Ricardo Rio é presidente da Câmara de Braga e defende a revisão da Lei das Finanças Locais. Em tempos de choque energético, o autarca propõe ao Governo a redução do IVA na iluminação pública.
Reduzir o IVA na fatura da iluminação pública para “tornar esse custo mais acessível para as câmaras municipais” é uma das bandeiras do presidente da Câmara Municipal de Braga, Ricardo Rio, como líder da Comunidade Intermunicipal (CIM) do Cávado. O apelo já foi feito sem sucesso junto do Governo e Ricardo Rio considera que “não faz sentido os custos estarem a aumentar e o Governo ainda estar enriquecer à custa das câmaras municipais”.
Com o agravamento do contexto económico mundial, a situação piorou ainda mais. “A CIM está, nestes últimos meses, a pagar mais 30% de custos de energia em termos de iluminação pública.” Sem resposta do Governo, a alternativa para baixar o custos, aponta Rio, passa pela “substituição da iluminação pública por LED, o que iria possibilitar uma poupança de 30%”, ou seja, cerca de três milhões de euros na CIM.
Outra das reivindicações deste defensor acérrimo da regionalização passa pela alteração de alguns pontos da Lei das Finanças Locais como passar a haver uma maior transparência fiscal na relação entre as câmaras e o Estado central. Em entrevista ao ECO/Local Online, Ricardo Rio enumera ainda “a ligação entre o local onde os impostos e as receitas do Estado são geradas, e aquele local onde são efetivamente investidos” como um dos pontos a mudar. “Sou daqueles que defendem que deveria existir uma maior transferência do IVA gerado em cada território para benefício desse mesmo território.” O IUC passar a ser receita dos municípios onde os veículos circulam é outra das medidas a introduzir.
Da “marginalização” das autarquias “em relação àquilo que era a possibilidade de aproveitamento dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência Português (PRR) à necessidade do processo da descentralização “merecer algumas cautelas, que agora poderão ser acomodadas com este adiamento” do prazo da transferência de competências na área da ação social.
Tem reivindicado a redução do IVA na fatura da iluminação pública.
Sim, defendo a redução enquanto presidente da Comunidade Intermunicipal (CIM) do Cávado. Fizemos um estudo sobre os consumos energéticos na CIM e o agravamento dos custos no atual contexto por causa dos aumentos dos preços da energia. E verificámos que a CIM está, nestes últimos meses, a pagar mais 30% de custos de energia em termos de iluminação pública.
Não faz sentido os custos estarem a aumentar e o Governo ainda estar enriquecer à custa das câmaras municipais, porque com a aplicação do IVA de 23%, cerca de um quinto ou mais do que um quinto do aumento dos custos reverte diretamente para o Governo.
Se já no passado defendíamos a ideia de baixar o IVA da iluminação pública para tornar essa despesa mais acessível para as câmaras municipais, hoje em dia, num contexto de agravamento dos custos, isso ainda é mais pertinente.
Reveste importância em que sentido?
O objetivo não é apenas poupar dinheiro, mas sim pegar nesse dinheiro que podemos poupar ou pelo menos naquilo que seria a diferença face a uma taxa de 6% e investir na renovação das luminárias. No caso da CIM do Cávado estamos a falar de cerca de 2,5 milhões de euros de IVA que nós pagamos por ano.
A substituição da iluminação pública por LED iria possibilitar uma poupança de cerca de 30% do custo e também seriamos muito mais sustentáveis do ponto de vista ambiental, porque o número de emissões seria substancialmente reduzido.
Não faz sentido os custos estarem a aumentar e o Governo ainda estar enriquecer à custa das câmaras municipais, porque com a aplicação do IVA de 23%, cerca de um quinto ou mais do que um quinto do aumento dos custos reverte diretamente para o Governo.
Já diligenciaram junto do Governo no sentido da redução do IVA?
Sim. Aliás, a própria Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) já tinha feito no passado e nós agora também nos dirigimos diretamente ao primeiro-ministro António Costa com essa tomada de posição. Pelo menos até agora o Governo não aceitou e também não quer.
Perante o ‘não’ do Governo, a CIM tem alternativas?
Obviamente que não havendo esse apoio direto do Governo, estamos a estudar outras alternativas que também são muito relevantes do ponto de vista da necessidade de promover a renovação da iluminação pública para uma mais sustentável.
Infelizmente, de acordo com as informações que vamos tendo, no Portugal 2030 não estão previstos financiamentos para substituição da iluminação pública. Mas estamos a discutir, entre a CIM e outras entidades, a possibilidade de criar alguns projetos que nos permitam acelerar essa mesma renovação.
