Coruche procura um grupo hoteleiro e empresas que queiram investir ali, próximo do aeroporto de Alcochete. O presidente da autarquia, Francisco Oliveira, conta, em entrevista, o trabalho de 11 anos.
Coruche, concelho vizinho do novo aeroporto de Alcochete, está a apostar na cortiça para negócio e turismo, e no reforço da habitação, procurando aliciar quem foge ao aumento de preços na Área Metropolitana de Lisboa.
No último ano do seu terceiro e derradeiro mandato, Francisco Oliveira, presidente da Câmara Municipal de Coruche, explica ao ECO/Local Online que mantém a aposta nas zonas industriais para que mais empresas se fixem, como fez o grupo Amorim, que ali tem duas fábricas, uma das quais com produção anual de mais de 5 milhões de rolhas de cortiça.
Para atrair empresas e novos residentes, reivindica “acessos rodoviários e ferroviários fundamentais para que possamos crescer, desenvolver-nos e ter atratividade”.
Assente em valores naturais, diz que urge “criar atratividade em termos turísticos para potenciar o crescimento do nosso concelho”. A aposta no turismo já levou o Executivo a criar uma área para autocaravanismo e a adquirir um terreno para hotelaria, no qual o autarca espera atrair um grupo que queira construir e explorar uma unidade de quatro estrelas.
Coruche apresenta-se como a capital mundial da cortiça. Este é um elemento fundamental no território. Tem o Observatório do Sobreiro e da Cortiça e desenvolve a Bienal de Coruche. De que forma é que um município pega num ativo que é o montado e o transforma em marca?
O montado de sobro é aquilo que tem maior dimensão, em termos do valor económico e ambiental e da biodiversidade, o que também tem a ver com o valor económico da transformação, de criação de riqueza e de empregabilidade. Assentámos a nossa imagem de marca neste produto único, que é a nossa cortiça, que vem dos nossos montados. Coruche é um dos concelhos com maior área florestal na produção de cortiça e também um dos maiores transformadores. Isso levou-nos também a associar-nos a outros municípios que estão integrados nesta rede internacional Retecork, para promovermos os nossos territórios. A Retercork, representada em Portugal, Espanha, França e Itália, tem o intuito de promover estes territórios, ajudando ao seu desenvolvimento, à promoção turística dos valores endógenos destes nossos países e territórios, para divulgarmos o que temos de melhor, a nossa floresta, o nosso montado, a nossa biodiversidade.
A cortiça cruza-se com o turismo e com a indústria, setor em que Coruche tem fábricas de um dos maiores grupos industriais do setor. De que forma é que uma marca criada para o território, a de capital da cortiça, pode ser apenas mais do que marketing?
Há pouco falou no Observatório do Sobreiro e da Cortiça, um ícone, obviamente, não só de visitação, mas também de poder chamar a si as grandes iniciativas, os grandes eventos que se desenvolvem acerca da floresta. Este espaço tem um laboratório, um centro de investigação, um conjunto de entidades que têm a sua sede social neste edifício e promovem aquilo que fazemos. Não só o concelho de Coruche, mas todos aqueles que estão envolvidos nesta promoção e divulgação acerca da cortiça e montado de sobro.
Sobre o facto de termos no nosso concelho duas unidades industriais, a Amorim Florestal e Amorim Irmãos, uma para transformação do produto primário e outra para a produção de rolhas — só para dar um exemplo, do nosso concelho saem mais de 5 milhões de rolhas para o mundo –, estamos a falar aqui num valor económico muito importante, não só para nós, mas para Portugal, e aqui pode-se dizer que somos maiores. Os maiores produtores, os maiores transformadores, os maiores importadores. Aqui, Portugal é efetivamente maior. Coruche orgulha-se dessa identidade e dessa capacidade de poder contribuir para que possamos ser os maiores a nível mundial. Agarrámos neste slogan da capital mundial da cortiça para nos promovermos, para promover o concelho. Desde logo, a componente turística, o nosso património, o Rio Sorraia, o centro histórico da vila de Coruche, os caminhos pedestres e cicláveis que foram que sendo criados no âmbito das rotas turísticas. Criar dois parques para autocaravanistas que trazem muita gente ao nosso concelho, criar o Centro de Cycling, permitindo que a utilização da bicicleta e das rotas do nosso património natural possam gerar atratividade. Precisamos de criar essa atratividade em termos turísticos para potenciar o crescimento do nosso concelho. É um valor económico que nos parece muito importante para ajudar a restauração, a hotelaria, o alojamento local e os pequenos negócios.
