Haverá futuro para esta Europa?
É o propósito de cada geração, deixar à seguinte um futuro melhor. À beira de completar os primeiros 25 anos, as novas gerações europeias parecem, contudo, obrigadas a enfrentar desafios existenciais.
É provável que o dia 17 de setembro de 2024 não venha a ficar marcado na história da Europa… mas talvez devesse. Foi nesse dia que, em Bruxelas, Mário Draghi apresentou publicamente o seu trabalho sobre o futuro da competitividade da Europa, um trabalho que mais do que o riquíssimo conteúdo, teve o condão de fazer soar as sirenes de alarme que muito úteis teriam sido há dez ou mesmo há vinte anos.
A verdade nua e crua é muito simples: a Europa continua a ser um espaço de liberdade, de valores, de riquíssimo pensamento filosófico, mas já não é um modelo de competitividade económica, e deixou-se ultrapassar de forma quase irrecuperável por Estados Unidos e China.
Como Mário Draghi lembrou na apresentação deste trabalho, a Europa depende em quase 80% das importações de matéria-prima, para suportar a tecnologia digital que utiliza. Apenas uma em cada quatro das maiores empresas digitais de tecnologia tem sede e operações na Europa. Somos cada vez mais espectadores do progresso e não, como noutras eras, quem lidera as grandes descobertas científicas ou quem apresenta ao mundo as maiores novidades tecnológicas.
O próprio mercado de capitais reflete isso: não há uma única empresa europeia com uma valorização bolsista acima dos 100 biliões que tenha sido criada de raiz nos últimos 50 anos. Só nos Estados Unidos, há seis companhias que não existiam e que valem hoje mais de um trilião de dólares. A inovação e o R&D não “moram” na Europa. Apesar de anos de esforços, estamos a perder a “guerra” da inovação e, por inerência, a da competitividade.
E à derrota no eixo atlântico, junta-se o investimento chinês dos últimos 25 anos que oblitera por completo os esforços europeus, em particular na área da inteligência artificial, que é, assumidamente, a âncora e o leme para o desenvolvimento tecnológico do resto deste século.
Draghi propõe por isso à Europa uma terapia de choque. Temos que encontrar o equilíbrio entre a manutenção dos valores e das liberdades, a justa aplicação da regulação, mas a Europa e os europeus precisam de um esforço conjunto sem precedentes na dinamização da inovação, da competitividade e do desenvolvimento tecnológico sustentado.
A criação proposta de um estatuto diferenciado de “Companhia Europeia de Inovação” com regras harmonizadas em todo o espaço comunitário e acesso privilegiado a programas de financiamento, de aceleração e de retenção de talento, é uma das medidas bandeira apresentadas neste relatório, e que visa combater virtualmente os “Valleys” tecnológicos da concorrência global.
E, nesse sentido, o apelo à centralização e concentração do esforço de investimento em R&D, como forma de evitar a dispersão de esforços e a maximizar os resultados é também um dos pilares essenciais para a transformação e recuperação da competitividade. É verdade que cada país da União tem direito a preservar os seus polos de inovação, mas estes devem atuar debaixo de uma estratégia articulada de investimento e não de forma autónoma, sob pena de estarmos a obter resultados paralelos, promover a competitividade entre estados-membros e, no limite, a contribuir para uma utilização sub-ótima dos recursos disponíveis.
A Europa industrial tem que ser capaz de se transformar capitalizando nas possibilidades oferecidas pelas aplicações da Inteligência Artificial nas fábricas e nos fatores produtivos para, desta forma, ser capaz de ombrear em termos de eficiência e de qualidade com competidores provenientes de economias mais digitalizadas.
E é uma batalha existencial para a Europa, porque não o fazer é abrir a porta ao êxodo de talento que já hoje se verifica e cuja tendência, com as pressões sócio-económicas atuais, é que se acentue e acabe por desprover de conhecimento em áreas críticas as grandes economias europeias.
Para Portugal e para os jovens talentos e cientistas portugueses, é fundamental uma Europa com medidas e iniciativas de inovação fortes, com apoios diretos ao desenvolvimento de talento, porque ao contrário do que possa parecer a cada um de nós individualmente, exportar os nossos filhos para os Estados Unidos, para o Médio Oriente ou para a Ásia não é o futuro que sonhámos para eles e não é, acima de tudo, a nossa melhor resposta aos anseios das próximas gerações que agora chegam ao mercado de trabalho.
É por isso uma obrigação moral que temos, todos e cada um de nós, que beneficiámos do esforço das gerações anteriores para podermos viver numa era de maior conforto e prosperidade, com vidas melhores que as que tiveram os nossos pais e nossos avós, que sejamos assertivos na criação das condições para que as próximas gerações possam ter na Europa um futuro tão bom ou melhor do que o nosso.
Da mesma forma como enquanto portugueses nunca aceitámos ser europeus de segunda categoria e sempre provámos em todos os palcos que éramos tão bons ou melhores do que os outros, não podemos aceitar que as circunstâncias e a falta de liderança da maioria dos grandes estados europeus, converta as próximas gerações europeias, e a dos nossos filhos em particular, em expatriados forçados, obrigados a começar quase do zero, em realidades culturais que não seguem os valores de liberdade e respeito pelo próximo que sempre fizeram da Europa um lugar diferente e melhor para vivermos.
Não é pelo Sol e pela praia que temos que lutar… é pelo direito de sermos felizes, de vivermos em prosperidade e em família neste cantinho à beira-mar plantado… porque tem que haver um futuro para esta Europa… tem mesmo!
Nota: Os pontos de vista e opiniões aqui expressos são os meus e não representam nem refletem necessariamente os pontos de vista e opiniões da KPMG Portugal.
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