Se neste momento conseguíssemos substituir todas as luminárias por LED, no território da CIM, gastaríamos menos 30% do que a despesa que temos hoje, ou seja, pouparíamos cerca de três milhões. A Comunidade Intermunicipal agrega seis municípios: Braga, Barcelos, Vila Verde, Amares, Terras de Bouro e Esposende. Também será de um contributo muito grande para a sustentabilidade do território.
Se neste momento conseguíssemos substituir todas as luminárias por LED, no território da CIM, gastaríamos menos 30% do que a despesa que temos hoje, ou seja, pouparíamos cerca de três milhões.
A Lei das Finanças Locais deveria ser alterada?
Sim, a Lei das Finanças Locais tem vários aspetos que precisam de correções, alterações, clarificações, como por exemplo a ligação entre o local onde os impostos e as receitas do Estado são geradas, e aquele local onde são efetivamente investidos. Foi feita uma experiência de fazer uma transferência de uma parcela do IVA gerado na hotelaria, por exemplo na restauração, para os municípios. Mas porque é que se transfere esse IVA e não se transfere outros que tenham sido gerados no comércio em geral ou que tenham sido dados noutras operações económicas?
Sou daqueles que defendem que deveria existir uma maior transferência do IVA gerado em cada território para benefício desse mesmo território.
Depois, temos outras situações muito iníquas, por exemplo o caso do IUC [Imposto Único de Circulação] que tem o objetivo de criar condições para que os municípios possam assegurar a manutenção e a conservação das vias onde os carros circulam. Mas boa parte do IUC não é receita dos municípios onde os carros andam, mas sim dos sítios onde as empresas de leasing e de renting têm as suas sedes. Ou seja, municípios como Cascais, Sintra ou Lisboa têm uma receita que não corresponde àquilo que é a utilização das suas vias pelos veículos que lá estão registados e portanto, obviamente essa é uma situação que tem que ser corrigida.
Também tem de ser melhorada a transparência fiscal na relação entre as câmaras e o Estado central, porque temos muito pouco controlo sobre aquilo que são as bases de cálculo de muitas receitas, como a derrama e outras que são geradas no nosso concelho e que cabe a nós receber.
A alteração deveria ocorrer no imediato?
Até nem sei se é preciso uma alteração legislativa. Basta se calhar mudar os procedimentos para que seja reforçada essa mesma transparência fiscal para que nós saibamos exatamente quais são as fontes de geração desses impostos, da mesma maneira que sabemos quais são os imóveis que geram a tributação em sede de IMI [Imposto Municipal Sobre Imóveis].
Concorda com a execução do PRR que está afeta às autarquias?
No cômputo geral, as autarquias foram claramente marginalizadas em relação àquilo que era a possibilidade de aproveitamento dos fundos do PRR. Todos os contributos que Braga deu para o PRR foram totalmente excluídos.
Contudo, somos beneficiários do PRR num programa que é muito importante e que saudamos que é a criação de mais camas para residências universitárias. Braga é um dos maiores beneficiários a nível nacional, porque vamos a fazer um investimento de mais de 25 milhões de euros para criar mais 700 camas até 2025, no âmbito das obras da antiga Fábrica Confiança. O projeto é comparticipado a 100% pelo PRR daquilo que é elegível.
No cômputo geral, as autarquias foram claramente marginalizadas em relação àquilo que era a possibilidade de aproveitamento dos fundos do PRR.
Como acha que está a decorrer todo o processo de descentralização de competências?
Braga ainda não assinou o auto de transferência das competências na área da saúde, por questões de natureza financeira, por não concordar com a comparticipação proposta face aos custos reais que o próprio Estado já suporta.
No caso da ação social, a situação é muito mais complexa do que isso, porque só agora é que estão a promover reuniões de preparação dos recursos humanos para poderem assumir essas mesmas competências. E existem dúvidas, que não foram ainda totalmente esclarecidas, sobre a rede que o Governo aparentemente quer fazer valer no momento da transferência de competências em termos de parceiros em cada um dos territórios.
Portanto, por todas essas razões parece-me que esse processo deveria merecer algumas cautelas, que agora poderão ser acomodadas com este adiamento.
Concorda com o adiamento do prazo da transferência de competências no domínio de ação social de 1 de janeiro para 3 de abril de 2023?