Apesar disso não é um concelho servido por bons acessos, não tem ferrovia nem transportes públicos atrativos.
Obviamente que temos algumas lacunas, que passam pelas acessibilidades. Claramente que o facto de não termos uma ferrovia com transporte de passageiros condiciona muito as ligações de Coruche com a Área metropolitana de Lisboa (AML), por exemplo. Temos gente que trabalha na AML e tem de utilizar a rodovia ou a viatura própria para se deslocar, e isso é condicionador. Não obstante estarmos a 10 quilómetros da autoestrada da A13, com acesso no Infantado e em Salvaterra de Magos, essa acessibilidade está ligeiramente distante daquilo que era o ideal para servir o meu território. Estamos a falar de acessos rodoviários e ferroviários fundamentais para que possamos crescer, desenvolver-nos e ter atratividade para fixar população, que é outra lacuna.
Estamos a falar de um território de baixa densidade, com perda de população, com população envelhecida e nós só conseguimos ser atrativos, cativar a população e fixar os nossos jovens se tivermos emprego, economia, se tivermos acessibilidades que permitam estas ligações e esta mobilidade intermodal entre os vários territórios. Por isso, reivindicamos a construção da travessia do Vale do Sorraia, a construção do IC13 e do IC10, por forma a podermos ter uma dimensão de mobilidade que nos aproxime mais dos grandes centros urbanos e a criar condições para as áreas de negócios. O meu concelho está na charneira da AML, na proximidade do Alentejo, Espanha, das ligações para Norte e, portanto, na proximidade do Porto de Sines. Temos uma condição geográfica extraordinária, mas as acessibilidades são constrangedoras para o nosso crescimento e o nosso desenvolvimento.
Falou do IC10, IC13, ferrovia. O que pode fazer o executivo camarário para combater o centralismo?
Não obstante o meu período de governação e de comando ser de 12 anos, eu venho do Executivo anterior. Sou autarca há 20 anos, enquanto vereador, vice-presidente e agora presidente. Aquilo que fazemos é muita pressão junto do Governo e dos órgãos onde temos influência, nomeadamente na nossa Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo, ou seja, a nossa associação de municípios, na Associação Nacional de Municípios, no sentido de fazer chegar ao Governo estas necessidades fundamentais para o nosso concelho, para o nosso território. É fundamental conseguirmos fazer esse lobby, essa pressão, para que se entenda que é fundamental ter boas acessibilidades, que permitam que as pessoas se possam deslocar sem grandes custos e que as empresas sintam que têm condições de se fixar nesses territórios do interior. Além de outras condições fiscais, que é importante que as empresas possam ter para se fixar no interior, é importante que tenham boas condições de acessibilidade.
É fundamental conseguirmos fazer esse lobby, essa pressão, para que se entenda que é fundamental ter boas acessibilidades, que permitam que as pessoas se possam deslocar sem grandes custos e que as empresas sintam que têm condições de se fixar nesses territórios do interior.
Além da reivindicação, o que podem mais fazer? Penso no projeto de ligação à ferrovia no Poceirão.
Era para o Setil, uma ligação férrea de transporte de passageiros. Durou cerca de três anos, mas não teve continuidade, exatamente porque não era atrativa. Não basta ter uma carruagem parada na estação, para esperar que os passageiros possam fazer o trajeto Coruche – Salvaterra – Cartaxo – Setil, e depois Lisboa. O itinerário da via férrea não era atrativo para que os passageiros o pudessem utilizar.
