• Entrevista por:
  • Alexandre Batista

“Em Oeiras, em 100 apartamentos, 70 são para a câmara”

Isaltino Morais, acérrimo defensor da nova lei dos solos, acusa o Estado de ser o culpado pela especulação atual. Em Oeiras, assegura, será a câmara a determinar o que os privados farão.

A lei que o Governo de Pedro Passos Coelho publicou em 2014, e que determinou o fim dos solos urbanizáveis, é responsável pela atual especulação imobiliária, ao restringir o número de terrenos disponíveis para construção e gerar um aumento de preços que em Oeiras significa uma quadriplicação do que se praticava há uma dúzia de anos. Esta é a opinião firme de Isaltino Morais, autarca de Oeiras, chamado ao Parlamento nesta quarta-feira pelo PSD. O autarca irá apresentar as suas razões em defesa da lei que o Governo de Luís Montenegro lançou no final do ano passado, e que, por impulso de Helena Roseta, acabou por ser chamada a votação em Plenário, já marcada para a próxima sexta-feira. Em entrevista ao ECO, Isaltino Morais garante que os privados terão pouca margem de manobra na transição dos terrenos de rústico para urbano, tanto no preço a que venderão o terreno quanto no tipo de construção a fazer. Em defesa da sua posição, o autarca que está há 40 anos em Oeiras nota que todas as 6.000 casas entregues pela câmara foram erguidas, ao longo destas décadas, em terrenos rústicos.

Estamos num momento de discussão da lei dos solos, da qual é um dos grandes defensores. É mesmo essencial construir em solo rústico?

Em 2012, em Oeiras, Algés, Paço e Arcos, o terreno com potencial construtivo comprava-se a 400 euros por metro quadrado. Sabe como é hoje? 1600. Aumentou 400%. Se se vai construir habitação pública ou social em terrenos já urbanos, ultrapassa os valores das casas em custos controlados. Nem o país tem dinheiro para isso, nem a União Europeia dá dinheiro, porque ultrapassa os valores das casas em custos controlados. Só o valor do terreno já é mais do que o que está estabelecido para construção a custos controlados.

Há falta de casas em Oeiras?

O problema hoje não é de falta de casa, é não se construir para a classe média, porque os promotores imobiliários não encontram terrenos a preços compatíveis para esse efeito.

E aproveitar prédios devolutos, ou em ruínas?

Exatamente a mesma coisa. Em algum prédio degradado onde queiramos fazer habitação pública, vamos pagar os tais 1.600 euros por metro quadrado com potencial construtivo. E depois, a construção ou reconstrução de um prédio degradado ainda sai mais caro do que fazer habitação nova. Se queremos, sinceramente, fazer habitação pública, temos que ter terrenos. Depois vem a extrema esquerda, e não só: “especulação imobiliária! Vão pôr mais terrenos rústicos urbanizados, isso vai fazer aumentar o preço”.

Não só a extrema-esquerda. A arquiteta Helena Roseta di-lo também, e é insuspeita de ser extremista.

A Helena Roseta nunca fez uma casa da vida. Não tem a mínima noção do que é a habitação pública. Quando foi presidente da câmara de Cascais, fomentou a construção clandestina. E agora vem falar de autoconstrução. A autoconstrução está datada, faz parte da construção clandestina. O problema então, põe-se assim: quem é o maior especulador do país?

O promotor imobiliário?

Não. É o Estado. Por uma razão muito simples. Quando o Estado aprovou, em 2014, a Lei 31/2014, dizia que era para combater a especulação. Acabou com os terrenos urbanizáveis e só ficaram urbanos e rústicos. Sabe o que aconteceu? Os urbanos começaram a subir. A especulação imobiliária dá-se com a escassez. Se houver muito terreno disponível, o preço dos terrenos baixa. Quem criou esta situação foi o Estado, ao dar prioridade a um discurso, a uma retórica de minimização das alterações climáticas, protegendo a libelinha e o gafanhoto e esquecendo-se deste ser que somos nós.

 

Convém proteger a libelinha. O betão não está em risco de extinção.

E você? A libelinha morre em 15 dias. Você pode durar 100 anos. A libelinha vive ao ar livre. Você quer viver debaixo da ponte?

Mas o país não está esgotado. Não existirá antes uma deslocação excessiva para o litoral?

Estamos a falar de ser humano. E você não se preocupa com as pessoas? As pessoas não são o elemento mais importante no planeta? Punam-se as pessoas que cometem crimes. Mas as pessoas têm que ser protegidas, têm que ter um teto. Os terrenos rústicos para serem afetos para urbanos, têm de ser para habitação pública, estão fora do comércio, não há especulação imobiliária.

