OE 2025: um Orçamento para a estabilidade, mas que ignora a competitividade

Ao nível do SIFIDE II, sublinha-se a expectativa existente quanto à prorrogação deste mecanismo de apoio, o qual estará em vigor até ao exercício de 2025, e que o OE nada refere a este respeito.

A estratégia para o novo Orçamento do Estado 2025 era evidente: procurar consensos no arco central da governação e evitar ruturas para garantir a sua viabilização em sede parlamentar, em prol da estabilidade política. No entanto, num momento tão crítico em que se aborda a perda de competitividade da Europa face às grandes potências mundiais, muito evidenciada pela publicação do Relatório Draghi, desilude a ausência de medidas que permitam tornar as empresas portuguesas mais competitivas e inovadoras e mais presentes nas cadeias de valor globais.

O contexto político ditou a entrega de uma proposta de Orçamento do Estado (OE) com um baixo caráter reformista e com uma perspetiva de continuidade face às prioridades do anterior Executivo. Sem prejuízo de algumas novidades relevantes, como a revisão da taxa de IRC ou o IRS Jovem, a proposta apresentada é lacónica quanto às medidas de fomento ao investimento, digitalização e inovação para as empresas, quer numa perspetiva de apresentação de novas medidas, quer ao nível da continuidade das medidas atualmente em vigor, particularmente relevantes num contexto em que as grandes empresas encontram-se fortemente limitadas no acesso aos apoios previstos no atual quadro de apoio — Portugal 2030.

Entendendo-se o contexto particular que motivou a redação desta proposta e as prioridades do atual Governo em garantir a estabilidade política, verifica-se, no entanto, um desalinhamento com as prioridades políticas atuais a nível europeu, sobretudo desde a publicação do Relatório Draghi, e até com as intenções do próprio Governo, que publicou, em julho de 2024, o Programa Acelerar a Economia, um compêndio de várias medidas que visam afirmar a economia nacional como uma potência exportadora e internacionalizada, com base no talento e na inovação.

No plano supranacional, e no que respeita às conclusões do Relatório Draghi, este mostra que o crescimento da União Europeia (UE) tem vindo a abrandar, devido ao enfraquecimento da produtividade e a uma procura externa mais fraca, em grande parte justificada pelas pressões concorrenciais crescentes por parte da China. Neste contexto, o Relatório evidencia três frentes de transformação essenciais, que passam pela inovação, a descarbonização e a segurança. Ao nível do desafio de colmatar o défice em inovação, o Relatório enfatiza a necessidade de estreitar o gap de inovação face aos EUA e à China, dado este ser um dos principais fatores que determina a diferença de produtividade entre a Europa e estas geografias, as quais têm uma capacidade superior de tirar partido das tecnologias mais avançadas e digitais.

De igual modo, o Relatório aponta como fator agravante o fraco financiamento de projetos de inovação, sobretudo em fases mais avançadas de desenvolvimento, comprometendo, assim, a expansão das empresas e da sua oferta, e resultando numa incapacidade de incorporação do valor destas tecnologias no próprio mercado. Complementarmente, o Relatório aborda que este défice de inovação se repercute num défice de investimento produtivo, em ativos conexos às tecnologias digitais no seu tecido industrial. Há, também, conclusões relevantes ao nível do investimento nos domínios da Investigação e Inovação (I&I), com uma evidente baixa participação e baixos apoios públicos nestes domínios, excessiva fragmentação e ausência de escala, o que contribui, também, para as fragilidades no ciclo de vida da inovação, já apontadas.

Entre outras conclusões e oportunidades destacadas no documento, é clara a necessidade de reformas profundas e de investimentos significativos, com maior prevalência nas indústrias que se revelem mais inovadoras, tecnológicas e net-zero, para garantir uma Europa mais competitiva a nível global. Neste contexto, uma das grandes reformas passa pela clusterização das indústrias-chave e das competências avançadas que a Europa detém à data, as quais se concentram, sobretudo, em países como Alemanha, França, Dinamarca e Holanda.

Como tal, e avançando-se com esta estratégia, Portugal arrisca a sua periferização e influência industrial em áreas-chave, urgindo, assim, a necessidade de apostar numa nova organização industrial, com incentivos concretos para que as empresas a atuar em Portugal tenham a capacidade de influenciar e organizar as cadeias de produção e tornarem-se um elemento incontornável ao nível de know-how e de capacidades competitivas à escala global.