O que identificamos como viável poderia ser essa ligação ao Poceirão, entrando pela [ponte] 25 de Abril, para chegarmos a Lisboa. Há aqui uma luz e janela de esperança, chama-se NAL, novo aeroporto de Lisboa, que ficará localizado nos territórios do Ribatejo, no concelho de Benavente — ainda que se diga que é o aeroporto de Alcochete –, próximo do meu concelho. Faz extrema com o meu concelho. Será uma oportunidade para a criação das tais acessibilidades, dos IC, para a nova via férrea, que fará a ligação rápida da região Norte ao aeroporto. E será obviamente fundamental para a evolução económica e a dimensão de negócio destes concelhos. Quando falamos de uma nova área aeroportuária, além da dimensão, em termos da execução e da construção, depois atrai um conjunto de outras empresas, cria um conjunto de outras oportunidades, que são empresas que prestam serviços. Há aqui uma janela de oportunidade muito grande, e para isso é preciso que os municípios estejam preparados.
E Coruche, está a preparar-se?
Estamos a preparar-nos desde 2009, desde o primeiro anúncio de que Alcochete era a solução base.
Diga-nos ações específicas.
Criámos uma área empresarial, 47 hectares perfeitamente infraestruturados. Infraestruturas rodoviárias, água, saneamento, eletricidade, gás e ainda as componentes de acessibilidade digital que hoje são fundamentais. Esta área empresarial está expectante para poder acolher novas empresas.
Qual é a ocupação dessa nova área empresarial?
Temos cinco lotes vendidos e adjudicados às empresas. Uma empresa já começou a construir um dos lotes. Outras empresas irão construir. A questão é que algumas das empresas também estão a obter esse financiamento junto dos fundos comunitários e por vezes as coisas demoram algum tempo. Fizemo-lo em duas fases, ou seja, na minha modesta opinião, de forma inteligente, não infraestruturando tudo e tendo uma zona abandonada, mas por fases. Em função do que vai sendo a ocupação desse parque empresarial, vamos ampliando. Estas condições são fundamentais para criar negócio, que pode ficar alicerçado ou não nesta relação com o novo aeroporto, mas também com um conjunto de outras atividades paralelas. É importante termos disponíveis também terrenos para habitação. A habitação é um dos problemas do nosso país, não há habitação em lado nenhum.
E em Coruche, há?
Em Coruche também há falta de habitação. Por isso, temos um conjunto de terrenos municipais disponíveis para construção, não só nas estratégias do primeiro direito, do arrendamento acessível, mas também para os privados. Aquilo que conseguimos oferecer é um produto diferenciado — e não é publicidade –, no sentido de ter um território, um concelho com património natural vastíssimo, qualidade de vida que corresponde a tudo aquilo que são os padrões da qualidade de vida a nível da educação, do desporto, do lazer, e portanto, nós temos esses padrões de qualidade de vida para oferecer também àqueles que possam ser os novos residentes.
Que terrenos já disponibilizaram aos privados? Têm previsto o modelo de cooperativa, por exemplo?
Não temos esse modelo de cooperativa. O que temos são um conjunto de urbanizações e loteamentos privados que estiveram parados e não tiveram desenvolvimento nos últimos anos. Agora, está-se a perceber que esta bolha, digamos assim, ou a onda, que inundou Lisboa, Almada, Barreiro, Alcochete, Montijo, está a crescer para Benavente e para Coruche. O que verificamos é que há uma grande procura de habitação. Alguém que vende um apartamento em Lisboa por 400 mil ou 500 mil euros consegue comprar um apartamento em Coruche por 180 mil ou 200 mil euros. Tem-se verificado aqui essa procura e todas as urbanizações privadas estão a ser neste momento licenciadas para a construção, quer de prédios, quer de moradias.
Nos últimos anos, na relação de procura identificada através do IMT, as nossas receitas subiram gradualmente. Significa isto que houve muita venda de habitação e de terrenos também, de pessoas que procuraram, não só por via da questão pandémica, mas também por esta questão de que os valores e o custo de vida na cidade, e na área metropolitana que envolve a cidade, está a ficar de tal forma insustentável, que as pessoas vão procurando outras áreas para focalizar, e Coruche tem essas condições para oferecer. Temos de ter mais oferta de emprego, mais oferta de mobilidade acessível para todos. E, obviamente, componentes que deem resposta à grande procura turística que temos tido, que é uma aposta nossa.
