A mobilidade como fator de coesão nacional, na Local Summit
Combater a "pobreza de mobilidade" e desenvolver esforços para encontrar 3.000 milhões de euros para transformação das frotas de autocarros são desafios para a mobilidade deixados na Local Summit.

Num contexto político em que os partidos portugueses trocam considerações, acusações e farpas relativas a uma eventual revisão constitucional, a presidente da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (IMT), Ana Paula Vitorino, levou à segunda edição da Local Summit a defesa de instituir a mobilidade e a acessibilidade aos transportes como direito constitucional, à semelhança do que acontece com a habitação, saúde e educação.
Durante a sua intervenção no painel “Mobilidade Urbana e Planeamento Sustentável nas Autarquias”, nesta Local Summit organizada pelo ECO/Local Online, Ana Paula Vitorino defendeu efusivamente que “a mobilidade e acessibilidade devem ser um direito equiparado a um direito constitucional”. Contudo, questionada sobre a pertinência de aproveitar as propostas de alteração à Constituição que estão a ser anunciadas para formalizar a proposta, Ana Paula Vitorino realça que o “‘ser equiparado a’ não obriga necessariamente a uma revisão constitucional – espero que não haja revisão constitucional, pelo menos nos termos em que tem sido falado”. Deve, sim, ser considerado um “direito constitucional nos atos de planeamento dos governos, Assembleia da República e das autarquias”, reitera.
Para a investigadora e ex-secretária de Estado dos Transportes, a fórmula para melhorar os transportes públicos passa por haver “mais e melhor oferta, e não poluente – o que implica a descarbonização das frotas de transportes públicos –, pela diminuição das deslocações não obrigatórias e por “um bom planeamento e ordenamento do território”.

Mas estas medidas exigem investimentos elevados. “A estimativa nacional são três mil milhões de euros, que não podem ser suportados inteiramente pelos operadores, pelo orçamento do Estado, muito menos pelo orçamento das câmaras”, contabilizou a presidente da AMT.
Por seu lado, durante a sua intervenção, o presidente do conselho de administração da Transportes Metropolitanos de Lisboa, Faustino Gomes, citou o Plano Metropolitano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMMUS) como um exemplo de “planeamento que visa criar uma mobilidade metropolitana alinhada com as necessidades da população” e que funciona em rede entre os vários municípios da Área Metropolitana de Lisboa (AML).
“É fundamental termos um plano metropolitano, que é construído com base nas estratégias de cada um dos municípios, mas depois há que coser fronteiras, que a rede de cada um fale com a dos municípios do lado e passemos a olhar a rede como um todo”, advogou.
Cada município não é uma ilha, está interligado com todos os que estão à volta.
Partindo do princípio de que “cada município não é uma ilha, está interligado com todos os que estão à volta”, a rede entre as várias câmaras da AML reveste-se assim de notória importância para este responsável.
O papel das câmaras é igualmente defendido por Ana Paula Vitorino. Não se deve “pensar em políticas ativas de transporte sem ter uma participação ativa dos municípios”. Aliás, reforçou, “não vale a pena pensar o país sem os poderes locais. Não se pode ignorar o poder local“.
Há outra questão premente para a antiga governante socialista: “Temos de pensar no país como um todo”. Não se pode, diz, estar “sempre focado no litoral” no que diz respeito ao planeamento dos transportes públicos. Para Ana Paula Vitorino, existe uma outra realidade no país e que tem sido mais descurada em benefício da faixa junto ao mar. “A pobreza de mobilidade existe em todo o interior”, avisou, assinalando que “não é com benefícios fiscais” que se consegue “povoar e dinamizar a atividade económica” nesta zona do país. É preciso, sim, “criar as condições e depois as pessoas vão. Ninguém irá para um sítio onde não terá uma vida de qualidade”, alertou.
“A política também é um ato de coragem”
Luís Nobre, autarca de Viana do Castelo, notou que “os decisores sentem pressão” da comunidade quando se trata de implementar no terreno uma melhor rede de transportes que vá ao encontro das suas necessidades. Como resposta, o município não teve com meias medidas e decidiu “ir mais além do discurso” e “dar um sinal claro à sociedade” ao assumir o papel de operador numa altura em que se encontrava a desenvolver o plano de mobilidade sustentável municipal. Aqui, detalhou, os dois eixos fundamentais eram os modos suaves e a descarbonização.
Para Luís Nobre, “a política também é um ato de coragem”. E, como tal, adiantou, vai avançar com “esse serviço, a partir de setembro, e com uma frota totalmente elétrica”. O município também delineou uma “geografia superior, porque a definição de área urbana estava contida às freguesias do núcleo e periféricas, e criando mais um anel, com parques empresariais.”

Para o autarca de Viana do Castelo é importante encontrar soluções que vão ao encontro das necessidades da população. “Não interessam transportes se não forem inclusivos na dimensão da eficiência, mas também social e económica de acesso aos mesmos“.
No caso de Cascais, ainda há “um longo caminho longo a percorrer no que diz respeito à descarbonização, nomeadamente para atrair mais gente para o transporte público”, vincou o número dois da câmara, Nuno Piteira Lopes, que se vai candidatar à presidência da autarquia nas próximas eleições. A gratuitidade dos transportes públicos no concelho deu um “contributo”, mas não convence toda a população a utilizá-los em detrimento do veículo próprio. Segundo Nuno Piteira Lopes, ainda é preciso fazer “um caminho paralelo com os mais jovens”, uma vez que “são os catalisadores das grandes mudanças”.
Os números mais recentes não são os melhores: “Um dado que me tem preocupado é que apenas 12% dos alunos utilizam transporte público para ir para a escola, apesar de ser seguro, viável e ter videovigilância”. O município quer elevar a fasquia para os 30% utilizadores jovens nos próximos anos. O que passa por ir ao encontro dos interesses dos mais novos, como frotas com acessibilidade para necessidades especiais, videovigilância ou wifi.
Nuno Piteira Lopes espera que o número também aumente a par da requalificação da linha de comboio de Cascais e o alargamento de uma faixa em cada sentido exclusiva para uso dos transportes públicos, na A5 e até ao Centro Comercial Colombo.
A propósito desta matéria, o seu homólogo de Viana vai mais longe: é preciso “alguma literacia e sensibilização” para a troca do transporte individual pelo coletivo.
Um dado que me tem preocupado é que apenas 12% dos alunos utilizam transporte público para ir para a escola, apesar de ser seguro, viável e ter videovigilância.
Por fim, neste painel da Local Summit, o vice-presidente da câmara de Cascais aproveitou a sessão para apelar aos seus homólogos da AML que, independentemente da cor partidária de cada um, não deixem cair por terra todos os avanços e dinamismo que foi conseguido até agora no que diz respeito a políticas de transporte público na região. E que prevaleça, por isso, uma coesão política.
Nuno Piteira Lopes fez este apelo uma semana depois das eleições legislativas que reconduziram a Aliança Democrática (AD) ao Governo e a poucos meses das eleições autárquicas. “Independentemente de quem venha a ser eleito [nas autárquicas, que haja um] compromisso no sentido de Estado para que as coisas continuem a correr bem”.
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