Em face do exposto, a presente proposta de OE poderia ter configurado uma oportunidade para lançar, concretizar e reforçar mecanismos para o fomento desta transformação estrutural e, bem assim, influenciar a evolução das empresas para uma estratégia que lhes permita, no longo prazo, esta necessária afirmação no mercado global em setores críticos. Em linha com o exposto, refira-se que se mantém por concretizar a tão aguardada operacionalização do mecanismo de apoio “Investimentos em Setores Estratégicos”, criado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 49/2024, de 26 de março, o qual se enquadra, por sua vez, na Medida 2.8 do Quadro Temporário de Crise e Transição (lançado pela UE, em março de 2023) que visa permitir que os Estados-membro possam criar mecanismos de apoio mais flexíveis para acelerar investimentos em setores fundamentais para a transição para uma economia com emissões líquidas nulas.

Dado que o Quadro Temporário de Crise e Transição estabelece que todas as operações a financiar terão de ser aprovadas até dezembro de 2025, e atendendo à rápida aproximação desta data, é com muita surpresa que se verifica que o OE nada refere quanto à cabimentação da verba que será destinada a este mecanismo de apoio em particular. Com efeito, apenas é referido que será atribuída à Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), uma dotação de 500 milhões de euros, sendo que se perceciona que, nesta dotação, esteja incluído o saldo não aplicado de 150 milhões de euros/ano dos últimos dois anos (incluindo, ainda. o saldo adstrito a 2025), originalmente destinado ao Regime Contratual de Investimento (RCI) para grandes projetos de investimento, que visa apoiar projetos altamente estratégicos, promovidos por grandes empresas, atenta a exclusão das mesmas nos mecanismos de apoio financiados pelo Portugal 2030.

Como tal, entende-se, assim, que a alocação anual de 150 milhões de euros não se encontra a ser, até agora, efetivamente gasta no financiamento a grandes projetos de investimento por parte de grandes empresas, como se mantém em aberto a operacionalização do mecanismo de apoio “Investimentos em Setores Estratégicos” – que, recordamos, tem como data-limite de aprovação das operações a financiar em dezembro de 2025 –, bem como a dotação a alocar a este mecanismo de apoio em exclusivo.

Já no plano nacional, e como já referido, o Governo publicou, em julho de 2024, o Programa Acelerar a Economia, o qual conta com 60 medidas a implementar no horizonte temporal da legislatura em curso, sendo que algumas destas, com surpresa, acabaram por não ser concretizadas na proposta do OE. A este nível, destaca-se a revisão do Sistema de Incentivos Fiscais à I&D Empresarial II (SIFIDE II), que, no Programa, prevê a flexibilização dos designados “Fundos de I&D”, algo que surge em movimento contrário às revisões que foram realizadas desde 2020 a esta vertente em particular do SIFIDE II, pelo anterior executivo, e as quais têm procurado limitar, em grande medida, a capacidade destes fundos concretizarem os investimentos a realizar em empresas dedicadas sobretudo à I&D. A título de exemplo, refira-se que a medida constante no programa prevê:

  • Redução do requisito de despesa em I&D das empresas investidas de 7,5% para 5% do seu volume de negócios do ano anterior;
  • Prorrogação, de 3 para 5 anos, do prazo permitido para os fundos SIFIDE realizarem o investimento em empresas de I&D;
  • Prorrogação, de 3 para 5 anos, do prazo permitido para as empresas investidas concretizarem o investimento em I&D.

Não obstante, nenhuma destas iniciativas acabou por ser enquadrada na atual proposta, o que, possivelmente, se deve à procura por consensos que o atual Governo priorizou para assegurar a aprovação do OE.

De igual modo, e ainda ao nível do SIFIDE II, sublinha-se a expectativa existente quanto à prorrogação deste mecanismo de apoio, o qual estará em vigor até ao exercício de 2025, e que o OE nada refere a este respeito. Atendendo à sua relevância, e sobretudo à tração que este mecanismo tem ganho nos últimos anos, seria muito pertinente a sua manutenção a longo prazo para garantir a competitividade portuguesa na atração deste tipo de investimento tão relevante. Como tal, esta indefinição acaba por transmitir alguma incerteza às empresas, sendo que, no atual quadro económico, poderá contribuir para uma maior contração na concretização de investimentos em I&D.

Em suma, a proposta de OE de 2025 apresenta-se, à data, como uma oportunidade perdida para dar resposta aos desafios estruturais que as empresas enfrentam no curto, médio e longo prazo. Apesar de neste constarem algumas iniciativas que têm sido recebidas com entusiasmo, como é o caso da redução da taxa de IRC, a ausência de medidas concretas para fomentar o investimento, a inovação e a descarbonização revela uma desconexão preocupante com os desafios que a Europa atualmente enfrenta, em prol de uma priorização dos interesses políticos que, ainda que justificada pelo cenário de instabilidade política que Portugal enfrentou nos últimos anos, se poderá refletir de forma gravosa na competitividade das empresas e na sua capacitação para os desafios do futuro, pelo que seria importante a sua revisão em sede de discussão parlamentar.

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