Nesse particular, tem a decorrer um concurso para um hotel de quatro estrelas. Porque é que Coruche nunca teve um hotel? Nunca houve interesse de privados? A Câmara só agora acordou para a necessidade de ter um hotel?
Não. Nós acordámos há muito tempo. Somos pessoas de visão, de futuro e obviamente que conseguimos identificar aquilo que são as nossas lacunas ou aquilo no qual nós não somos suficientemente bons e concorremos para sermos efetivamente bons. E, portanto, é uma loucura muito grande que o meu concelho tem é não ter um alojamento hoteleiro. Temos dois pequenos hotéis de 14, 15 quartos, temos alojamento local, turismo rural, mas não responde àquilo que são as necessidades do concelho. Não só as necessidades permanentes, mas também as eventuais.
Hoje em dia, a procura é diária, mas também existem um conjunto de eventos promovidos pelo município de Coruche e pelas empresas que trazem a todo o concelho muita gente que não tem onde ficar, e depois vão ficar nos concelhos vizinhos, Almeirim, Salvaterra, Benavente, onde existe mais alguma oferta. Nós conseguimos adquirir um terreno numa zona privilegiada, com uma vista soberba sobre o Vale do Sorraia, sobre a vila de Coruche, na proximidade da Ermida Nossa Senhora do Castelo, que é também o nosso ícone em termos religiosos, da nossa padroeira, e conseguimos adquirir esse terreno. São 9.000 metros, e estamos a promover, a divulgar a venda desse mesmo terreno para um valor baixíssimo. Não chega a 200 mil euros, não chega ao valor do apartamento.
Para que uma unidade hoteleira, para que um investidor se possa efetivamente localizar naquele espaço. Um espaço elevado da nossa vila de Cruz, numa envolvente que está a ser agora requalificada, por forma a criamos essas condições. Apontamos para um hotel de quatro estrelas, para 45 a 75 quartos — tem aqui alguma flexibilidade, para não haver o registo muito apertado para o investidor ou para o hoteleiro poder investir. Estamos nesta procura incessante há algum tempo. Perguntar-me-á porque é que não há ainda o hotel. O que se verifica é que os grandes negócios hoteleiros procuram ainda o litoral, as grandes cidades, aquilo que é a rentabilidade rápida e o retorno rápido do seu investimento. Estamos a falar de investimento entre 9 a 14 milhões de euros para aquele espaço, mas que é fundamental. Um hotel naquele local, com aquelas condições magníficas de instalação, gera depois outras áreas de negócios para outras unidades de menor dimensão, que não sendo concorrenciais, beneficiam claramente daquele espaço.
Já percorremos todas as capelinhas, inclusivamente nas feiras de turismo nacionais e internacionais de Portugal, Espanha. Nós temos que vender o nosso produto porque o nosso produto é o melhor.
Considerando que os dois maiores grupos hoteleiros nacionais, Pestana e Vila Galé, têm apostado também no interior, já fizeram contactos?
Já percorremos todas as capelinhas, inclusivamente nas feiras de turismo nacionais e internacionais de Portugal, Espanha. Nós temos de vender o nosso produto porque o nosso produto é o melhor, a nossa terra, o nosso concelho os nossos homens e mulheres em termos de empreendedorismo. Mas temos que conseguir vender de forma que seja entendível. Já o fizemos, nessas feiras, como disse, promovemos e temos agora um consultor externo que está também empenhado, porque esta não é a nossa área de atuação. Os municípios, enquanto entidades públicas, estão muito formatados para um conjunto de serviços públicos, e não para terem serviços na área da hotelaria. Contratámos um consultor que está a fazer essas pontes e essas ligações todas com os grupos hoteleiros de maior importância, no sentido de os conseguir trazer até nós, para que nós consigamos localizar essa unidade hoteleira, que é fundamental para o meu concelho.
Quando se poderá passar uma noite nesse hotel em Coruche?
Como eu sou um homem que acredito, tenho fé e acredito muito — tendo em conta toda a importância que tem, até em termos de negócio e de ativo de negócio — que no próximo ano consigamos encontrar esse investidor, esse hoteleiro que queira investir e se sinta cativado pelo nosso concelho.
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“As acessibilidades são constrangedoras para o nosso crescimento”, diz autarca de Coruche
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