O ministro da Agricultura considera que o acordo UE-Mercosul "É muito positivo" para Portugal, porque "vai impor regras, objetivos, uma monitorização e tem cláusulas de salvaguarda".
O ministro da Agricultura, que foi negociador das receitas próprias da União Europeia quando era eurodeputado, admite que Bruxelas emita mais dívida comum para financiar os objetivos de Defesa, mas também a reconstrução da Ucrânia. A pouca vontade que os Estados-membros têm de aumentar as contribuições para o orçamento comunitário e o facto de ainda não haver muitos progressos no capítulo das receitas próprias poderá ser determinante para esta opção.
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“Não existindo novos recursos próprios, não ficarei muito surpreendido que a solução para a defesa pudesse vir a ser, por exemplo, um PRR. Uma dívida comum para financiar a defesa. Mas também para reconstruir a Ucrânia”, disse José Manuel Fernandes no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus.
A ideia já tinha sido defendida por Elisa Ferreira, a ex-comissária europeia para a Coesão e Reformas, no ECO dos Fundos. Numa sugestão pessoal, a responsável defende que “a Europa precisava de pensar também em renovar a dívida que contraiu, em vez de estar a pagar totalmente e acabar com toda a dívida”. Esta opção daria recursos adicionais ao Orçamento comunitário e seria um “fator de estabilização dos mercados financeiros”, explicou.
José Manuel Fernandes alerta que “vai haver um problema nas próximas negociações” porque “os Planos de Recuperação e Resiliência são dívida”. “E na parte das subvenções, o pagamento da dívida está dentro do 1% do PIB. E até 2058 vai corresponder a cerca de 15 mil milhões de euros por ano, e 10 a 15% do orçamento, por causa das taxas de juro que variam, terá de ser destinado ao pagamento da dívida“, frisou.
Como é que vê o acordo estabelecido entre a União Europeia e o Mercosul? Pode comprometer a segurança alimentar, porque determinados produtos agrícolas vão chegar a preços muito competitivos?
E não chegam já? Para já não há acordo, ainda. Havendo um acordo comercial, é preciso que haja uma maioria no Conselho e depois uma aprovação do Parlamento Europeu. Depois, há pessoas que pensam que o acordo já está em vigor e por isso ‘estamos a ter aqui produtos que não respeitam as mesmas normas que temos’. E não há, no fundo, um princípio de reciprocidade. O Acordo Mercosul é um acordo que considero que é win win e que, em termos geopolíticos, seria extremamente importante. Estamos a falar da União Europeia e do Mercosul (Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina), cerca de 10% da população mundial, são mais de 740 milhões de pessoas e cerca de 25% do PIB, o que é muito considerável. Dava-nos uma força geopolítica brutal e estes dois blocos têm presença e influência em África. E isto seria muito positivo em termos da defesa de valores comuns, como por exemplo, a democracia e o Estado de Direito. E um bloco a fazê-lo seria extremamente importante. Este acordo vai impor regras, objetivos, uma monitorização, que é necessária, tem cláusulas para os direitos sociais, cláusulas de salvaguarda e também quotas e limites. Para Portugal considero que era muito positivo.
Não está preocupado com setores específicos como os produtores de carne bovina ou de arroz, por exemplo, que são talvez dos mais afetados?
Mas não entra já a carne desses países aqui? A carne que vier a entrar vai ter de respeitar aquilo que são os nossos padrões, as regras. E, portanto, haverá aqui um princípio de reciprocidade. E também há quotas. O que está previsto — cerca de 90 mil toneladas que é a quota — corresponde a cerca de 1% daquilo que é a nossa produção. Há aqui muita notícia que não corresponde à verdade e que pretende incutir o medo. Claro que trará exigências, mas também trará uma complementaridade. Para Portugal, por exemplo, ficaria uma enorme oportunidade para os nossos vinhos e azeite, uma vez que as taxas alfandegárias são muito altas.
Quase proibitivas.
Mesmo sendo quase proibitivas, se falarmos de vinho ou de azeite, conseguimos entrar no mercado com sucesso. No Brasil, por exemplo, são 213 milhões de pessoas. Nem sempre há a perceção da realidade que o Brasil é o dobro da área da UE e é metade da população da UE. Só o Brasil, com quem temos um relacionamento fortíssimo. Nós que temos tecnologia podemos disponibilizá-la aos países do Mercosul. Eles que têm matérias-primas podem ter um relacionamento forte connosco. Mas, num acordo entre duas partes ambos têm de ser vencedores. Considero que serão vencedores, ainda que haja desafios, desafios que podemos vencer. Mas, do ponto de vista geopolítico, dos nossos objetivos em termos ambientais, da reciprocidade, haveria aqui um caminho e haverá, que é de muita exigência para os países do Mercosul, em que eles em vez de terem normas que neste momento são diferentes das nossas, teriam de se aproximar e ter as mesmas regras para que haja a reciprocidade que referi.
Este acordo vai impor regras, objetivos, uma monitorização, que é necessária, tem cláusulas para os direitos sociais, cláusulas de salvaguarda e também quotas e limites. Para Portugal considero que era muito positivo.
Também temos uma nova ameaça com agora a eleição do Presidente Trump.
Mas o acordo Mercosul não é uma ameaça. É uma oportunidade.
Trump ameaça impor tarifas a vários países. Como está a ver este problema? Está a ser pensada alguma estratégia?
