Governo parou todo o processo e mandaram retirar as máquinas. Se estava tudo preparado, para que servem novos estudos?
A IP nunca falhou. O que falhou foram os timings, por muitas razões: instruções políticas e planificação política a mais do que o que os recursos humanos são capazes de executar. Às vezes, um país anda mais rápido do que o que as capacidades permitem. Isto não se resolve contratando engenheiros recém-formados.
Se acha que os novos estudos são uma perda de tempo, considera que Espanha não vai fazer nada até 2030 entre Vigo e a fronteira portuguesa?
Vão fazer porque há pressão do Eixo Atlântico, dos agentes económicos e do Governo português.
Porque é que o Eixo Atlântico decidiu apoiar a construção da Linha de Trás-os-Montes?
Não nos envolvemos nas características da linha. Quem define isso são os municípios que serão servidos. Apoiamos uma ligação de Trás-os-Montes com Espanha a partir do aeroporto do Porto porque isto contribui para reduzir o isolamento histórico da região. São os estudos de procura que vão definir que tipo de linha será construída. Se a linha é de alta velocidade ou de velocidade alta, isso não é uma questão política.
Mas o tempo de viagem é importante para o comboio concorrer com outros meios de transporte.
O tempo de viagem é muito importante, mas só pode ser definido conforme o número de utentes. Quanto mais rápido for o comboio, maior o número de passageiros. No entanto, se não parar nas populações intermédias, a linha é menos estruturante. Acredito que de Porto a Bragança a velocidade necessária para a linha ser competitiva será de 200 km/h, não menos do que isso.
A eletrificação da Linha do Douro até à Régua não deverá ficar pronta antes do final de 2025. Que comentário tem a fazer?
Portugal está a tentar recuperar o tempo perdido. Só que para se fazer isso em poucos anos coloca-se um problema: ou se aposta em recursos internos ou externalizam-se as engenharias. Está-se a tentar fazer em dez anos o que não se fez em cem. Estes constrangimentos são óbvios. Não posso opinar muito sobre este tema. Achamos que o tema está encaminhado e que há vontade de fazer a obra.
Quanto mais rápido for o comboio, maior o número de passageiros. No entanto, se não parar nas populações intermédias, a linha é menos estruturante. Acredito que de Porto a Bragança a velocidade necessária para a linha ser competitiva será de 200 km/h, não menos do que isso
Não acha estranho que uma linha com tanta procura como a do Douro, sobretudo para o turismo, é precisamente a que está mais atrasada nas obras?
Veja-se o número de utentes nas linhas e quais são as prioridades. Toda a gente quer ser a primeira linha em obra. Mas normalmente têm prioridade as linhas onde mora muita população, onde há muita atividade económica e as ligações dos portos com o resto da Europa. Diferentes são as linhas em que há menos procura e que necessitam de intervenções para serem um motor da economia.
Na ótica económica, é necessário um rácio entre benefícios sociais e o custo. Infelizmente, têm de se priorizar as linhas que criam emprego. O objetivo final é a economia e o emprego. Se não houver economia, não há emprego. Sem emprego, há menos gente a pagar impostos e isso afeta as contas públicas.
O que acha do regresso da Linha do Douro ao troço Pocinho-Barca d’Alva e da possível candidatura desta linha a património mundial da Unesco?
A recuperação das linhas, dentro de uma lógica de rentabilidade económica e social, é sempre algo a apoiar. O comboio e as linhas fazem parte da nossa história. Neste caso, há uma grande componente turística, um dos principais motores da economia e que pode existir tanto no litoral como no interior de um país. Uma linha de comboio ter hipótese de ser património mundial é uma muito boa notícia, uma coisa extraordinária, tal como aconteceu com a classificação do Douro Vinhateiro e da Ribeira Sacra (na Galiza).
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Linha de comboio entre Porto e Bragança só pode ser “competitiva” a 200 km/h
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