Que suspeitas, empresas e crimes estão na base da Operação Maestro?

A investigação, iniciada há seis anos, admite que Manuel Serrão é o maestro e principal mentor do esquema de fraude que terá lesado o Estado português em cerca de 40 milhões de euros.

Manuel Serrão, António Sousa Cardoso e António Branco da Silva, empresários do Norte, são suspeitos de terem criado uma estrutura empresarial controlada em conjunto pelos três. Objetivo? O Ministério Público acredita que fosse para o desvio de fundos europeus. A investigação, iniciada há seis anos, admite que Manuel Serrão é o maestro e principal mentor do esquema de fraude que terá lesado o Estado português em cerca de 40 milhões de euros. E já tem o nome, precisamente, de Operação Maestro.

Na terça-feira, o empresário e comentador televisivo foi alvo de uma operação da Polícia Judiciária (PJ) por suspeitas de crimes de fraude na obtenção de subsídios da União Europeia, fraude fiscal, abuso de poder e branqueamento de capitais. A investigação sustenta que, pelo menos desde 2015, Manuel Serrão, António Branco e Silva e António Sousa Cardoso, “conhecedores das regras de procedimentos que presidem à candidatura, atribuição, execução e pagamento de verbas atribuídas no âmbito de operações cofinanciadas por fundos europeus, decidiram captar, em proveito próprio e das empresas por si geridas, os subsídios atribuídos” às suas empresas. No total, são 78 mandados de busca, 31 buscas domiciliárias e 47 não domiciliárias.

Que empresas?

No centro da investigação estão três entidades: Associação Seletiva Moda, controlada por Manuel Serrão, e as sociedades No Less, SA e a consultora House of Project – Business Consulting SA, ligadas Branco da Silva e Sousa Cardoso. A associação controlada por Serrão recebeu a esmagadora maioria dos 38,9 milhões de euros de alegado desvio de fundos europeus.

Assim, segundo o mandado de buscas, a que o ECO teve acesso, seria Serrão “o responsável técnico indiciado em sede de candidaturas em todas as operações tituladas da Selectiva Moda, sendo o responsável pela execução das mesmas e pela gestão das relações institucionais estabelecidas entre aquela Associação e os organismos intermédios AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, ou autoridades de gestão (Compete)”, refere o Ministério Público.

Manuel Serrão era, assim, “o único decisor da gestão diária e financeira da Selectiva Moda, instruindo e dirigindo a atuação das colaboradoras, determinando os pagamentos às entidades fornecedoras, designadamente no âmbito de projetos cofinanciados”, acrescenta.

Feira têxtil MODtissimo, na Alfândega do Porto - 23SET20
Manuel Serrão, CEO da Associação Selectiva ModaRicardo Castelo

Como terá sido concretizado este esquema?

Manuel Serrão utilizava várias contas bancárias em nome de várias pessoas e empresas para esconder a proveniência dos fundos europeus, usando o dinheiro do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER).

Assim, o suspeito atuava através da “criação de estruturas empresariais complexas, visando a montagem de justificações contratuais, referentes a prestações de serviços e fornecimentos de bens para captação fraudulenta de fundos comunitários no âmbito de, pelo menos, 14 operações aprovadas, na sua maioria, no quadro do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (POCI), executadas desde 2015”.

Através dos 14 projetos cofinanciados pelo FEDER, executados entre 2015 e 2023, os suspeitos obtiveram, até aos dias de hoje, o pagamento no valor global de quase 39 milhões de euros.

A Selectiva Moda apresentou 13.711 documentos de despesa, correspondendo a mais de 71 milhões de euros, tendo as autoridades de gestão considerado elegíveis mais de 67 milhões de euros, aos quais corresponderam mais de 38 milhões em subsídio validado no âmbito do FEDER – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.

O MP sustenta ainda que os três suspeitos “obtiveram o comprometimento de pessoas da sua confiança, do seio do seu círculo de amizades”, como o jornalista Júlio Magalhães, “mas também do mundo empresarial, e em particular da área do setor têxtil, casos de Paulo Vaz, João Oliveira da Costa e Mário Genésio”.