Embora tardia, esta decisão vem ao encontro da reivindicação de um número significativo de autarquias e da ANMP. Para lá da falta de acordo em relação a aspetos financeiros, havia neste caso a impossibilidade prática de assumir tais responsabilidades por falta de informação e formação aos nossos colaboradores.
E em relação às outras áreas, como a do património?
As outras áreas têm corrido de uma forma mais ou menos tranquila. Mas uma das áreas que mereceria também um outro impulso, que tem a ver com a utilização do património do Estado, e dou o exemplo, mais uma vez, da CIM do Cávado e da Câmara Municipal de Braga. Estamos há quase seis anos a tentar negociar com o Estado algum património, que está devoluto no concelho de Braga, podendo entregar, em contrapartida, algum dos ativos que recebemos como é o caso do Palácio dos Biscainhos.
Mas, a verdade é que os próprios ministérios não se entendem entre si e temos este processo a arrastar-se já quase seis anos sem que o Governo consiga chegar a um entendimento para o concretizar.
A descentralização é um caminho para a regionalização?
Não, porque são processos totalmente independentes. Vejo com muito bons olhos esta iniciativa do Governo de descentralizar diversos serviços nas comissões regionais. O processo de regionalização tem duas dimensões: uma dimensão de otimização da rede de serviços públicos e uma dimensão de legitimação democrática.
A partir do momento em que não vai haver referendo, essa dimensão de legitimação democrática não é viável, mas obviamente que, pelo menos, a componente da otimização da rede de serviços pode ser feita e essa não carece de referendo. Acho bem que o Governo avance com ela.
A regionalização é para avançar?
Sou um defensor da regionalização, porque iria beneficiar o país. O grosso dos argumentos, que se tem apresentado, contra a regionalização é manifestamente demagógico. Aliás, não deixa de ser curioso vermos algumas das pessoas — que diziam que quando se fizesse a regionalização se estaria a criar uma rede de tachos por todo o país –, serem agora das primeiras a dizer que não aceitam estas medidas do Governo do ponto de vista da descentralização de diversos serviços regionais, porque vão retirar cargos de chefia a nível regional nas diferentes áreas.
Esta transferência de competências para as CCDR pode assim ser um caminho para a regionalização?
Sim, é, mas não tanto na parte da legitimação democrática, mas pelo menos do ponto de vista da organização de serviços que é também uma dimensão muito importante.
Quais são as expectativas da Câmara Municipal de Braga em relação ao Portugal 2030?
Não haverá grande surpresa, pois iremos contar com o volume financeiro muito em linha com aquilo que foi o Portugal 2020, em que recebemos cerca de 22 milhões de euros de PEDU (PLano Estratégico de Desenvolvimento Urbano) e depois ainda pudemos enquadrar vários projetos municipais na contratualização da CIM que foi de cerca de 45 milhões de euros.
Não deveremos, por isso, ter uma diferença muito significativa face àquilo que foi o quadro anterior. A grande diferença tem a ver com a componente do Bus Rapid Transit (BRT) de Braga, porque, segundo o primeiro-ministro e a ministra da Coesão Territorial, há uma verba de 100 milhões de euros consignada para financiar o BTR.
Não é um metro, mas sim uma via de circulação de autocarros em canal dedicado. É mais barato, mas ainda assim exige algum investimento que estamos a falar não só de intervenção no espaço físico mas também da aquisição de material circulante, nomeadamente autocarros movidos a hidrogénio que serão de acordo com os estudos realizados aqueles que nós vamos utilizar para este efeito.
E em relação à CIM?
Também se perspetiva que não que haja diferenças muito substanciais para a CIM. Mesmo que os valores se mantenham do Portugal 2020 para o Portugal 2030, há aqui um ganho pelo facto das despesas anteriores, em que as CIM eram barrigas de aluguer, não estarem agora consideradas. Refiro-me por exemplo, às bolsas de investigação ou aos custos dos contratos de emprego e inserção do IEFP.
A propósito do Portugal 2030, a CIM do Cávado tem em cima da mesa algum projeto bandeira?
Na CIM do Cávado há um projeto bandeira que tínhamos pensado concretizar e que esperamos que possamos fazê-lo no novo quadro que é a Ecovia do Cávado. Mas a juntar a isso, há projetos que estamos a trabalhar em conjunto, como a criação de melhores condições de acolhimento empresarial, de mobilidade dentro da própria CIM e da tal eficiência energética em termos de renovação das luminárias públicas.
Qual é o valor do investimento?
