O regresso do Snob, de cara lavada, com o conforto de sempre
Ao fim de 60 anos, o Snob, um dos mais míticos bares do Bairro Alto, mudou de mãos e fechou para renovação. Mudou, mas mudou bem. Acaba de reabrir, com a mesma essência e o conforto de sempre.
O Snob marcou o início da minha profissão de jornalista. Acabada de largar as fraldas da faculdade, ainda a gatinhar pelos corredores das redações agarrada ao verde (tão verde como eu) da minha carteira profissional de jornalista estagiária como um talismã, fui apresentada ao mítico Snob no final de uma noite de fecho de jornal. Certamente uma quinta-feira, dia em que os semanários fechavam as suas edições e os grandes mestres da escrita rumavam, invariavelmente, ao bar que se escondia atrás da porta verde do nº178 da Rua de O Século, em pleno Bairro Alto, na época a Meca dos “jornaleiros” para tudo: viver, comer, beber, conviver. Para eles, uma noite como tantas outras; para mim, a red carpet do mundo dos escribas, por onde desfilavam diretores de jornais centenários, renomados chefes de redação, vozes míticas da rádio, redatores-principais com as suas fontes, afamados cronistas, proeminentes políticos, escritores-estrela, que se sentavam ali, à mesa, a beber e a fumar, sob aquela iluminação ténue, com gente das artes, realizadores de cinema e outras cabeças pensantes da época, madrugada fora. E eu a sentir-me uma mirone-penetra, uma criança no mundo dos crescidos, a absorver aquela atmosfera tertuliana com um crescente sentimento de pertença, quase de clã, do qual queria fazer parte um dia, mastigando silenciosamente o meu bife à Snob, de molho impecável e suculentas batatas fritas a acompanhar. Eram os tempos áureos da imprensa. Hoje findos. Longínquos. Irrepetíveis.
O Snob era o cenário perfeito para estes encontros. A porta fechada, que o Sr. Albino abria solenemente ao toque da campainha. A pesada cortina corta-vento que se abria para a sala da entrada, de garrafeira recheada, pequenas mesas de jogo com parca iluminação e lugares cativos. Um ambiente de clube inglês secreto, algo decadente, com o fumo do tabaco a pairar sobre os móveis de madeira escura e os panos de mesa já desgastados do tempo e das sucessivas lavagens, mas ainda assim tão aconchegantes como a comida servida e o atencioso serviço.
Inaugurado a 16 de novembro de 1964 pelo desenhador do jornal O Século, Paulo Guilherme D’Eça Leal, o Snob foi adquirido em 1967 por Adriano Oliveira. A sua decoração, inspirada nos tradicionais bares ingleses, e a intimidade do seu ambiente à meia-luz, com estantes de livros, candeeiros de latão e pequenas mesas de madeira, criaram o cenário perfeito para discussões e conversas noturnas que marcaram gerações. Foi frequentado por escritores como José Saramago e José Cardoso Pires, cineastas como João César Monteiro, músicos e atores como Carlos do Carmo e Simone de Oliveira, muitos ministros e quase todos os Presidentes da República.
A estagiária-gatinhante, entretanto, aprendeu a andar, foi sobrevivendo aos desafios da profissão e aos prazos de fecho, cresceu, integrou-se, encontrou o seu espaço nos media. E continuou sempre a frequentar o Snob, em noites de fecho e sem ser de fecho, para dois dedos de conversa com um copo à frente, um croquete e um bacalhau à Brás feito a preceito na cozinha da D. Maria. Ou o bife, o incrível bife, para confortar o estômago antes de dormir. A vida foi passando. Vieram as responsabilidades, os filhos, as atividades, o corre-corre do dia-a-dia. As visitas ao Snob foram sendo mais espaçadas, mas sempre com o mesmo sentimento de reverência histórica de quem visita um templo de outros tempos. Até ao dia em que caiu a bomba: o Snob ia fechar. O Snob ia mudar. O Snob ia acabar? Não podia, o Snob é mítico. E não acabou. O Snob acaba de reabrir, depois de uma cuidadosa renovação, depois de adquirido pelo Grupo São Bento, preservando a sua essência e a atenção aos detalhes, trazendo de volta à cidade o ambiente único que o tornou incontornável.
Miguel Garcia, do Grupo São Bento, diz que “o Snob é único e irrepetível” e eu não posso estar mais de acordo. Com um legado histórico que se cruza com a política e a cultura dos últimos 60 anos em Portugal, o Snob é mais do que um bar: foi uma agência de notícias informal, onde, a partir da mesa 10, se partilhavam novidades e discussões que moldaram a história recente do país. “Cada marca nas madeiras das suas cadeiras ou estantes é testemunho desse tempo e das inúmeras conversas que ali se cruzaram e que se manterão no futuro”. Na sua nova fase, o Snob preserva o que tem de mais autêntico, ao mesmo tempo que renova os seus espaços para manter a essência. A decoração privilegiou o restauro, mantendo as vitrinas de madeira originais e o uso de latão, material característico da antiga latoaria que ocupava o local. Os estofos foram renovados, mas recuperaram o couro verde-escuro que deu charme ao ambiente ao longo de décadas. As mesas, agora com tampos novos, ainda conservam os pés de madeira originais, cuidadosamente tratados para se manterem firmes durante os próximos 60 anos.
O menu mantém os clássicos de sempre, embora a carta tenha sido cuidadosamente atualizada para para destacar as receitas secretas que tornaram o espaço numa referência nas refeições fora de horas. Os pratos clássicos, como o Bife à Snob do lombo (20€) ou da vazia (17€), os Pregos (a partir de 9€) e o Croquete (4,5€ por duas unidades), continuam a fazer a manchete. Para quem preferir uma alternativa mais leve, o Bacalhau à Brás (15€), as Omeletes (a partir de 10,5€) e as Gambas Al Ajillo (13€) permanecem escolhas perfeitas. Nas sobremesas, reina a famosa Mousse de Manga com os seus três ingredientes secretos (5€.
E porque uma boa conversa nunca se faz a seco, o serviço de bar do Snob foi ampliado com o objetivo de oferecer uma experiência mais completa de coqueteleria e uma verdadeira viagem no tempo até à era dourada da melhor tradição speakeasy da década de 1920. Com a colaboração do chefe de bar Manel Frazão, surge uma ampla seleção de whiskies – mais de 60 variedades provenientes de diferentes partes do mundo – para beber com ou sem gelo, a partir dos 8€. Quanto aos cocktails, a carta homenageia os clássicos mundiais, a partir de uma completa seleção de destilados entre rum, gin, conhaque, tequila e outros prontos a servir clássicos como o Sazerac (10€), Clover Club (9€), Painkiller (9€), Negroni (8€), Dry Martini (8€) e Cosmopolitan (9€) ou apostas mais modernas como o Espresso Martini (9€) ou o Honey Trap (9€). Cada bebida é apresentada com um breve resumo da sua história, ingredientes e as suas características de sabor para uma experiência mais imersiva.
Um regresso muito esperado por esta jornalista de meia-idade. Um convite a revisitar.
Snob
Rua de O Século, nº178 – 1200-438 Lisboa
Aberto todos os dias das 19h00 às 2h00
Tel.: 92649164
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