Falhas de gestão obrigam a recuperar 30 milhões pagos em fundos europeus a Manuel Serrão
Com as conclusões da auditoria da AD&C, ministro da Economia deverá agora “ponderar ações adicionais” na Aicep, nomeadamente disciplinares, o único organismo responsabilizado.
A auditoria aos serviços com alguma responsabilidade nas fraudes em investigação no âmbito da Operação Maestro, que investiga o empresário Manuel Serrão e o alegado uso fraudulento de fundos europeus, concluiu que houve “insuficiências” de gestão que vão obrigar à devolução de 30 milhões de euros de fundos europeus já pagos. O ministro da Economia deverá agora “ponderar ações adicionais”, nomeadamente disciplinares, na Aicep.
A Agência para o Desenvolvimento e Coesão (AD&C) realizou um inquérito à ação de controlo das entidades que estiveram de alguma forma envolvidas na suspeita de fraude com fundos europeus, que envolve Manuel Serrão e Júlio Magalhães. Compete, IAPMEI e AICEP foram as entidades alvo deste inquérito interno. A auditoria foi entregue ao ministro Adjunto e da Coesão, que tutela os fundos europeus, no passado dia 22 de junho, tal como o ECO avançou, e as conclusões são agora conhecidas em comunicado.
“A ação de controlo identificou insuficiências ao nível da aplicação dos procedimentos de gestão nas fases de análise e seleção de candidaturas, verificações de gestão (administrativas, no local e encerramento) e supervisão das funções delegadas, concluindo que a mesma não foi eficaz na prevenção, deteção e correção de erros”, lê-se no comunicado.
Por isso, o relatório foi remetido ao Ministério Público, à Inspeção-Geral de Finanças e às Autoridades de Gestão, mas foi também partilhado com o ministro da Economia, que tutela a Aicep, o “organismo intermédio abrangido pela ação de controlo desenvolvida, para que possam ser ponderadas ações adicionais no âmbito daquele organismo, designadamente de natureza disciplinar”, acrescenta a mesma nota.
“O Governo tem uma posição de tolerância zero para a fraude. Impõe-se recuperar o dinheiro indevidamente recebido e sancionar os infratores. É absolutamente fundamental preservar a confiança nas entidades responsáveis”, diz o ministro Manuel Castro Almeida citado no comunicado enviado às redações.
Impõe-se recuperar o dinheiro indevidamente recebido e sancionar os infratores.
Entre as falhas identificadas está um email de uma funcionária da Aicep no qual relatava aos “superiores hierárquicos situações irregulares nos projetos de um beneficiário (designadamente transferências bancárias irregulares entre partes relacionadas)”, sem que estes “tenham dado seguimento a esse reporte, antes pelo contrário, desvalorizaram-no”.
Manuel Serrão e Júlio Magalhães já foram constituídos arguidos na Operação Maestro, que investiga um alegado esquema fraudulento de obtenção, desde 2015, de milhões de euros para 14 projetos cofinanciados por fundos europeus. A Aicep em 2015 era liderada por Miguel Frasquilho, que foi substituído em 2017 por Luís Castro Henriques, que por sua vez foi sucedido no cargo por Filipe Santos Costa em junho de 2023. Antes de completar um ano em funções, foi afastado e agora a liderança cabe a Ricardo Arroja.
Perante as falhas que permitiram que houvesse situações de apropriação indevida de fundos europeus, o relatório conclui que as desconformidades “obrigam à anulação de despesas já certificadas no montante de 30 milhões de euros (valor fundo)”, uma tarefa que fica agora a cargo da AD&C, porque é a autoridade de certificação. Mas as autoridades de gestão de outros programas operacionais, como o Compete 2030, o Norte 2030 e o Lisboa 2030, ficam também incumbidas de “desencadear todos os procedimentos adequados, conducentes à recuperação das despesas indevidamente objeto de apoio”.
Do comunicado do Ministério da Coesão concluiu-se que não foram identificadas irregularidade de procedimentos ou decisões de outros organismos públicos que tiveram intervenção na análise e aprovação dos pagamentos, mas também na validação e pagamento das despesas. Era em função das conclusões desta investigação que o Executivo ia avaliar se existiam ou não motivos para afastar algum responsável dos respetivos cargos. O Ministério Público suspeita do “comprometimento” do presidente do Compete 2020, Nuno Mangas, e de uma antiga vogal, assim como de diretores da Aicep, no alegado esquema fraudulento que permitiu obter 30 milhões de euros em fundos comunitários, e não 39 milhões como o Ministério Público apontava inicialmente.
Da análise de 89 pedidos de pagamento e 17.335 linhas de despesa, cujo montante declarado para efeitos de cofinanciamento pelos beneficiários/promotor ascende a 72,4 milhões de euros, foram identificadas despesas que não estavam suficientemente justificadas. É o caso das faturas que terão permitido a Manuel Serrão viver oito anos no Sheraton com verbas de fundos. “Despesas insuficientemente justificadas, nomeadamente as realizadas numa unidade hoteleira na cidade do Porto cujo suporte é feito através de uma lista enviada pela entidade beneficiária, não sendo possível verificar, através das faturas, a identidade dos hóspedes ou o número de pessoas e de noites associadas à estadia”, diz o comunicado sem identificar nomes.
Foi também apresentada “uma despesa por um fornecedor, confirmando-se, através do respetivo NIF, que esta era o promotor do projeto (faturação a si próprio)”, e foram identificados fornecimentos realizados por entidades fornecedoras relacionadas, direta ou indiretamente, com os beneficiários/promotor, como aliás já era identificado no mandado de buscas, a que o ECO teve acesso. Por exemplo, “foram identificados fornecedores participados por consultores do projeto (com participação acionista direta ou indireta nesses mesmos fornecedores), sem evidência de que as operações entre estas partes tenham sido realizadas em condições de mercado”, explica o comunicado do Ministério da Coesão.
“Situações como as identificadas através desta ação de controlo são gravemente lesivas do Estado. São também profundamente negativas para a imagem do país, não só a nível nacional, mas também junto das instâncias europeias. Irregularidades destas não deviam existir, mas se existem têm de ser prontamente identificadas e imediatamente corrigidas”, sublinha Castro Almeida citado no comunicado.
O mesmo comunicado detalha que a ação de controlo incidiu sobre 16 operações, que envolveram:
- 16 processos de análise de candidaturas;
- 89 pedidos de pagamento;
- 17.335 linhas de despesa, cujo montante declarado para efeitos de cofinanciamento pelos beneficiários/promotor ascende a 72,4 milhões de euros;
- 4 verificações no local;
- 9 supervisões realizadas no contexto da análise das candidaturas;
- 1 supervisão realizada no contexto das verificações administrativas;
- Cerca de 2.000 comunicações entre Organismos Intermédios/Autoridades de Gestão e beneficiários/promotor, para pedidos de esclarecimento, envio de elementos, entre outros.
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