O orçamento inicial para todas as cinco linhas previstas era de 150 milhões de euros. A consignação, que teremos no tal programa nacional, são cerca de 100 milhões de euros. Admito que no início para pôr o BRT a funcionar iremos precisar de 115 milhões de euros que vamos buscar a este programa nacional para ação climática e sustentabilidade de 100 milhões de euros.
Acha que Braga está bem servida em termos de acessibilidades e mobilidade?
Estamos do ponto de vista rodoviário, porque Braga está muito bem ligada a outros eixos regionais. O grande problema é a nível ferroviário. Por isso, é muito importante o investimento que está anunciado em termos da criação da nova estação de Braga e da inserção na linha de alta velocidade que vai ser criada.
Acredita que a linha vai para a frente?
Acredito. O Governo tem insistido muito nesse compromisso e tem sido anunciado que o primeiro troço a ser concretizado é Braga-Valença. A expectativa é até 2030 e vai ser muito importante, porque é completamente diferente termos um comboio que nos põe daqui a Vigo em quase duas horas do que um que nos põe lá em meia hora.
Como é que Braga pode contribuir para o país?
Braga é um motor importante do crescimento do país. É um dos concelhos com mais dinamismo demográfico, porque foi aquele que mais cresceu em população na última década. É um concelho rico nas suas instituições, desde as universidades até ao tecido empresarial, estruturas de investigação, e tecidos social e cultural. Temos uma rede de instituições muito forte que acaba por contribuir também para esta vitalidade do concelho.
Braga tem, de certa forma, liderado até em termos de boas práticas em muitas áreas que são importantes para o nosso futuro. Hoje, o concelho é uma referência nacional e internacional. Temos sido muito reconhecidos pelos padrões elevados de qualidade de vida que a cidade oferece em custos mais confortáveis do que aqueles que outras cidades à nossa volta e de maior dimensão naturalmente permitem garantir.
Por outro lado, fruto deste crescimento económico que a cidade vai registando, também precisa de mão-de-obra e talento.
Em relação ao caso de Luísa Salgueiro como arguida?
Registo com muita preocupação a judicialização, que se tem verificado da política, que é estimulada por muitos agentes políticos. Mas também depois é alimentada e escalada pela própria comunicação social, pelas instâncias judiciais e por várias outras pessoas com responsabilidade que deveriam alertar para os riscos que este fenómeno da judicialização da atividade política pode causar sobre a confiança dos cidadãos no regime democrático.
Não conheço em detalhe o processo da Luísa Salgueiro. Mas, se aquilo que veio a público é o que está no processo, obviamente fico muito apreensivo que possa existir um tratamento tão ligeiro de uma situação que é inequívoca. Até porque, um chefe de gabinete é um cargo de confiança política e nunca poderia, em circunstância alguma, ser aberto um procedimento de contratação pública. Portanto, se foi isso que levou a que seja constituída arguida, isso é do domínio do surreal, pois por essa lógica deixa existir lei e assim passamos a estar sujeitos ao livre arbítrio de quem quer que conduza uma investigação.
Um ajuste direto é um procedimento contratual perfeitamente enquadrado na lei. E se não existisse em todos os organismos de governação pública, o país parava, porque nunca poderíamos garantir o normal funcionamento das instituições se não houvesse esse tipo de procedimento.
Mas hoje em dia, de uma forma geral, criou-se a ideia que um ajuste direto é um ato de corrupção, um ato de favorecimento. Um ajuste direto é um procedimento contratual perfeitamente enquadrado na lei. E se não existisse em todos os organismos de governação pública, o país parava, porque nunca poderíamos garantir o normal funcionamento das instituições se não houvesse esse tipo de procedimento.
Portanto, é muito curioso que se comece a estimular uma ideia de que todo e qualquer ajuste direito é um ato de favorecimento de alguém, porque não é assim.
Chega um ponto em que existe um escrutínio na praça pública?
Acho que todas as situações que suscitem dúvidas têm que ser escrutinadas, mas em primeiro lugar na esfera judicial. Estes julgamentos em praça pública, que às vezes se fazem, são muito perniciosos, porque no fundo só tem como resultado condenações. Depois de um processo destes ser discutido na praça pública, nunca mais ninguém é inocentado e quando vier a ser inocentado já está condenado porque já toda a gente achou que fez e que aconteceu.
Tem de existir alguma reserva no tratamento destes casos até que se apurem conclusões e têm de ser feitas as investigações que se entendam necessárias e pelas entidades competentes que tem que fazer esse trabalho.
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