Em Oeiras, garanto-lhe que é assim: em 100 apartamentos, 70 são para a câmara. Os outros 30 são para o privado fazer o que quiser.

Essa era a versão do Governo de António Costa, que limitava a possibilidade de conversão de rústico para urbano à construção de habitação pública.

Qual foi a diferença da lei socialista para a do PSD? A lei socialista permitia apenas habitação pública para arrendamento. Esta permite que haja 70% para habitação pública, podendo ser vendidos 30%. Qual é a vantagem? Se as câmaras municipais puderem negociar a aquisição de terrenos, dizendo ao promotor “70% é para nós para habitação pública, mas os outros 30% vais poder fazer o que quiseres”, a câmara, em vez de pagar 200 euros por metro quadrado, pode pagar 100.

No caso de Oeiras, vamos permitir que em 30% se faça habitação privada para venda. Há famílias da classe média que têm dinheiro para comprar uma casa por 150 mil euros, e em vez de estarem a viver numa casa arrendada pelo Estado, ou pela câmara, compram a sua própria casa, fazem o seu esforço.

É diferente de terem de pagar 300 mil euros. Não falta habitação em Portugal… para ricos. Os promotores privados têm que fazer casas para quem tem dinheiro para comprar ou arrendar. Não são eles que têm de fazer ação social. Quem tem que construir para as famílias que não têm dinheiro para comprar ou arrendar são as câmaras municipais, com habitação pública. Em Oeiras, garanto-lhe que é assim: em 100 apartamentos, 70 são para a câmara. Os outros 30 são para o privado fazer o que quiser.

É a regra que estabeleceu?

Está estabelecida! Pode escrever. A demagogia é tanta que até já dizem que os terrenos rústicos vão disparar e que até já há agências imobiliárias a negociar os terrenos rústicos. Mas como podem andar as agências a negociar — nessa altura, só significa o atraso deste país — se as câmaras municipais ainda não decidiram… nem eu sei, aqui em Oeiras. Encarreguei três arquitetos de fazerem levantamento dos terrenos rústicos aqui do concelho. Estou à espera que me digam quais são. Temos 1.500 casas em construção. Eu quero mais 4.000.

Toda a habitação pública construída em Oeiras, e já vamos com 6.000 casas, aconteceu em terrenos que eram rústicos e foram expropriados em 1977, em pleno período revolucionário. Mas os revolucionários tiveram consciência de que havia gente nas barracas.

De onde vêm os fundos?

De onde vêm sempre?

Agora, do PRR.

Nos anos 80 veio do PER, agora do PRR. E vem do orçamento próprio do município. Nós fazemos habitação jovem, já vamos com quase 50 milhões de euros, com orçamento da câmara. Aqui, os arrendatários pagam rendas. Estive num debate na televisão com o Ricardo Leão, de Loures. Disse que, quanto à câmara, 55% dos arrendatários não pagavam renda. Porque os obrigou a pagar renda, já o estavam a equiparar com o jogo do Chega. Em Oeiras, esse problema não se põe: seja preto, cigano, branco, amarelo, vermelho, não paga, vai para a rua. Há muitos anos. A nossa percentagem de incumprimento não chega aos 5%.

Com exceção deste edifício [em construção em Carnaxide], toda a habitação pública construída em Oeiras, e já vamos com 6.000 casas, aconteceu em terrenos que eram rústicos e foram expropriados em 1977, em pleno período revolucionário. Mas os revolucionários tiveram consciência de que havia gente nas barracas. Na Outurela, era um terreno à volta de 30 hectares. O terreno custou-nos 30 milhões de euros, já fui eu que o paguei. Apesar de a expropriação ter sido em 1977, comos os terrenos são, normalmente, de ricos, eles estão-se marimbando relativamente ao momento em que recebem. Se têm possibilidade de aguentar, não querem negociar. Em 1977 expropriaram-se terrenos em Oeiras que permitiram que a câmara sobrevivesse até agora. Os programas de habitação que temos esgotam todos os terrenos urbanos que o município tem. A partir de agora, ou convertemos terreno rústico em urbano, e é o que a lei nos permite fazer, ou não temos terreno. Vamos negociar, se não chegarmos a acordo, expropriamos.

Vai ter que teto? Os 200 euros de que falou há pouco?

Sim, não vou passar disso.

  • Alexandre Batista

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