Municípios alertam para riscos de “sustentabilidade ambiental” na dispersão de construções em solos rústicos
Associação Nacional dos Municípios diz que “é preciso criar uma base segura para a atuação que se pretende dos municípios”, com respeito pelas opções nos “instrumentos estratégicos municipais".
A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) considerou, em parecer à proposta governamental de reclassificação de terrenos rústicos em urbanos para habitação, que a dispersão de construções em solo rústico deve ponderar “vários fatores e riscos”, incluindo a “sustentabilidade ambiental”.
“A dispersão de construções no solo rústico comporta uma fundamentada e sopesada ponderação de vários fatores e riscos, tanto ao nível da sustentabilidade ambiental, da guetização de pessoas, como dos encargos com a infraestruturação geral do território”, lê-se nas conclusões do parecer da ANMP.
O parecer, de 18 de dezembro, a que a Lusa teve acesso, foi emitido relativamente à proposta de decreto-lei de alteração do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), antes da versão final aprovada pelo Governo, como afirmou, no parlamento, um dos vice-presidentes da ANMP, Ribau Esteves (PSD).
A associação salientou acompanhar os objetivos da iniciativa de promoção da construção de habitação pública e acessível, bem como de soluções de venda a preços compatíveis para as famílias, afirmando que a proposta constitui “um passo nesse sentido”.
No entanto, para a ANMP, atendendo à abrangência da proposta, “que acaba por ultrapassar a finalidade habitacional, é muito importante que esta 7.ª alteração ao RJIGT se articule melhor com o restante edifício legislativo e instrumentos programáticos nacionais, em especial com as diretrizes do PNPOT [Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território] e com a Lei dos Solos”.
Para a associação, “é preciso criar uma base segura para a atuação que se pretende dos municípios”, com respeito pelas opções nos “instrumentos estratégicos municipais, desde logo na área da habitação”, e que “não propicie dúvidas quanto à sua legitimidade, quanto ao enquadramento legal destes novos ou melhorados instrumentos e à sua conformidade com todo o edifício legislativo”.
Por ser “incontornável que determinados usos do solo ou atividades” devem “localizar-se fora dos aglomerados urbanos” – por implicações de salubridade e na saúde das populações, ou acesso ágil a vias de comunicação –, a ANMP não concordou com a revogação de um artigo do RJIGT, advogando ser “da maior importância manter o procedimento simplificado de reclassificação de solo para zonas industriais, plataformas logísticas e infraestruturas de apoios ou portos secos”.
É preciso criar uma base segura para a atuação que se pretende dos municípios”, com respeito pelas opções nos “instrumentos estratégicos municipais, desde logo na área da habitação.
Na apreciação à proposta de decreto-lei, a associação reconheceu a “oportunidade e importância das medidas de flexibilização” apresentadas, na procura de medidas “mais diversificadas para responder ao problema do acesso à habitação”, embora vá “além da mera finalidade habitacional”, exigindo “algum esforço adicional de articulação ao nível legislativo”.
No documento salientou-se também que o novo regime especial de reclassificação para solo urbano com finalidades habitacionais, apenas previsto na propriedade pública, passa a incluir finalidades conexas e ‘usos complementares’”, e a ser aplicável à promoção privada de soluções de ‘habitação de valor moderado’”, considerando os preços médios de venda em território nacional ou do concelho.
O novo conceito procura “abranger o acesso pela classe média”, mas “os resultados da aplicação prática desta equação geram dúvidas e poderão resultar excessivos para muitas famílias”, como no caso de Lagos, semelhante a muitos outros municípios e não só do Algarve, cuja aplicação redundará “num preço de venda de 380.000 euros para fração de 100m2 (3.737 euros/m2)”.
O parecer notou que o RJIGT e a atual Lei de Bases de Solos “materializaram uma importante reforma do ordenamento do território” iniciada em 2014, durante um governo PSD, com “contenção dos perímetros urbanos e introdução de disciplina na transformação do solo rural em urbano”, pelo que a proposta deve articular-se nomeadamente com os vários instrumentos de planeamento territorial vigentes.
“A nova geração de PDM [Planos Diretores Municipais] está a ser elaborada no pressuposto de contenção dos perímetros urbanos e introdução de disciplina na transformação excessiva do solo rural em urbano”, nota-se no documento, acrescentando também a necessidade de articulação com os indicadores estabelecidos no Relatório do Estado do Ordenamento do Território (REOT) quanto à proporção de solo urbano edificado e do número de fogos vagos (INE, 723.215).
“Qualquer análise à falta de solos destinados à construção de habitação deve procurar espelhar a realidade de cada município, em articulação com os investimentos públicos em infraestruturas urbanas, indissociáveis à prestação de um bom serviço público”, defende-se.
Nas conclusões, a ANMP recomenda que “o texto do articulado proposto deve ser melhorado”, com “adequada articulação com a restante regulação do ordenamento do território, tendo em vista a melhor e efetiva exequibilidade, pelos municípios, das medidas propostas”.
A alteração do RJIGT permitirá a reclassificação de solos rústicos em urbanos, para a construção de habitação, incluindo em áreas da Reserva Ecológica Nacional e da Reserva Agrícola Nacional.
O Bloco de Esquerda (BE), o PCP e o Livre solicitaram a apreciação parlamentar do diploma, com vista à sua revogação, mas o PS já disse que apenas pretende alterar o documento.
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