Na União Europeia vivemos um período onde Alemanha e França não têm a força que deveriam ter, são dois motores que deveriam ter.
Então um bocadinho gripados.
Não quis usar essa expressão. São dois motores que precisavam de liderança. Precisávamos de uma senhora Merkel, do lado da Alemanha e, se calhar, também de uma senhora Merkel, do lado de França. De gente que tem liderança e que possa arrastar, nomeadamente aqueles que são os denominados contribuintes líquidos, sobretudo os tais frugais, que têm algumas dificuldades em colocar recursos no orçamento europeu para podermos ter projetos comuns e soluções que só a todos beneficiam. Nunca gostei da distinção contribuintes líquidos e beneficiários líquidos. Porque, como tantas vezes disse, são todos beneficiários. Aqueles que consideram que são os contribuintes líquidos são os que mais beneficiam do mercado interno. Mas é essencial que haja união do lado da União Europeia, que haja cooperação, partilha, projetos comuns, uma ação concertada a vários níveis. A liderança Trump é também uma oportunidade e poderá obrigar a que haja essa união, que nem sempre existe.
A liderança Trump é também uma oportunidade e poderá obrigar a que haja essa união, que nem sempre existe.
Vimos que um desafio que foi a Covid-19 obrigou os Estados-membros, por exemplo, a fazerem algo que demorou algum tempo, porque são competências nacionais: uma compra conjunta de vacinas e antes uma investigação para o objetivo vacinas. Se isto não tivesse sido feito, iríamos ter aqui cidadãos europeus de primeira e de segunda. Os Estados mais ricos iriam comprar as vacinas a preços enormes, mas para eles próprios e teríamos aqui várias velocidades em termos de vacinação. Isto é um exemplo que mostra que uma dificuldade trouxe a união e depois trouxe uma outra coisa: uma garantia comum do orçamento da União Europeia para se fazer o NexGenerationEU e os Planos de Recuperação e Resiliência. Há aqui um desafio que, no fundo, é a oportunidade para se convencer também as opiniões públicas. A União Europeia — infelizmente esse é um dos problemas — desde a sua construção, foi sobretudo crescendo baseada no medo. O medo de uma nova guerra, nas dívidas públicas, quando resultou o Mecanismo Europeu de Estabilidade, foi o medo que a crise das dívidas chegasse a todos, e os PRR foi o medo que as economias fossem afetadas e só em conjunto poderíamos vencer e ter recursos para tudo isto. Aqui também há um ponto onde vamos ter de investir, como já se percebeu — na defesa. Mas isso também é uma oportunidade para as nossas indústrias e para o reforço da investigação e até da nossa competitividade nesta área.
Vamos ter obrigatoriamente de caminhar para um aumento das contribuições dos Estados-membros? Ou o dossiê das receitas próprias vai avançar e dar resposta à necessidade de aumentar o orçamento europeu para responder a esses novos desafios?
Fui um negociador das receitas próprias. Há várias propostas em cima da mesa. O mercado de licenças de emissões e o alargamento, uma parte devia ir para o orçamento da União. O orçamento federal dos Estados Unidos é 20% do PIB. O orçamento da União Europeia é de 1% do PIB e queremos com esse dinheiro fazer tudo. Obviamente que não dá. Vai haver um problema nas próximas negociações: os PRR são dívida. E na parte das subvenções, o pagamento da dívida está dentro do 1% do PIB. E até 2058 vai corresponder a cerca de 15 mil milhões de euros por ano, e 10 a 15% do orçamento, por causa das taxas de juro que variam, terá de ser destinado ao pagamento da dívida. Devíamos ter novos recursos próprios. O mecanismos de ajustamento de carbono nas fronteiras é um outro exemplo de uma receita que devia ir para o orçamento da União Europeia. Os gigantes do digital deviam pagar: está aí uma possibilidade de uma negociação com os Estados Unidos e uma moeda de troca. Não existindo novos recursos próprios, não ficarei muito surpreendido que a solução para a defesa pudesse vir a ser, por exemplo, um PRR. Ou seja, usar-se uma garantia comum.
Não existindo novos recursos próprios, não ficarei muito surpreendido que a solução para a defesa pudesse vir a ser, por exemplo, um PRR. Ou seja, usar-se uma garantia comum.
Ou seja, novamente emissão de dívida para financiar a defesa?
Certo. Uma dívida comum para financiar a defesa. Mas aí também poderá haver uma dívida comum, por exemplo, para reconstruir a Ucrânia. Aliás, acho que as pessoas não se apercebem que a esmagadora maioria dos recursos que têm sido dados à Ucrânia são dívida com uma garantia, que é virtual porque não é preciso preenchê-la, do orçamento da União Europeia. Admito que possa existir um novo PRR, por exemplo, para a defesa, para a reconstrução da Ucrânia. Era importante é que, depois, o pagamento dessa dívida não ficasse dentro do orçamento. Se ficar é mais um corte que existe depois noutros programas, porque há um fetiche, que era preciso dar cabo dele: o orçamento da União Europeia não pode ser mais de 1% do PIB. Era importante que fosse bastante mais, porque se há orçamento que tem um efeito multiplicativo visível é o orçamento da União Europeia.
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“Admito que possa existir um novo PRR para a defesa e para a reconstrução da Ucrânia”
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