As três empresas candidataram-se a várias linhas de financiamento do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização e do Programa Operacional de Lisboa. A Associação Seletiva Moda apresentou 14 candidaturas, que estão agora sob investigação. Após a aprovação dos projetos, as despesas realizadas eram alvo de financiamento através de adiantamento ou de reembolsos. Apresentando faturas falsas ou mesmo por simulação de negócios.

A ATVP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, que é sócia (juntamente com a Associação Nacional dos Industriais de Lanifícios) da Associação Seletiva Moda, estará igualmente envolvida no alegado esquema de desvios de fundos europeus.

Júlio Magalhães envolvido no esquema

O jornalista e pivot da TVI é suspeito de ter colaborado com Manuel Serrão na criação de uma empresa, falsificando documentos que comprovassem a existência dessa entidade, para melhor circulação dos fundos desviados.

O jornalista é atual acionista da No Trouble e sócio-gerente e beneficiário efetivo da House of Learning, a quem compete a titulação formal das referidas sociedades que, na verdade, são geridas de facto pelos três empresários e suspeitos principais na investigação. Foi ainda gerente da Modmood, de 2017 a 2021, a qual recebeu rendimentos de categoria A, sociedade então controlada de facto por Serrão, António Branco Silva e António Sousa Cardoso, apresentando como sócias naquele período Inês Branco Mendes, filha de Branco Silva, e Maria Sousa Cardoso, filha de Sousa Cardoso.

No que toca ao Jornal T, fundado em 2015 e destinado a divulgar a indústria têxtil e de vestuário portuguesa, verifica-se ser propriedade da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), com instalações na AEP, embora dirigido por Serrão, contando com colaborações permanentes do jornalista e da designer Katty Xiomara, além de artigos de opinião de Paulo Vaz, diretor-geral da ATP, e uma ligação com o Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário.

Como e porquê surge o nome de Nuno Mangas, presidente do Compete 2020?

O Ministério Público (MP) suspeita do “comprometimento” do presidente do Compete 2020, Nuno Mangas, e de uma antiga vogal por “violação dos respetivos deveres funcionais e de reserva, na agilização e conformação dos procedimentos relacionados com candidaturas, pedidos de pagamento e a atividade de gestão de projetos cofinanciados da Selectiva Moda e da AEP”, sustenta o MP.

Estas suspeitas levaram os inspetores da Polícia Judiciária a conduzir buscas na sede do Compete, a autoridade que gere o Compete 2020. “O Compete confirma que está a colaborar com procedimentos em curso por parte da Polícia Judiciária, no âmbito de uma investigação a projetos implementados com o apoio de fundos europeus, no âmbito do programa Compete 2020″, afirmou fonte oficial.

“No caso das operações sob investigação no âmbito da Operação Maestro”, coube à AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, “a análise técnica e acompanhamento dos 14 projetos em causa de que a Associação Selectiva Moda – controlada pelo empresário Manuel Serrão – foi beneficiária, procedendo à verificação dos pedidos de reembolsos e apuramentos das despesas financiadas”. Essas despesas foram depois “validadas pela autoridade de gestão do Compete 2020 — Programa Operacional Temático Competitividade e Internacionalização, com vista ao respetivo reembolso”.

“Indicia-se o comprometimento de funcionários da AICEP, caso de Ana Isabel Rodrigues Gonçalves Pinto Machado (diretora da Direção de Verificação de Incentivos da AICEP até final de 2023), [de] Mónica Brígida Gomes Machado Moreira Begonha (atual diretora da Direção Comercial da AICEP e anterior colaboradora da AEP [Associação Empresarial de Portugal]”, sublinha o MP.

Seis anos a viver no Sheraton do Porto

Manuel Serrão terá usado 372 mil euros de fundos europeus para pagar uma “residência permanente” no Hotel Sheraton, no Porto, durante cerca de oito anos.

Segundo o inquérito do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, a que as publicações tiveram acesso, os investigadores suspeitam que o hotel de cinco estrelas recebeu mais de 372 mil euros da Associação Selectiva Moda entre 2015 e 2023 e que “os encargos com o alojamento e outras despesas relativas à permanência de Manuel Serrão naquela unidade hoteleira” tenham sido imputados aos projetos da Selectiva Moda ou suportados por fundos europeus.

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